Passagem de ônibus caras
Pesquisa do Idec aponta problemas nos editais para contratação de empresas de ônibus em várias capitais do país. Falhas contribuem para aumento das tarifas e baixa qualidade do serviço
Este ano começou com uma péssima notícia para quem depende do transporte público em algumas capitais brasileiras: em várias delas, houve reajuste no preço das passagens no início de janeiro. O mais polêmico foi em Brasília, onde o governo do Distrito Federal, de uma tacada só, aumentou o preço das tarifas de ônibus e metrô em 10%. Em Recife, o metrô passou a custar R$ 3,70 no dia 5, 30 centavos a mais. Em São Paulo, as passagens de ônibus, trens e metrô ficaram R$ 0,10 mais caras a partir do primeiro dia do ano.
No discurso dos governos e das empresas de transporte público, a principal justificativa é que os reajustes são necessários para recuperar perdas com a inflação e queda no número de passageiros. O Idec discorda. Em dezembro, o Instituto atuou no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de São Paulo para que o prefeito, Bruno Covas, não reajustasse a tarifa e argumentou que isso poderia ser evitado caso ele tivesse reduzido menos o valor do subsídio para o sistema de transporte público.
Mas São Paulo está longe de ser a única capital do país cujo sistema de transporte poderia ser mais eficiente e pesar menos no bolso dos usuários. O Idec analisou, em estudo inédito, editais para contratação de empresas de ônibus em 12 capitais: Belo Horizonte (MG), Belém (PA), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). E um resultado chamou a atenção: boa parte dos contratos não apresenta mecanismos previstos pela legislação para pagar os custos do sistema com outros recursos que não sejam a venda de passagens, o que poderia contribuir para baratear o preço das tarifas. E, quando eles existem, é de forma pouco clara, o que dificulta a implementação.
REGULAMENTAÇÃO DEFICIENTE
Um mecanismo que pode contribuir com a redução do custo da passagem são as chamadas receitas acessórias, previstas na Lei n. 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Rafael Calabria, coordenador do programa Mobilidade Urbana do Idec e um dos autores da pesquisa, diz que elas são fontes alternativas de receita que os órgãos responsáveis pelo transporte coletivo poderiam explorar como forma de baratear os custos do sistema. "Os contratos poderiam mencionar que a empresa pode comercializar espaços para propaganda nos veículos, nos terminais e nas paradas de ônibus. E dizer que parte do recurso obtido vai para a empresa custear a operação e outra parte é usada para baratear as tarifas", recomenda.
Há outros exemplos. Um deles é a comercialização de canais de áudio e vídeo para veículos e terminais, como as TVs que você certamente já deve ter visto no interior de ônibus e metrôs. Outro são as aplicações financeiras. Calabria explica: "Se eu colocar R$ 100 no meu bilhete único, esse valor pode ser investido pela empresa antes mesmo de eu gastar os créditos, e parte do rendimento pode ser usado para reduzir a tarifa". Esses rendimentos financeiros estão previstos no contrato de concessão do serviço de ônibus de Porto Alegre, uma das sete capitais que, de acordo com a pesquisa, menciona as receitas acessórias em seu contrato. No entanto, a prefeitura está brigando na Justiça para obrigar as empresas de ônibus que operam na cidade a informar quanto arrecadam com a venda de publicidade. "Isso mostra como os contratos são fracos, pois mesmo quando citam receitas acessórias, elas não são regulamentadas efetivamente. Assim, as empresas podem fazer propaganda e usar o dinheiro como bem entenderem. Ou seja, as prefeituras não têm controle", critica o pesquisador do Idec.
Cinco das 12 capitais analisadas sequer mencionam nos editais as receitas acessórias: Curitiba, Fortaleza, Manaus, Recife e Rio de Janeiro. Rômulo Orrico, professor do Programa de Engenharia de Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), lembra que as receitas acessórias para o transporte público são adotados em várias cidades do mundo como incentivo ao transporte coletivo. "Em São Francisco, nos Estados Unidos, uma parte do pedágio da ponte Golden Gate é transferido para o transporte público; em Singapura, cobra-se pelo direito de circular nas cidades; Londres está cobrando para carros entrarem no centro", informa Orrico.
SUBSÍDIOS RAROS
Outro instrumento previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana para baratear as passagens são os chamados subsídios tarifários, recursos públicos destinados pelo Poder Público para o custeio do sistema de transporte. No Brasil, via de regra, esse dinheiro é utilizado para financiar as integrações e as gratuidade garantidas por lei aos idosos e aos estudantes da rede pública, neste caso quando há regulamentação municipal. Mas para Calabria, os subsídios poderiam reduzir as tarifas como um todo, como no caso de São Paulo. "O sistema de ônibus de São Paulo custa, por ano, cerca de R$ 8 bilhões, sendo que cerca de R$ 3 bilhões vêm dos subsídios, que garantem a gratuidade e ainda seguram um pouco a tarifa", observa. A pesquisa do Idec identificou que, além de São Paulo, apenas outras três capitais preveem os subsídios tarifários no contrato: Brasília, Recife e Curitiba. "Muitas capitais nem estão discutindo implementar isso", ele diz.
Para Orrico, da Cope/UFRJ, os subsídios fazem sentido, já que não são somente os usuários que se beneficiam de um transporte público eficiente. "A existência de transporte público faz com que grande parte da população circule de ônibus e metrô, liberando espaço viário e, de certa forma, beneficiando quem usa carro, que gasta menos combustível e perde menos tempo no trânsito", avalia Orrico. Para o pesquisador, é preciso discutir de que forma os beneficiários do transporte público, como os cidadãos que usam carro e os comerciantes, devem participar do custeio do sistema, na medida em que forem beneficiados e de acordo com sua capacidade de pagamento. Ele justifica: "Primeiro, por uma razão social, já que não é justo fazer com que só usuários de transporte público paguem; e, segundo, por uma razão econômica, já que a economia urbana depende de um transporte público de qualidade".
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Os dados foram coletados por meio da Lei de Acesso à Informação. Quando não eram suficientes, nossa equipe procurava dados complementares no site das prefeituras e das câmaras de vereadores. Foram analisados 34 itens. Contudo, para esta matéria foi considerada apenas a questão da remuneração.
A análise do edital de 12 capitais brasileiras, considerando as boas práticas nacionais e internacionais, permitiu comparar a forma como elas fazem a gestão do sistema de ônibus.
Rafael Calabria, líder do programa Mobilidade Urbana do Idec
SERVIÇO RUIM
A pesquisa identificou ainda que, em sete das 12 capitais, os contratos de concessão do serviço de ônibus definem que a remuneração das empresas seja proveniente da tarifa cobrada dos usuários. Isso, segundo Calabria, além de fazer com que haja mais pressão por parte das empresas para reajustar as tarifas, acaba contribuindo para a má qualidade do sistema. Uma saída, segundo ele, seria remunerar as empresas com base não só no número de passageiros, mas em outros critérios, como pontualidade, número de veículos adequados para cada rota e avaliação dos usuários, entre vários outros. "É uma tentativa de criar uma fórmula de remuneração das empresas que as estimulem a fazer coisas boas. Por exemplo, se ela for pontual, recebe mais; se não, recebe menos", sugere.
Relacionar a remuneração das empresas diretamente à arrecadação das tarifas, como é feito na maioria das capitais, acaba gerando um ciclo vicioso. "Se um ônibus tem 10 ou 40 passageiros, o custo para a empresa é o mesmo. Se a remuneração dela for somente a tarifa, isso estimula que a empresa busque formas de ter menos ônibus, mais cheios, porque ela vai economizar e ter mais lucro", aponta o analista do Idec.
Muitos dos problemas encontrados nos sistemas de transporte do país – como falta de pontualidade, má conservação e lotação – remetem a falhas nos contratos com a administração pública. Orrico acredita que os problemas identificados pelo Idec estão relacionados, de alguma forma, à falta de conhecimento técnico, por parte da administração pública, e à legislação que regulamenta os contratos de concessão de serviços públicos. "A partir da Lei n. 8.987/1995, a administração pública passou a gerenciar contratos com o setor privado e a acompanhar a execução. Mas com o passar do tempo, a administração pública foi ficando sem recursos para avançar no conhecimento regulatório específico necessário para as mudanças que a lei trouxe", destaca o pesquisador da Coppe/UFRJ, que finaliza: "Isso permanece até hoje, e o que vemos é que os contratos, em grande parte, pecam ou por excesso de detalhamento ou por absoluta falta de cláusulas que garantam a competitividade aliada à qualidade dos serviços".