Open Health
Idec vê com preocupação a ideia do Ministério da Saúde de criar o Open Health, que funcionaria como Open Banking, mas com o compartilhamento de informações de saúde
Muito se tem falado do Open Banking (ou banco aberto, em português), um sistema de compartilhamento de dados e informações financeiras entre instituições que está sendo implementado no Brasil. E parece que a iniciativa vem inspirando outras áreas. Recentemente, o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em reunião com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, declarou que cogita criar um Open Health por meio de uma Medida Provisória. A ideia não é nova, já que vem sendo debatida em fóruns de reguladores de saúde e agentes de mercado. "O Open Health seria a possibilidade de usuários de planos de saúde autorizarem que seus dados pessoais de saúde sejam compartilhados livremente entre empresas do setor para oferta de produtos personalizados", explica Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec.
Para o Idec, a proposta, da forma como foi apresentada pelo Ministério da Saúde, é preocupante e deixa várias dúvidas. "Os dados de saúde estão muito dispersos em diversos sistemas de informação públicos e privados, o que dificulta a operacionalização de uma medida como essa. Além disso, o Idec e outras entidades, como a Open Knowledge, constataram falta de segurança nas bases de dados públicas, alvos constantes de incidentes, para além do desafio de proteção de dados pessoais dos consumidores", declara Navarrete. Para Marcelo Fornazin, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, o Open Health reforça a assimetria entre consumidores e operadoras de planos de saúde, sendo os primeiros o lado mais frágil. "O consumidor já tem menos informações na hora de escolher um plano, enquanto as operadoras têm muitas informações sobre o usuário, e terá ainda mais", argumenta.
PROTEÇÃO REDOBRADA
Diferentemente dos dados financeiros compartilhados no Open Banking, os dados de saúde são considerados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e, portanto, precisam de um tratamento mais robusto. "Vemos pouca preocupação com a proteção de dados. Foca-se muito nos benefícios e pouco em como instrumentalizar isso tudo", opina Camila Leite Contri, advogada do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec. Os benefícios seriam a facilidade de o usuário do sistema de saúde público ou privado levar todo o seu histórico médico de um profissional para outro ou de uma clínica para outra, por exemplo, além de aumentar a concorrência, com a entrada de novos agentes no mercado. Mas há um contraponto importante a ser feito: especialistas enfatizam que as informações de saúde dos consumidores podem ser usadas contra eles mesmos. "No mercado de planos de saúde, os jovens e as pessoas saudáveis ajudam a custear as despesas dos mais velhos e doentes. Se permitirmos que os primeiros usem suas informações para conseguir contratos com melhores condições, os segundos pagarão mais caro. É o que economistas chamam de 'seleção de risco', que é proibida pela Lei de Planos de Saúde", destaca Navarrete.
Lendo tudo isso parece que somos contra o uso de tecnologia, mas não é verdade. "Não somos contra a tecnologia, pelo contrário, mas o consumidor deve ser muito bem informado sobre os riscos do fluxo de dados sensíveis, como são os de saúde", alerta Contri. Fornazin concorda: "A tecnologia é uma ferramenta importantissima que pode melhorar o acesso ao sistema de saúde, mas um projeto como o Open Health tem de ser pensando em longo prazo, num processo participativo e com diálogo com outros setores".
Por e-mail, o diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, afirmou que o órgão irá atuar para que os dados não sejam utilizados para seleção de risco e que a operacionalização do compartilhamento de dados por meio da abertura e integração de sistemas seja feita com privacidade e segurança.
DÁ PRA CONFIAR?
É muito importante destacar que o mesmo Ministério que propõe a criação do Open Health foi alvo de vazamentos seríssimos nos últimos dois anos – que deixaram informações de saúde de milhões de brasileiros expostas – e não conseguiu resolver a questão, passando a culpa para terceiros. "O Ministério da Saúde parece não ter expertise para lidar com a segurança digital de dados", afirma Contri. Fornazin, da Fundação Oswaldo Cruz, é outro que questiona a capacidade técnica do Ministério da Saúde para gerenciar esses dados. "Ele quer abrir os dados, mas não sei se vai conseguir controlar. Esses dois últimos anos mostraram que não consegue. Além disso, quando ocorre um problema, ele foge da responsabilidade", diz. O pesquisador destaca ainda a importância de o Governo Federal qualificar os profissionais envolvidos e de determinar a governança dos dados junto aos Estados e municípios, ou seja, especificar quem será responsável por eles.
Em 24 de fevereiro, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº 392/2022, que cria um grupo de trabalho que trocará informações e experiências do Open Banking e analisará o que é viável para o Open Health. "Este tema está entre as prioridades do Idec e o acompanharemos de perto", finaliza Contri.