Serviços financeiros
Versão 2019-2020 do Guia dos Bancos Responsáveis mostra avanços ainda tímidos das nove maiores instituições financeiras do país
Quem conhece as histórias de Walt Disney lembra dos Irmãos Metralha, família de bandidos que vira e mexe tentava assaltar cofres gigantescos cheios de cédulas e moedas. Na vida real, contudo, o dinheiro que depositamos no banco não está guardado no cofre, está circulando por aí, já que as instituições financeiras fazem empréstimos (com o nosso dinheiro!) para cidadãos e empresas, além de financiarem os mais diferentes negócios do país. Por isso é tão importante conhecer as políticas socioambientais de nosso banco: será que ele está financiando a indústria de armas? Será que empresta dinheiro para empresas que utilizam trabalho escravo?".
Para responder a essas e muitas outras questões de suma importância, o Idec, junto com a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Sou da Paz e a Proteção Animal Mundial, elabora a cada dois anos o Guia dos Bancos Responsáveis, um estudo que avalia o grau de responsabilidade socioambiental dos maiores bancos do país (veja como é feita a pesquisa no quadro da página 21). O mais recente, lançado em fevereiro de 2021, analisou dados de 2019 e 2020. Infelizmente, os resultados ainda são bastante ruins, embora tenham sido identificados importantes avanços desde a última pesquisa, de 2017-2018.
"Se o debate sobre responsabilidade socioambiental já vem ganhando corpo mundialmente há algum tempo, a pandemia de Covid-19 tornou ainda mais premente a promoção do desenvolvimento sustentável. Isso se deve não apenas ao impacto socioambiental que ela causou, mas também à intensificação das desigualdades sociais que gerou e à própria vinculação do seu surgimento com a interferência humana no meio ambiente. Nesse contexto, o GBR consolida-se como um importante instrumento de reflexão e avaliação do papel dos bancos na sociedade, uma vez que joga luz sobre suas políticas e cobra ações mais responsáveis", declara Gustavo Pereira Machado de Melo Souza, pesquisador do Programa de Serviços Financeiros do Idec.
A PASSOS DE TARTARUGA
Enquanto na edição de 2018 a responsabilidade social ainda era, na maioria das vezes, coadjuvante, em 2020 ela passou a ser mais presente e transversal. O aumento da transparência e da divulgação das políticas pelos bancos é uma das consequências dessa mudança de paradigma. "Se antes os bancos viam essas políticas como 'segredos industriais', agora muitos deles já enxergam a publicação como uma vantagem comparativa e como uma oportunidade de liderar o mercado com a bandeira da sustentabilidade", pontua Ione Amorim, economista do Idec e responsável pelo GBR. "Contudo, ainda que a mudança de postura seja bem-vinda, a prática é bem menos animadora, revelando que narrativa e desempenho nem sempre convergem", ela complementa.
O desempenho médio dos nove bancos, numa escala de 0 a 10, foi de 3,2 (em 2018 foi 3,0) - veja a nota de cada instituição na página 22. "As notas mostram que os bancos estão respondendo à pressão da sociedade, mas numa velocidade muito aquém da necessária", afirma Souza. Para haver maior avanço seria preciso sair da média atual de 3,2 para pelo menos 5. "Essa é uma meta perfeitamente alcançável e realista. Na Noruega, Suécia e Holanda, por exemplo, bancos tradicionais que operam em diversos países cumprem pelo menos 50% das diretrizes da metodologia do Fair Finance International (FFI)", ele compara. Segundo Souza, para seguirmos na mesma direção é preciso dedicar especial atenção aos temas com as piores pontuações (2 ou menos): Armas, Setor Imobiliário e Habitação, Remuneração, Igualdade de Gênero, Impostos e Mudanças Climáticas. Luciane Moessa de Souza, sócia-fundadora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), empresa que atua com Finanças Sustentáveis em nível global, é menos otimista: "Apesar da importância que o assunto vem adquirindo no Brasil, desconheço dados concretos para afirmar que haverá um avanço em dois anos".
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Avaliamos os nove maiores bancos do país: Banco do Brasil (BB), Bradesco, BTG Pactual, BV, Caixa Econômica Federal (CEF), Itaú, Safra, Santander e BNDES sobre 18 temas divididos em: transversais (mudanças climáticas, corrupção, igualdade de gênero, direitos humanos, direitos trabalhistas, meio ambiente e impostos), setoriais (armas, alimentos, florestas, setor imobiliário e habitação, mineração, óleo e gás e geração de energia) e operacionais (direitos do consumidor, inclusão financeira, remuneração, transparência e prestação de contas).
Os dados foram coletados entre maio de 2020 e janeiro de 2021 em documentos públicos disponibilizados pelos bancos. Cada instituição recebeu uma nota geral, de 0 a 10, de acordo com critérios estabelecidos pelo Fair Finance International.
Gustavo Pereira Machado de Melo Souza, pesquisador do Programa de Serviços Financeiros do Idec
O BNDES – que tem como foco o desenvolvimento social e não atende diretamente à população – foi o que teve a nota mais alta, 4,3. O Santander ficou com a segunda posição, com 3,8, seguido de Banco do Brasil e Itaú, ambos com 3,5. O pior foi o Safra, com 2,3. Moessa de Souza faz uma observação sobre a liderança do BNDES: "Um banco de desenvolvimento não poderia ser analisado junto com bancos comerciais, pois as finalidades e o modelo de negócios são bastante distintos. É evidente que qualquer banco de desenvolvimento se sairia melhor do que os bancos comerciais".
Na avaliação por temas, Mudanças no Clima, Inclusão Financeira, Direitos do Consumidor e Igualdade de Gênero foram os que mais avançaram, porque os bancos passaram a publicar suas políticas. "Os bancos deixaram de ser horríveis para serem péssimos", critica Souza.
O tema com a pior pontuação foi Armas (0,7). "O Brasil é o terceiro maior exportador de armas leves do mundo, e os armamentos produzidos aqui contribuem para conflitos no Brasil e no exterior. Ainda assim, entre os bancos avaliados, apenas Safra e Santander publicam e detalham suas diretrizes para o setor", lamenta Amorim.
Para a especialista Moessa de Souza, a solução mais efetiva para termos bancos mais responsáveis seria uma regulação financeira mais clara e detalhada que exija que os bancos analisem os riscos socioambientais relevantes em toda a sua carteira de crédito e de investimentos e verifiquem o cumprimento da legislação socioambiental pelos clientes e pelas empresas nas quais investem por meio de consulta a informações fornecidas por fontes oficiais, não por relatórios produzidos pelas próprias empresas. "Tudo isso poderia ocorrer sem regulação, por simples iniciativa e consciência dos atores do mercado, mas isso só acontece (quando acontece) em mercados muito mais desenvolvidos do que o brasileiro, onde investidores exigem isso.
Saiba mais
GBR: https://guiadosbancosresponsaveis.org.br/
DESTAQUES DE CADA BANCO
- BNDES: após pressão do Idec em 2018, formalizou publicamente sua política. De acordo com ela, as empresas financiadas pelo banco devem colocar nos contratos com seus fornecedores e prestadores de serviço que estes não sejam condenados por discriminação de raça e gênero, violação de direitos trabalhistas (principalmente trabalhos escravo e infantil), violação de legislação ambiental e relações com corrupção e lavagem de dinheiro. "Essa é de longe a melhor política entre os bancos avaliados e a responsável pela nota do BNDES", opina Souza.
- Bradesco: deixou de ser o lanterninha (em 2018, enquanto os bancos grandes tinham em média 3,3, ele tinha 3,0), por patrocinar os Princípios Bancários Responsáveis, iniciativa lançada em 2019, e por ter uma política de investimento responsável (assim como o BB, o Itaú e o BNDES). "Embora muito simples e generalista, é um avanço, já que a maioria dos bancos tem políticas apenas para concessão de crédito", diz Souza.
- Santander: passou a divulgar que adota as políticas do grupo Santander. Dono da segunda maior nota, ele tem políticas bastante restritivas de crédito. "Ele não financia nenhuma nova usina termoelétrica (nem clientes que a tenham), nenhuma mina de carvão", exemplifica Souza.
- CEF: ocupa a posição de lanterninha entre os bancos grandes, pois evoluiu menos do que os outros. "Podemos elogiar a Política de Relacionamento com o Cliente e Usuários de Produto, lançada entre 2018 e 2020, uma das mais completas e que fez com que as notas nos questitos Direitos do Consumidor e Inclusão Financeira aumentassem bastante", destaca Souza.
- Itaú: foi o que mais evoluiu em Inclusão Financeira e Direito do Consumidor, pois é o que tem a melhor Política contra o Superendividamento. Além disso, apresenta metas muito claras e mensuráveis, por exemplo: "até tal ano tiraremos tantas pessoas da situação de superendividamento".
- BB: não teve grandes avanços em relação a 2018. O destaque foi a nota em Igualdade de Gênero, por informar que encerra o contrato em caso de discriminação por raça ou gênero e assédio.
- BV: não há o que destacar, pois as notas continuam muito ruins.
- BTG Pactual: foi o que mais aumentou a nota. Isso se deve principalmente ao fato de ter se tornado, em 2020, signatário dos Princípios do Equador, conjunto de critérios socioambientais para projetos que custem mais de R$ 10 milhões.
- Safra: vem obtendo avanços significativos nos últimos anos. "Tinha pouquíssima coisa publicada em 2018. Hoje, disponibiliza suas políticas mais detalhadamente, e elas têm boa qualidade", informa Souza.