Casas de repouso
Problemas encontrados em instituições de longa permanência para idosos devem ser denunciados aos Ministérios Públicos Estaduais e às vigilâncias sanitárias municipais, para que esses órgãos possam fiscalizá-las e tomar as medidas necessárias
Confiança. Essa é a palavra-chave entre consumidores e instituições de longa permanência para idosos (ILPI) – popularmente chamadas de casas de repouso. E foi justamente a falta de confiança que fez a empresária Susi Balista tirar seu pai de uma instituição em Araraquara (SP), em 2019. "Meu pai tinha Alzheimer e precisou fazer uma cirurgia na bacia. A recuperação era delicada, ele não podia andar, e eu e minha irmã não tínhamos como cuidar dele, pois minha mãe também estava hospitalizada. Então, decidimos levá-lo para uma casa de repouso até que ele se recuperasse. Foi uma decisão muito difícil, mas acreditamos que era o melhor a ser feito e que ele estaria bem assistido, já que a casa era muito conceituada", conta Balista. Mas embora fosse um estabelecimento respeitado, um problema sério aconteceu: "Deram uma dose muita alta do calmante que ele tomava quando ficava agressivo (três vezes mais alta do que a prescrita pelo geriatra dele), e ele foi parar na UTI. Quando ele saiu do hospital, levei ele direto para casa", ela diz.
Apesar de esse tipo de problema não ser muito comum, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) recebe uma série de reclamações envolvendo falta de limpeza, cheiro de urina, má qualidade da alimentação, profissionais pouco qualificados e maus-tratos. Irene Cavalcante* (*a pedido da associada, seu nome foi trocado), cuja irmã vive numa casa de repouso de alto padrão num bairro nobre de São Paulo (SP), nos relatou que as roupas somem e que estão manchadas, porque os cuidadores não colocam babador na hora de dar comida; que o lugar é sujo e desorganizado; que o guarda-roupa está sempre bagunçado. "Pago R$ 15 mil por mês para encontrar minha irmã com as unhas compridas e comida seca perto da boca", indigna-se.
O papel de fiscalizador das ILPIs cabe ao Ministério Público, juntamente com as vigilâncias sanitárias municipais (ou estaduais, caso o município não tenha uma). Essa fiscalização depende do tamanho da cidade. "Nas pequenas, com poucas ILPIs, o promotor faz as visitas. Mas em São Paulo (SP), por exemplo, somos dois promotores e mais de 700 instituições. Então, visitamos algumas, mas a maioria das inspeções é feita pela vigilância sanitária, com o nosso acompanhamento", explica Cláudia Maria Beré, Promotora de Justiça do MP-SP. Segundo ela, os funcionários das vigilâncias sanitárias olham tudo: quartos, cozinha, banheiros, sala de enfermagem, despensa etc. e, se estiver tudo adequado, emitem o cadastro municipal de vigilância. Se encontrarem algum problema, estipulam um prazo para que ele seja solucionado. Se não for, a instituição pode receber uma multa, ser interditada parcialmente (pode funcionar, mas não receber novos idosos) e, nos casos graves, ser fechada até que a situação seja regularizada.
Além da fiscalização oficial, a observação da família é muito importante, de acordo com Beré: "Os maiores fiscais do serviço prestado pelas ILPIs são os idosos, que estão lá todos os dias, e a família. Mas às vezes, o idoso relata problemas, e os familiares não acreditam". Assim, é importante ficar de olhos e ouvidos bem abertos e se notar algo estranho ou que considere inadequado, denunciar por meio do Disque 100, em casos de maus-tratos e violações aos direitos humanos; ao Ministério Público, à Vigilância Sanitária ou ao Conselho Municipal do Idoso. "As denúncias são muito importantes e nos ajudam, mesmo quando são genéricas, sem muitos detalhes. É por meio delas que descobrimos a existência de instituições que não conhecíamos, pois todo dia aparece uma nova, e muitas começam a funcionar sem nem colocar placa na porta", afirma a promotora.
DIREITOS GARANTIDOS
Os direitos das pessoas idosas estão garantidos na Lei nº 10.741/2003 – mais conhecida como Estatuto do Idoso –, que traz em seu capítulo II os deveres das entidades de atendimento aos idosos. Mas as regras mais específicas estão na Resolução RDC nº 502/2021, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Igor Lodi Marchetti, do Idec, lembra que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também pode ser aplicado: "Os artigos 6, inciso III, que trata do direito à informação; 20, sobre prestação de serviço; e 39, inciso IV, acerca da vulnerabilidade do consumidor são alguns exemplos".
Embora menos frequentes, o MP também recebe denúncias das instituições de longa permanência. As mais comuns, segundo Beré, são de abandono (idosos cujos familiares não os visitam) e de internação forçada (quando o idoso é levado para a IPLI contra a sua vontade). "Isso [internação forçada] é reflexo de uma sociedade que não respeita a autonomia da pessoa idosa. Mas é importante saber que o artigo 45 do Estatuto do Idoso prevê que o contrato deve ser assinado pelo idoso. Apenas se ele for incapaz é que o documento pode ser assinado por seu responsável legal", ela informa.
A IMPORTÂNCIA DO CONTRATO
Para Igor Lodi Marchetti, advogado do Idec, a transparência é fundamental, pois quando os familiares recebem informações claras tendem a ficar mais tranquilos. "A transparência é um ótimo remédio contra conflitos", declara. Há 10 anos, Maíra Alves Feltrin, advogada e professora universitária, tirou seu pai, que tinha Alzheimer, de uma casa de repouso por conta da falta de transparência e dos abusos cometidos. "A casa tinha uma estrutura legal, mas com o tempo, começaram a fazer muitas exigências não previstas em contrato. Toda semana, quando eu ia visitá-lo, me pediam para pagar alguma coisa. Chegaram ao ponto de me dizerem que ele comia demais", ela lembra. Descontente, ela decidiu tirar o pai de lá no dia em apresentaram uma fatura altíssima, mais da metade do valor da mensalidade, alegando que tinham comprado um medicamento. Mas os funcionários não deixaram ele sair, exigindo o pagamento. "Discuti muito, disse que ia chamar a polícia, mas não teve jeito, acabei pagando", ela diz.
"Assim como qualquer prestador de serviço, as casas de repouso precisam fornecer um contrato informativo e claro, indicando o tipo de acomodação; dando detalhes sobre as refeições (quantas são, se são preparadas no próprio local ou compradas fora etc.); e especificando os serviços que não estão incluídos na mensalidade", exemplifica Marchetti. E Beré acrescenta: "As cláusulas contratuais devem prever o preço da mensalidade de forma objetiva e o índice de reajuste". Antes de assinar o contrato, portanto, é preciso lê-lo com atenção (leve-o para casa e leia com calma), atentando-se a possíveis cláusulas abusivas. "Essas instituições não podem transferir responsabilidades, exigir dos familiares obrigações infundadas nem terceirizar serviços sem informar o consumidor", orienta o advogado do Idec.
TIVE UM PROBLEMA, O QUE FAÇO?
Quem tiver um problema com uma instituição de longa permanência para idosos deve enviar uma carta exigindo a resolução. Se não for resolvido, pode procurar o Procon, para questões contratuais, ou ligar para o Disque 100, se for algo relacionado a direitos humanos. Por fim, se a questão não for solucionada pelas vias administrativas, a Justiça pode ser acionada para solicitar o cancelamento do contrato e a reparação por danos materiais e/ou morais.
DICAS PARA UMA BOA ESCOLHA
- Opte por uma instituição que fique perto de sua casa, para facilitar as visitas;
- Veja se há placa de identificação na entrada. "Instituições sem placa têm grandes chances de serem clandestinas", alerta a Promotora de Justiça Cláudia Maria Beré./
- Cheque se a casa tem cadastro no órgão de vigilância sanitária municipal. "Isso não garante que não haja problemas, mas que está sendo acompanhada", diz Beré.
- Peça recomendações a amigos e familiares;
- Visite a instituição e observe bem as condições de higiene e acessibilidade;
- Pergunte quais atividades terapêuticas, culturais e de lazer são oferecidas aos idosos;
- Certifique-se de que há enfermeiros entre os funcionários e de que a casa oferece atendimento médico.
Cavalcante, a associada do Idec, foi impedida de ver sua irmã durante dois anos, por conta da pandemia. "Eu a via através de um vidro, mas como ela não anda nem fala, era como se eu visse uma fotografia, não dava para saber se ela estava bem", revolta-se. Quando as visitas foram permitidas, em 2022, Cavalcante encontrou a casa deteriorada e resolveu tirar a irmã de lá. "Embora ela tenha saído no início do mês, eles cobraram a mensalidade integral. Então, pedi ajuda ao Idec. Segui toda a orientação, mas eles nunca me responderam. E eu acabei não recorrendo à Justiça porque coloquei minha irmã em outra casa, que descobri que pertence ao mesmo grupo econômico da primeira, o Brazilian Sênior Living (BSL), que tem sete redes de casas de repouso, cada uma com várias unidades. Ou seja, aqui em São Paulo não tem muito pra onde fugir", ela critica. Ficar sem ver um familiar é complicado, e a revolta de Cavalcante é totalmente compreensível e legítima, mas Beré explica que foi uma recomendação do MP-SP que as ILPIs restringissem as visitas, em março de 2020, e que disponibilizassem alternativas para que os idosos e familiares pudessem se ver. Essas recomendações foram oficializadas numa Norma Técnica da Vigilância Sanitária, em outubro de 2020. "Mesmo assim houve muitos surtos de Covid e muitos óbitos", ela finaliza.
Saiba mais
Reportagem "Um lar para chamar de seu", publicada na edição 192 da Revista do Idec: https://bit.ly/3LtyusL