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Saúde [1]
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Atualizado:
Mães e pais de crianças, adolescentes e adultos das regiões Norte e Nordeste do Brasil foram atrás dos Procons para denunciar os abusos cometidos pela operadora Hapvida. A empresa tenta obrigar o uso de biometria facial em pessoas do espectro autista, o que causa uma série de reações negativas por parte delas.
Por conta disso, a empresa foi multada pelo Procon/AM e está impedida de utilizar a biometria facial pelo Procon/MA até resolver o problema. Além disso, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) notificou a empresa para verificar possíveis violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
ATUALIZAÇÃO: Após toda essa pressão, a Hapvida respondeu ao Idec e disse que não usa mais biometria facial em crianças. Uma vitória para as mães e pais que lutaram tanto por isso! Porém, uma vitória ainda parcial, já que a empresa não respondeu se vai parar de usar esse sistema ou se é apenas uma suspensão temporária. O Idec segue cobrando!
Luciana Cavalcante - que é mãe de uma criança de 4 anos do espectro autista e membro do Grupo de Mães que luta contra os abusos da Hapvida - listou uma série de problemas que o uso da biometria facial traz para o filho dela e das outras mães e pais. “A lista é grande: atraso nos pagamentos das clínicas que prestam serviços, o que acarreta na suspensão do tratamento das crianças; falta de profissionais na rede de um modo geral, especialmente de neuropediatras; falta de planos terapêuticos para as crianças e da entrega do relatório no prazo mínimo de 3 meses para avaliação; o uso de biometria digital/facial, que faz com que as crianças se inquietem, principalmente as do espectro autistas que não têm tempo de espera e nem fazem com facilidade contato visual”, conta.
A mãe também traz outros fatores que fizeram com que mães e pais do estado do Amazonas resolvessem enfrentar a Hapvida. “Ainda tem a fila de espera e demora na liberação das terapias; a falta de atendimento os laudos como prescritos pelo neuropediatra ou psiquiatra infantil; o não estabelecimento de um contrato fidedigno com a prestadora, em que pague na data acordada para que nossas crianças não tenham os tratamentos suspensos, a falta de uma melhor estrutura para as terapias, muitas salas não tem nem um tatame, não tem brinquedos. Além do fato de que os encaminhamentos estão sendo dados para clínicas conveniadas, mas quando chega lá não há vagas, com cancelamento quando a criança já está no local, marcação de consultas inexistentes e profissionais que não fazem reposição”, completa Luciana.
Essa lista imensa de problemas fez com que essas mães e pais tomassem uma atitude. “Nós procuramos o Procon do Amazonas [2] para que possamos resolver todos esses problemas de uma vez por todas, porque de três em três meses passamos por esses descasos. A biometria facial, por exemplo, gera estresse nas crianças, elas entram em crise, se jogam no chão, se autolesionam. É preciso que a Hapvida forneça profissionais empáticos que entendam do autismo e que credenciem mais clínicas para as terapias”, reivindica a mãe.
O que diz o Procon do Amazonas
O Procon do Estado do Amazonas afirma que recebeu as reclamações e tomou todas as medidas cabíveis sobre o caso. “São denúncias de má-prestação, negativa de atendimento, criação de obstáculos para a realização de procedimentos e inobservância de prerrogativas preferenciais. A imposição forçada do reconhecimento biométrico causa desconforto físico e emocional, que por vezes desencadeiam crises sensoriais”, explica o diretor-presidente, Jalil Fraxe.
Com todas essas denúncias, o Procon tomou uma série de medidas que acabou acarretando em uma multa de R$ 2,9 milhões para a Hapvida. “Fizemos primeiramente uma notificação para esclarecimentos e suspensão de condutas infrativas. Em um segundo momento, foi realizada fiscalização in loco para atender a fato de incidência imediata, sendo lavrado auto de constatação e transacionada a adoção de conduta mitigadora. Por fim, face a não adequação das condutas, foram instaurados processos administrativos sancionatórios e aplicação de multas. O Procon/AM também disponibilizou um canal para atendimento individualizado e exclusivo para que os responsáveis por pessoas com TGD (Transtorno Global do Desenvolvimento) pudessem expor suas necessidades e ter sua demanda apreciada com prioridade”, explica Fraxe.
De acordo com o órgão, todas as medidas serão tomadas para que o problema seja resolvido. “Seguimos monitorando a situação através do canal aberto com os responsáveis. Há ainda procedimentos administrativos em curso. Na data de hoje (30 de janeiro de 2023), os fatos serão oficialmente apresentados ao Ministério Público e novas ações estão sendo estudadas. O mesmo procedimento deverá ser adotado em face de outros planos de saúde também denunciados”, diz.
Para ele, a tentativa inicial é de que o problema seja resolvido de forma amigável, mas, se não for possível, a Hapvida terá que responder às sanções. “Inicialmente busca-se atingir pela via pedagógica a consciência necessária para o atendimento adequado. Porém, caso não seja possível, a via sancionatória será adotada quantas vezes forem necessárias, até que a adequação da conduta se apresente como uma alternativa melhor”, conclui o presidente do Procon do Amazonas.
Outros casos também são alvo de denúncias na região Norte e Nordeste
Não é só no Amazonas o problema com o uso de biometria facial por parte da Hapvida. No estado do Maranhão, na região Nordeste, o Procon também fez uma denúncia parecida.
A presidente do Procon/MA [3], Karen Beatriz Taveira Barros Duarte, explica que são várias as denúncias que recebeu a respeito da operadora Hapvida, principalmente em relação a consultas e exames. “Uma das formas que estava dificultando a realização de consultas e exames de pacientes com autismo era a exigência de realização da biometria. O procedimento exigido dificulta o atendimento, pois nem todas as crianças com autismo conseguem ficar paradas de forma estática como o procedimento da biometria exige, ocasionando uma série de constrangimentos aos pais e as crianças”, garante.
Com as denúncias, o Procon do Maranhão agiu de forma imediata e determinou a suspensão da biometria facial em pessoas do espectro autista. “Agora estamos aguardando a apuração em âmbito administrativo que segue o seu curso legal e, ao final, a empresa poderá responder às penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor [4]. O Procon Maranhão espera que não haja mais nenhum tipo de prática abusiva realizada em relação a nenhum consumidor no sentido de negativa de atendimento ou qualquer tipo de discriminação e constrangimento”, complementa a presidente.
Além desses casos, recentemente mães e pais de outro estado do Norte, agora o Amapá*, buscaram também o Procon para reclamar de uma outra empresa de plano de saúde [5]: a Unimed Fama.
Mães e pais chegaram a fazer uma manifestação em frente ao Centro de Fisioterapia da operadora. Eles denunciam que a Unimed suspendeu os atendimentos por falta de pagamento dos profissionais com atrasos que podem chegar aos seis meses.
Com isso, o Procon do Estado do Amapá suspendeu a venda de planos de saúde da Unimed Fama e aplicou multa no valor de R$ 1 mil por dia em caso de descumprimento.
A atuação do Idec no caso
O Idec enviou na sexta-feira (20 de janeiro de 2023) uma notificação [6] para a Hapvida para que a empresa explique o uso de biometria facial para identificação de pacientes em consultas, exames e tratamentos. O Instituto levanta preocupações relativas ao cumprimento do Código de Defesa do Consumidor, da Lei Geral de Proteção de Dados e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com a advogada e pesquisadora do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, Camila Leite Contri, os impactos trazidos pela biometria facial atacam diretamente o direito de pacientes. “O Idec tem acompanhado a utilização de reconhecimento facial e seus impactos negativos para a população, especialmente devido à ineficácia e à discriminação decorrente da utilização da tecnologia. Este caso é um grande exemplo ao afetar de forma desproporcional uma população que possui proteção especial definida em lei. O Idec buscará entender melhor a situação para lutar pela necessária proteção aos consumidores”.
Já o assessor do Programa de Saúde do Idec, Matheus Zuliane Falcão, afirma que a empresa não cumpre os requisitos legais para solicitar a coleta de dados pessoais. “A operadora falha em justificar a necessidade de se coletar a biometria facial. Ela não cumpre com os requisitos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei Geral de Proteção de Dados. Nesses termos, a coleta não pode ser autorizada, especialmente considerando a sensibilidade no tratamento de dados biométricos e dados de saúde, que podem ser usados de diferentes formas, inclusive de maneira prejudicial ao usuário”, completa.
Em todos esses casos o pedido de mães e pais é bem simples e direto: que os filhos e filhas deles tenham um tratamento digno, sem assédios e abusos.
O Idec atua junto às pessoas consumidoras contra os abusos dos planos de saúde e demais empresas e órgãos públicos. Nos ajude nessa luta. Apoie o Idec! [7]
*Informações sobre o caso da Unimed Fama no Estado do Amapá usadas a partir de matéria da Gazeta do Amapá