Transporte sustentável
Ônibus movidos a eletricidade são caminho para mobilidade urbana mais sustentável. Entenda as vantagens desse modelo e os desafios para aumentar a frota nas cidades brasileiras
Nos últimos meses, o preço da gasolina tem sido pauta constante, das rodas de conversa entre amigos aos telejornais, afinal, não dá para ignorar que em meados de março o litro custava, em média, R$ 7,26 no Brasil, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nesse cenário desesperador, fica evidente a importância de repensar a dependência entre o setor de transportes, seja público ou privado, e esse combustível. Criar e consolidar alternativas aos combustíveis fósseis é ainda mais importante e urgente quando consideramos os impactos ambientais e para a saúde pública, já que gasolina e diesel, principalmente, são grandes vilões em termos de emissão de gases poluentes e de efeito estufa.
Uma das alternativas mais efetivas é a adoção de ônibus elétricos para o transporte público. De acordo com números do Mobilidados, plataforma de indicadores de mobilidade urbana do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil), 40% das viagens realizadas nas regiões metropolitanas do País são feitas por transporte coletivo, e o ônibus é o modo mais utilizado pela população. Assim, substituir essa enorme frota, que hoje é movida basicamente a diesel, por uma movida a eletricidade traria impactos positivos gigantescos. "Os ônibus elétricos não emitem gases poluentes e, por isso, têm um potencial gigante de mitigar riscos à saúde, a exemplo de doenças cardiorrespiratórias relacionadas à inalação de ar contaminado", destaca Pedro Bastos, analista de transporte público do ITDP. Para se ter ideia, a poluição atmosférica mata cerca de 51 mil pessoas por ano no Brasil, segundo estudo de 2021 do WRI Brasil.
Do ponto de vista ambiental, estudos do Conselho Internacional para Transporte Limpo (ITCC, na sigla em inglês), apontam que, entre as tecnologias existentes, o ônibus elétrico é o que traz benefícios de forma mais rápida para abrandar a emissão de gás carbônico.
Além desses pontos fundamentais, a lista de vantagens dos ônibus elétricos é extensa: por usar motor de propulsão e não de explosão como os modelos a diesel, eles esquentam menos e são menos barulhentos, oferecendo mais confortos térmico e sonoro; também são mais baratos para operar e exigem menos manutenção do que os convencionais. "Eles são muito eficientes para ajudar as cidades a reduzirem sua pegada de carbono e para melhorar a qualidade de vida da população, principalmente a de mais baixa renda, negra e periférica, que depende mais dos ônibus para se deslocar e que passa mais tempo dentro desses veículos. Os motoristas também são diretamente beneficiados, pois ganham melhores condições para realizar a sua jornada. Nesse sentido, existem muitas vantagens ambientais, sociais e econômicas", afirma Bastos.
PEDRAS NO CAMINHO
Mas se há tantos benefícios, por que praticamente não vemos ônibus elétricos rodando por aí? Em São Paulo (SP), por exemplo, cidade com a maior frota elétrica do País, até setembro do ano passado havia apenas 219 em circulação, o que representa 1,6% dos 14 mil ônibus da capital paulista, segundo levantamento do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Desses, apenas 18 são veículos modernos, alimentados por baterias recarregáveis; os demais são trólebus, que usam linhas aéreas de energia para locomoção e, por isso, são mais limitados.
Uma das principais dificuldades para a adoção de uma frota elétrica é o preço de aquisição dos veículos mais modernos, que ainda custam, em média, o dobro do convencional a diesel. "Apesar do menor valor em longo prazo por conta do baixíssimo custo com manutenção e operação, o custo de aquisição pode chegar a R$ 2 milhões, dependendo do porte [da cidade]", aponta o especialista do ITDP. O que encarece o modelo é a bateria, que, embora tenha ficado mais barata nos últimos anos, ainda representa metade do valor do veículo. E é a bateria também que gera outro tipo de dificuldade, a operacional: os modelos exigem uma rede de infraestrutura de carregamento que precisa ser adquirida e adaptada nos terminais e nas garagens de ônibus, além de mão de obra capacitada para lidar com ela.
PRÓS E CONTRAS DOS ÔNIBUS ELÉTRICOS
VANTAGENS
- Não emitem fumaça, poluentes e gases de efeito estufa, o que é bom para o ambiente e para a saúde das pessoas;
- O motor de propulsão gera menos calor e é mais silencioso, garantindo mais confortos térmico e sonoro;
- Têm menos peças e exigem menos revisão e manutenção;
- O custo de operação é mais baixo do que o dos convencionais a diesel;
- A vida útil é de cerca de 15 anos.
- O custo de aquisição é alto, em média o dobro de um convencional;
- Demandam instalação de rede de infraestrutura para recarga e mão de obra especializada;
- Os contratos atuais englobam tanto a aquisição da frota quanto a operação do serviço de transporte;
- A cartelização do setor, os poderes político e econômico das empresas nas cidades e o lobby pró-diesel.
DIFICULDADES
Para Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade do Idec, a ampliação das frotas de ônibus elétricos no Brasil deve ser vista como investimento social pelos benefícios que proporciona em relação à qualidade do ar e de vida para a população. "Com políticas para isso e produção em escala, os custos vão ser reduzidos", pontua. "Mas no modelo atual, a compra dos ônibus fica a cargo das empresas que operam o transporte nas cidades, e aí que está o problema. As prefeituras não podem ficar à mercê de as empresas quererem comprar veículos elétricos ou não. Tem que ser um plano da sociedade e do poder público para modificar o modelo", defende.
Calabria acredita que a principal barreira para a ampliação e consolidação dos ônibus elétricos no Brasil é que essa é uma mudança de paradigma muito forte. "Há mais de um século, o sistema de ônibus do mundo todo é pautado pelo diesel e há um lobby muito forte do setor de petróleo. Além disso, existe no Brasil uma cartelização do setor, com empresas que dominam a operação dos ônibus nas cidades há décadas. E elas são ligadas às empresas que fabricam os veículos e os motores. Então, há um certo protecionismo do setor a esse modelo baseado no diesel", explica. Ele cita que, no passado, outras propostas para redução da emissão de poluentes pelos ônibus, como uso de gás renovável ou biodiesel, também sofreram muita resistência do setor e acabaram não avançando.
ROTAS ALTERNATIVAS
Especialistas apontam que uma das melhores soluções para estimular a implementação de ônibus elétricos é uma mudança na gestão dos contratos. "O que tem sido adotado de mais ambicioso é fazer contratos de licitação separados, um para a compra dos veículos – e aí exigir que essa frota ou parte dela seja elétrica – e outro para a operação do serviço de transporte público", diz Calabria. São José dos Campos (SP) está adotando essa estratégia no momento. "Havia expectativa de que no Rio de Janeiro (RJ), a licitação do BRT também saísse dessa forma, mas o edital lançado no início de abril perdeu essa grande oportunidade", ele lamenta.
Esse modelo de divisão dos contratos é o que está por trás do aumento da quantidade de ônibus elétricos em cidades da América Latina, sobretudo em Santiago (Chile) e Bogotá (Colômbia). Após adotar essa inovação, em 2017, a capital chilena tornou-se a segunda cidade com a maior frota elétrica do mundo fora da China, país onde a tecnologia é amplamente utilizada. Até 2020, Santiago tinha 776 ônibus elétricos em circulação, segundo dados do ITDP.
TRÓLEBUS X ÔNIBUS COM BATERIA
Engana-se quem acha que ônibus elétrico é coisa nova. Desde os anos 1970, o Brasil tem veículos movidos a eletricidade, os trólebus, aquele que tem uma fiação aérea instalada. Com isso, o itinerário desses modelos é fixo e demanda uma infraestrutura robusta, além de muita manutenção da rede para evitar falhas. Essa é a principal diferença em relação aos ônibus elétricos modernos, a bateria, que são mais independentes e com maior potencial de capilaridade nas cidades, podendo rodar até 250 km sem precisar de recarga.
Apesar de suas limitações, os trólebus não são ultrapassados. "O que determina a pertinência de se implantar trólebus ou ônibus a bateria é a viabilidade operacional de cada lugar. Em terrenos acidentados, por exemplo, os trólebus têm melhor desempenho do que os veículos com bateria", afirma Pedro Bastos, do ITDP. Para ele, com base nas informações que se têm atualmente sobre as vantagens dos ônibus elétricos, o Brasil deveria não só ter investido mais nos trólebus quanto preservado esses veículos nas cidades que desistiram do modelo, como Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ).
Outra aposta inovadora que o Idec vem defendendo é que o Governo Federal assuma um papel ativo nas políticas para a ampliação das frotas elétricas nas cidades brasileiras. Em abril, o Idec e outras organizações propuseram ao Poder Executivo a criação de um programa de aluguel de ônibus elétricos sem custo às cidades. "O Governo Federal tem muito mais capacidade financeira do que as prefeituras para esse investimento. Essa seria uma maneira eficaz de auxílio ao setor de transportes, que está quebrado, mas não por meio de subsídios diretos, e sim pela cessão dos veículos elétricos alugados por determinado período, com todas as vantagens ambientais e sociais que eles apresentam. A previsão é que esse incentivo represente uma economia de cerca de 30% para as cidades", aponta Calabria. "Além disso, como o TCU [Tribunal de Contas da União] passaria a fiscalizar os custos, haveria um controle maior e mais descentralizado que possibilitaria identificar erros de gestão", finaliza.
Saiba mais
Para mais detalhes da proposta sobre aluguel de ônibus elétricos pelo Governo Federal, acesse: bit.ly/3s3ssoF