Viajando bem!
Especialistas explicam o que é turismo sustentável e o que fazer para ser um viajante mais responsável
Em 2017, a jornalista Luisa Ferreira, criadora do blog Janelas Abertas, começou a refetir mais criticamente sobre o turismo e, ao perceber que ele pode fazer mal para o mundo, entrou em crise. "Eu escrevo sobre turismo e comecei a achar que eu estava incentivando as pessoas a fazerem algo nocivo para o meio ambiente e para as comunidades locais. E esse foi o momento da virada, quando comecei a me informar mais sobre os conceitos de turismo sustentável e responsável, e fui aos poucos me tornando uma viajante mais consciente", ela conta, acrescentando: "Eu estou num processo crescente de tomada de consciência e tento fazer as melhores escolhas possíveis limitada pelas condições que o capitalismo impõe".
Ela não é a única a questionar seu estilo de viagem. A também jornalista Ana Cecília Duek, idealizadora do site Viajar Verde, repensou sua forma de viajar há alguns anos e, hoje, tenta praticar o chamado slow travel (viagem devagar, em tradução livre), ficando mais tempo em cada cidade, entendendo melhor como as pessoas vivem ali e gerando mais renda para a comunidade local. "Eu ainda cometo muitas faltas, mas aos poucos eu chego lá", ela diz.
POR AÍ
Veja, a seguir, algumas recomendações do professor Reinaldo Miranda de Sá Teles. "São lugares que contaram com a organização dos moradores locais para receberem visitantes", ele informa.
Prainha do Canto Verde, no Ceará: https://prainhadocantoverde.org/;
Passeio de trem de São Paulo (SP) a Paranapiacaba (SP);
- Aldeia indígena Sapukai, em Angra dos Reis (RJ);
- Quilombo Caçandoca, em Ubatuba (SP).
E você, já parou para pensar nos impactos que deixa nos lugares que visita? Talvez você já pratique o turismo sustentável e nem saiba. De acordo com Reinaldo Miranda de Sá Teles, professor do curso de turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), diferentemente dos anos 1980, quando o turismo de massa era marcado por viagens a determinados destinos turísticos, sem preocupação com o impacto na vida dos moradores, hoje é possível praticar um turismo mais responsável, preocupando-se com a preservação ambiental e cultural de cada lugar.
O termo turismo sustentável foi usado pela primeira vez em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida como Eco-92, e leva em consideração os impactos econômicos, sociais e ambientais atuais e futuros da atividade turística, assim como as necessidades dos visitantes, da indústria, do meio ambiente e das comunidades anfitriãs. Já o termo "turismo responsável" é mais recente, surgiu em 2002, na Conferência Internacional sobre Turismo Responsável nos Destinos, realizado na África do Sul, e tem como foco tornar os lugares melhores para as pessoas morarem e visitarem, nessa ordem. Mas Duek acha que não devemos perder muito tempo com conceitos, porque as duas propostas estão muito alinhadas. "Temos de olhar primeiro para o destino a ser visitado. Isso é importante, porque não adianta ele ser bom para o turista se ele não for bom para os seus habitantes. Os destinos turísticos têm de ser lugares bons para se viver, e a atividade turística tem de gerar o mínimo de impactos negativos e o máximo de impactos positivos nas comunidades locais", ela pontua. E completa: "O turismo responsável é essencial, é um caminho que precisamos seguir a partir de agora em todas as áreas e nichos, pois diferentemente do que se pensa, ele pode ser feito em qualquer lugar, não apenas em destinos de natureza. Podemos ser viajantes conscientes nas cidades também", ela destaca.
DESAFIOS A SUPERAR
Viajar de forma responsável dá trabalho, mas é inevitável. Contudo, o futuro do turismo sustentável não depende só de nós, cidadãos. Precisamos que as empresas sejam conscientes e que o governo cobre. "Num mundo em que tudo é voltado para o lucro, acho que uma cadeia de turismo 100% responsável é um pouco utópica. Porém, precisamos acreditar nessa utopia e caminhar rumo a ela", afima Ferreira. Teles completa: "Políticas públicas no setor de turismo são fundamentais. E o novo governo [de Lula] terá o desafio de recuperar o desmonte feito pelo Governo de Jair Bolsonaro no turismo sustentável".
Tanto Duek quanto Ferreira comentam que algo muito difícil para o viajante é saber se quem diz que é reponsável de fato é. Isso porque há muito greenwashing nesse setor, ou seja, produtos e serviços que são vendidos como ambientalmente corretos, mas não são.
Entretanto o maior obstáculo ainda é a polêmica questão do transporte, já que aviões são grandes emissores de gás carbônico. "As companhias aéreas estão fazendo a parte delas, buscando combustíveis mais sustentáveis, mas para quem viaja não voar ainda não é uma opção viável, principalmente no Brasil, que é enorme e não conta com linhas de trem", opina Duek, que sugere que as pessoas tentem compensar as emissões de carbono do seu voo. "É fácil de fazer, muitas empresas aéreas oferecem no site", ela incentiva.
FAZENDO A NOSSA PARTE
Mas o que fazer para ser um turista consciente? Primeiramente, saber o que está consumindo. "Assim como nos preocupamos com o que comemos, devemos nos atentar ao que consumimos quando viajamos", compara Teles. Veja, a seguir, outras dicas dos especialistas consultados para esta reportagem:
- Informe-se e use o senso crítico para identificar as iniciativas realmente sustentáveis;
- Converse com pessoas que já visitaram o lugar para onde você vai;
- Pesquise sobre a cultura e as tradições do lugar, assim como as problemáticas sociais, políticas e ambientais que a população enfrenta;
- Escolha destinos menos turísticos, para não sobrecarregar ainda mais os lugares supervisitados. Quando não der, procure atrações menos famosas;
- Se puder, viaje na baixa temporada. "Muitos lugares ficam lotados na alta temporada, e no resto do ano, seus moradores passam dificuldade, porque não tem turista", justifica Ferreira;
- Na hora de reservar a hospedagem, opte por uma pousada ou casa de família em vez de um grande hotel internacional, pois neste caso o dinheiro não será investido na região;
- Verifique se o hotel, além de empregar mão de obra local, está conectado com a comunidade e investe em projetos educacionais, ambientais etc.;
- É importante que o hotel tenha práticas sustentáveis, como não trocar a toalha todos os dias, utilizar lâmpadas de LED, descartar o lixo adequadamente, usar menos plástico, não desperdiçar alimentos etc.;
- Contrate guias locais;
- Gaste dinheiro com quem realmente precisa, suportando os comércios locais;
- Conecte-se com as pessoas que vivem no local, vivenciando o dia a dia delas e perguntando sobre os eventos, os costumes etc.;
- Respeite a cultura e as regras locais. Por exemplo, o modo de se vestir e de se comportar. "Temos de lembrar que somos visita e devemos seguir as regras da 'casa'", afirma Ferreira;
- Seja respeitoso na hora de tirar foto de pessoas;
- Use meios de transporte mais sustentáveis: ande a pé ou de bicicleta e pegue transporte publico;
- Quando viajar de avião, opte por voos diretos e faça malas leves, o que ajuda a reduzir a emissão de carbono na atmosfera;
- Cuide do meio ambiente levando sua garrafinha de água, além de uma sacola reutilizável; descartando o lixo no local adequado e NUNCA deixando-o na natureza; economizando água e energia etc.;
- Fique atento ao "turismo animal". "A interação com animais silvestres sempre será prejudicial para eles", alerta Ferreira. O ideal, para Duek, é observar os animais soltos na natureza, no habitat deles.
Saiba mais
- Blog Janelas Abertas: https://janelasabertas.com
- Livro Guia de viagens pra dentro e pra fora – como viajar de forma transformadora e responsável, de Luisa Ferreira
- Site Viajar Verde: https://viajarverde.com.br