Vai e vem dos reajustes
Recomposição dos valores referentes aos reajustes suspensos em 2020 beneficia operadoras e prejudica consumidores, que foram economicamente impactados pela pandemia de Covid-19. Veja o que o Idec está fazendo para reverter a situação
A alegria dos brasileiros que têm plano de saúde privado durou pouco. Em 2020 eles receberam a notícia de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) suspenderia os reajustes de setembro a dezembro, por conta da crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. Contudo, em 19 de novembro, a ANS anunciou as regras para a recomposição dos valores em 2021. Trocando em miúdos, o reajuste não foi anulado, apenas postergado, já que as operadoras foram autorizadas a cobrar os reajustes suspensos em 12 parcelas ao longo deste ano, desde que informem os clientes nos boletos.
A decisão acendeu o sinal amarelo do Idec, pois a agência reguladora não criou dispositivos para coibir cobranças abusivas, tampouco provou que a recomposição é necessária para a sustentabilidade do setor. Pelo contrário, de acordo com dados da própria ANS repassados ao Idec, as operadoras triplicaram seu lucro entre o primeiro e o segundo semestre de 2020, que passou de R$ 3 bilhões para R$ 10 bilhões (o motivo é bastante simples: com a pandemia, as pessoas ficaram em casa e usaram menos os serviços de saúde). Já as famílias brasileiras viram sua renda minguar em meio à crise econômica e sanitária, que deve perdurar por um bom tempo.
"A ANS aprofundou a desigualdade entre consumidores e operadoras. Os primeiros ficarão totalmente vulneráveis a cobranças abusivas, que são notórias no setor, e terão ainda mais dificuldade de permanecer nos contratos", afirma Ana Carolina Navarrete, advogada e coordenadora do Programa de Saúde do Idec. "A possibilidade de parcelamento não resolve os impactos econômicos da recomposição. Em um momento de crise econômica aguda, no qual as empresas tiveram lucro histórico, há um único adjetivo para a medida: perversa", ela opina. A diretora-executiva do Idec cobra a ANS: "É responsabilidade da agência reguladora equilibrar essa balança e proteger os consumidores, que estão em situação muito mais vulnerável".
IDEC EM ALERTA
O Idec está bastante preocupado com a forma como os reajustes de 2020 serão repassados aos consumidores neste ano. "É importantíssimo que haja transparência. Os valores referentes a 2020 têm de estar separado dos valores de 2021, para que se entenda facilmente o que é o quê", explica Matheus Falcão, advogado do Idec e pesquisador do programada de Saúde.
LÍDER DE RECLAMAÇÕES
De acordo com uma pesquisa do Idec, os reajustes altos foram a principal queixa dos usuários de planos de saúde, no Brasil, em 2020. Dos 518 entrevistados, 410 (79,15%) afirmaram ter enfrentado dificuldades com seu plano e 290 (56%) relataram problemas relacionados a reajuste, seja ele anual ou por faixa etária.
Em momentos de crise econômica, os reajustes representam um peso muito grande para os consumidores, aumentando a inadimplência e podendo levar à perda do plano. A dificuldade para negociar o valor da mensalidade foi mencionada na pesquisa por 39 pessoas. °Como o ano foi financeiramente muito bom para as operadoras de plano de saúde e muito ruim para os consumidores, as empresas deveriam se mostrar mais abertas à negociação, e a ANS deveria promover medidas de proteção bem mais efetivas do que apenas adiar a cobrança do reajuste para 2021", defende Ana Carolina Navarrete, do Idec.
No dia seguinte ao anúncio sobre a recomposição, o Idec e outra três entidades (Nudecon SP, SOS Consumidor e Instituto Defesa Coletiva) enviaram um ofício à ANS exigindo que os critérios sejam discutidos com a participação da sociedade em uma Câmara Técnica Extraordinária. Até o fechamento desta edição a ANS não tinha enviado resposta ao Idec sobre a criação dessa instância. Perguntamos à assessoria de imprensa, por e-mail, se o pedido do Idec estava sendo avaliado e se tinham um posicionamento, mas esse questionamento não foi respondido.
O Idec também notificou o Tribunal de Contas da União solicitando que o órgão monitore o processo de cálculo dos reajustes em 2021.
REAJUSTE SUSPENSO PARA TODOS
Em outubro, o Idec entrou com uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal pedindo que a ANS amplie a suspensão dos reajustes de forma a contemplar todos os consumidores de planos de saúde. Isso porque de acordo com estimativas enviadas pela agência ao Idec, apenas 42,8% dos usuários foram alcançados. A insuficiência da suspensão se deve principalmente à exclusão dos planos coletivos empresariais com mais de 30 vidas, que hoje representam 67% do mercado e não são regulados pela Lei de Planos de Saúde. Nesse caso, o órgão determinou que o aumento da mensalidade seja negociado diretamente entre as empresas e as operadoras.
A ação também demanda que a suspensão seja válida desde o início da pandemia, em março, de modo que os usuários com planos cuja mensalidade sofreu aumento antes da publicação da medida sejam ressarcidos. "É obrigação da ANS zelar pelo equilíbrio na relação de consumo, garantindo a sustentabilidade do mercado e defendendo o interesse público sem qualquer discriminação", reforça Liporace. "É para isso que a agência foi criada, e o que queremos é simplesmente que todos os usuários de planos de saúde sejam alcançados de maneira isonômica por essa medida tão urgente e necessária, que é a suspensão dos reajustes.", completa.
Em 22 de dezembro, o Idec protocolou um pedido para suspender a recomposição das mensalidades até que a ANS esclareça os fundamentos da medida e permita a participação dos consumidores na discussão. Até o fechamento desta edição não havia resposta da Justiça.