Problema antigo
Redução da frota de ônibus em muitas cidades brasileiras e a consequente queda de passageiros transportados por conta do isolamento social podem levar o sistema à falência. Entenda o por que
Há tempos o Idec vem apontando que o sistema de transporte público brasileiro é insustentável, principalmente por ser financiado – na maioria das cidades – exclusivamente pela tarifa paga pelos usuários. Esse problema foi destacado na matéria "Passagem de ônibus cara", publicada na edição no 229 da Revista do Idec. Com as medidas de isolamento social impostas pelos governos estaduais para conter a propagação no novo coronavírus e a redução da frota de ônibus em muitos municípios, a questão ficou ainda mais gritante. Isso porque com a queda do número de passageiros, a receita das empresas de ônibus caiu drasticamente, e muitas já enfrentam uma crise financeira. "A Covid-19 evidenciou um problema que já existia: a falta de recursos extratarifários previstos na Política Nacional de Mobilidade Urbana para o sistema de transporte", afirma Rafael Calabria, coordenador do programa "Mobilidade Urbana" do Idec. A arquiteta e urbanista Luma Cordeiro Costa, da Área Técnica de Trânsito e Mobilidade Urbana da Confederação Nacional de Municípios (CNM), concorda: "Com a queda da demanda, se não houver aporte federal, as empresas não conseguirão manter o sistema funcionando sem superlotação".
"Não faz o mínimo sentido ter de reajustar o valor da tarifa de ônibus para que o serviço continue funcionando", opina Rodrigo Tortoriello, secretário extraordinário de mobilidade urbana de Porto Alegre (RS) e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana. Ele acredita que a discussão sobre a política de financiamento do transporte público tenha se potencializado porque estamos muito perto do que antes era apenas uma ameaça: a paralisação do transporte público e a falência do sistema.
A ESSENCIALIDADE DO TRANSPORTE PÚBLICO
Representantes de empresas, entidades de defesa do consumidor – dentre elas o Idec – e gestores públicos do setor têm se unido para impedir a paralisação do transporte público e lutado para que ele seja reconhecido como serviço essencial para a população. "Isso é mais do que urgente", declara Tortoriello, com total apoio do Idec, que é contra a suspensão do transporte público durante a pandemia do novo coronavírus (como foi feito em Santa Catarina), defendendo a manutenção reduzida da frota nas ruas. No fim de março, o Instituto enviou um ofício com o seu posicionamento a diversos órgãos públicos, entidades do setor de mobilidade, defensorias públicas, Ministério Público, associações de secretários municipais, associações de prefeitos e associação das empresas de transporte coletivos nacionais. "O transporte público não pode ser suspenso, pois ele é fundamental para o acesso da população aos serviços essenciais (que continuam funcionando), para quem atua nesses serviços chegue ao seu local de trabalho, para quem tem uma emergência médica etc.", exemplifica Calabria.
Ainda sobre a essencialidade do transporte público, a CNM está discutindo com a Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos a possibilidade de alteração do Decreto no 10.282/2020, que regulamenta a Lei no 13.979/2020. Este trata das medidas para enfrentamento da Covid-19 de forma a incluir o transporte público coletivo como serviço essencial. Segundo o decreto são essenciais serviços públicos e atividades indispensáveis à população, ou seja, que se não forem prestados podem colocar os cidadãos em perigo.
TODOS POR UM
As perdas financeiras do setor de transporte público brasileiro fizeram com que empresas que fornecem o serviço, em parceria com o Fórum dos Secretários Municipais de Mobilidade Urbana, a Frente de Prefeitos e a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) solicitassem ao Ministério da Economia recursos que ajudem o setor a não entrar em colapso. Eles apontam a urgência de mudar a fonte de financiamento do transporte público, ou seja, trocar o modelo atual, baseado na tarifa paga pelos usuários, pela remuneração por custo (quanto se gasta com funcionários, combustível, manutenção dos veículos etc.).
Para Calabria, o momento atual pode servir como divisor de águas para o setor de transportes. "Mudar as regras de custeio é um incentivo à qualidade, pois o modelo atual – que depende do número de passageiros – incentiva a lotação dos ônibus", ele diz. Além disso, quando se tem outras fontes de receita, o passageiro não é sobrecarregado com constantes aumentos de tarifa. Tortoriello corrobora: "Não dá mais pra imputar ao cidadão que anda de ônibus todo o custo do transporte público. Esse padrão chegou ao seu limite de exaustão". E completa: "Na saúde, pagamos impostos para que o SUS [Sistema Único de Saúde] funcione, e na educação, os impostos garantem o funcionamento das escolas públicas. Por que não tratar o transporte público da mesma forma? O custo total não deve ser pago apenas por quem usa o serviço, mas por todos os brasileiros".
Outra forma de se depender menos das tarifas é fazer uso das receitas acessórias (comercializar espaço para propaganda nos veículos, nos terminais e nos pontos de ônibus ou canais de áudio e vídeo para veículos e terminais, e instalar quiosques de comércio nos terminais) e extratarifárias (pedágio urbano, Cide – contribuição instituída pela Lei no 10.336/2001 com a finalidade de assegurar recursos para alguns setores, dentre eles o de transporte – etc.). Foi justamente para promover o debate sobre fontes acessórias e extratarifárias, como forma de sanar a crise gerada pela pandemia e garantir a redução das tarifas permanentemente no futuro, que o Idec, o Inesc e a Tarifa Zero BH lançaram a campanha "Cuide do Transporte Público".
A CNM destaca a importância dos recursos federais para custear o "passe livre", durante a pandemia, a profissionais de serviços essenciais, pessoas de baixa renda e por quem realiza tratamento de saúde. No entanto, diante da provável crise econômica pós-pandemia, será preciso estender esse direito a mais cidadãos.
Como se vê, ideias não faltam. Só é preciso tirá-las do papel.
Saiba mais
Matéria "Passagem de ônibus cara": https://bit.ly/2xSk56q