Pesquisa
O Idec analisou os reajustes feitos por cinco operadoras em seus planos de saúde coletivos de 2015 a 2021 e constatou que eles foram muito mais altos do que o teto dos planos individuais, o que evidencia a necessidade de regulação do mercado de planos coletivos pela ANS
Há anos o Idec critica a falta de regulação dos planos de saúde coletivos empresariais ou por adesão. Essa lacuna faz com que os reajustes desse tipo de plano não precisem respeitar regras. Ou seja, os usuários de planos coletivos ficam ao Deus dará. "Há muito tempo lutamos para que a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] estabeleça parâmetros mais justos, de forma que todos os planos de saúde sejam reajustados da mesma forma", afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec.
Em 2020, uma pesquisa do Idec identificou que a maioria das reclamações dos consumidores de planos de saúde era sobre reajustes anual e por faixa etária. Considerando esse dado, decidimos comparar o reajuste dos planos coletivos das cinco empresas mais reclamadas (SulAmérica, Bradesco Saúde, Amil, Unimed Central Nacional e Unimed Rio) com o teto dos planos individuais estabelecido pela ANS, de 2015 a 2021. "O objetivo era jogar luz nos problemas do mercado e recomendar soluções para o órgão regulador a partir da perspectiva do consumidor", diz Navarrete, que coordenou o estudo.
PLANOS COLETIVOS MAIS CAROS
De 2015 a 2021, a média dos reajustes dos planos coletivos das cinco empresas analisadas foi muito mais elevada do que o teto dos planos individuais ou familiares, sendo a SulAmérica e a Unimed Central Nacional os destaques negativos. Em 2020, a Unimed Rio apresentou o reajuste mais distante da média dos coletivos (14,55%), seguida da Bradesco Saúde (12,38%), SulAmérica (11,03%) e Amil (10,80%). Apenas a Unimed Central Nacional ficou abaixo da média, com 7,66%. As curvas de reajuste da Unimed Rio variaram muito, estando ora lá em cima ora lá em baixo. Já a Unimed Central Nacional foi do reajuste mais elevado (21,92%) em 2018 ao mais baixo (7,66%) em 2020.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Selecionamos as cinco operadoras que receberam mais reclamações em pesquisa realizada pelo Idec em novembro de 2020: SulAmérica, Bradesco Saúde, Amil, Unimed Central Nacional e Unimed Rio. Então coletamos, em março de 2021, os percentuais médios de reajuste para planos coletivos acima de 30 vidas, ponderados pelo número de usuários, na base de dados abertos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Foram considerados os reajustes aplicados no mês de agosto de 2015 a 2021. Os percentuais foram comparados com o teto de reajuste para planos individuais determinado anualmente pela ANS.
Atualizamos a pesquisa em 2022 com os dados referentes aos reajustes efetuados em 2021.
Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec.
Assim, ao menos para as empresas que o Idec avaliou, a regulação da ANS tem funcionado como um limitador de reajustes. Em outras palavras, as operadoras aumentam mais o preço quando podem fazê-lo. Esse resultado coloca em xeque as premissas regulatórias da ANS, segundo as quais o maior poder de barganha dos contratos coletivos gera reajustes mais baixos. "Os reajustes praticados pelas operadoras analisadas foram altos demais. Assim, parece que empregadores, sindicatos e associações de classe não estão sendo bem sucedidos nas negociações", declara Navarrete, completando: "A pesquisa mostrou nitidamente que a regulação teve mais efeito na produção de reajustes mais baixos nos planos individuais do que o poder de barganha nos planos coletivos. Por isso, defendemos que estes sejam regulados urgentemente". O economista Rodrigo Mendes Leal, especialista em regulação e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) concorda: "Avançar na regulação dos planos coletivos é importantíssimo para promover o mutualismo nesse mercado, bem como reduzir o impacto dos elevados reajustes para pequenos grupos. Uma possível medida seria a ANS ampliar para contratos de maior porte a regra atual dos coletivos com menos de 30 vidas, de que cada operadora deve aplicar percentual único de reajuste. Isso reduziria a heterogeneidade dos planos coletivos e estabilizaria os reajustes".
RECOMENDAÇÕES PARA A ANS
Com base na pesquisa, o Idec identificou algumas mudanças necessárias para diminuir as diferenças de regulação entre planos individuais e coletivos. Algumas dessas recomendações já foram mencionadas pela própria ANS em uma nota técnica: 1. Padronização das cláusulas sobre reajuste anual; 2. Aumento do agrupamento de contratos de 29 vidas para 100 nos planos coletivos empresariais; 3. Reajuste único para os contratos de adesão (agrupamento único); 4. Aperfeiçoamento das interfaces de divulgação de reajustes entre operadoras, contratantes e consumidores.
O Idec entende que a essas diretrizes devem ser agregadas as seguintes: 5. A agência precisa, urgentemente, estabelecer um parâmetro de razoabilidade para os aumentos de preços de planos coletivos ou, no mínimo, tornar obrigatória a apresentação integral do contrato coletivo para o consumidor de plano empresariais; 6. Facilitar o acesso do consumidor às planilhas de sinistralidade, de maneira clara e fácil de entender (e não apenas relatórios resumidos de consultorias atuariais); 7. Monitorar e combater o fenômeno da fragmentação dos contratos (quantidade maior de contratos coletivos pequenos) e da falsa coletivização.
O mutualismo citado por Leal é um conceito fundamental para o bom funcionamento dos seguros de saúde. No regime mutualista, as mensalidades pagas por um grupo de pessoas forma um fundo comum para viabilizar a cobertura de exames e tratamentos para quem precisar. Quanto maior o grupo, maior a diluição dos riscos. "Como o número de usuários de alguns planos coletivos aumentou, a tendência seria os reajustes terem caído. Mas não foi o que identificamos", aponta a pesquisadora do Idec.
Leal destaca que o mercado de planos de saúde coletivos, marcado por uma regulação mais flexível do que a dos planos individuais, se expandiu com uma relevante heterogeneidade. Inclusive, parte dele atua na direção contrária do mutualismo, possibilitando reajustes altos e até mesmo a expulsão de pessoas que demandem mais atendimentos médicos. "São mais sensíveis a esses problemas os chamados falsos coletivos por adesão, nos quais a pessoa jurídica contratante não representa de fato os beneficiários, e os planos empresariais de pequeno porte, com destaque para as MEIs", ele aponta. Segundo o professor da UFG, foi um avanço importante a ANS estabelecer, em maio de 2013, que as operadoras são obrigadas a aplicar o mesmo reajuste a todos os contratos coletivos com menos de 30 vidas. "Contudo, esses consumidores continuam sujeitos a um reajuste superior ao índice da ANS aplicado como teto aos planos individuais", ele lamenta.
2021: DADOS CHOCANTES
De todos os reajustes avaliados, os de 2021 foram os mais chocantes. "Houve uma diferença gritante entre o teto aplicado aos individuais (-8,19%) e a média dos coletivos (8,94%). Apesar de esta última ter caído, ela não chegou nem perto do teto dos individuais", informa Navarrete. E por que isso aconteceu? Primeiramente, é preciso entender como o mercado de saúde suplementar funciona: "Quando uma operadora estabelece, em março, que naquele ano seus planos vão custar X, Y, Z, ela não sabe como os preços vão se comportar nos próximos meses. Então, o custo é definido com base nos valores praticados nos últimos anos. Em 2021, as empresas olharam pra 2019 e 2020. Em 2021, sabíamos que o custo ia ser mais baixo, porque 2019 foi o ano pré-pandemia, e 2020 foi o ano pandêmico, e, ao contrário do que imaginávamos, as pessoas pararam de usar o serviço de saúde com medo de se contaminar. Por isso, a variação de 2019 para 2020 foi para baixo", ela explica, argumentando que o valor economizado pelas empresas tem de ser repassado para os consumidores por meio de desconto em 2021. "Isso aconteceu para os planos individuais, mas para os coletivos, não. Eles ficaram um pouco mais baratos, mas não houve desconto. O reajuste médio foi positivo", ela destaca.
Depois de ler tudo isso, você deve estar se perguntando: mas se o reajuste é estabelecido com base na variação de preço dos anos anteriores tanto para planos individuais quanto para coletivos, porque o reajuste dos primeiros foi negativo e dos segundos positivo? "Essa é a pergunta de um milhão de dólares", responde Navarrete. "O que sabemos é que essa diferença entre planos precisa ser eliminada, e continuaremos lutando pela regulação, um caminho para reajustes mais justos", ela finaliza.
RESPOSTAS DAS EMPRESAS
Enviamos o resultado da pesquisa às cinco empresas avaliadas, mas apenas a Unimed Central Nacional respondeu. A operadora não questionou os percentuais, mas sustentou que os reajustes aplicados aos seus clientes estavam de acordo com o permitido pela ANS.
A empresa Bradesco Saúde solicitou informações complementares sobre a pesquisa e prorrogação do prazo, mas não enviou a resposta.