Segurança em risco
Idec levanta número de acidentes e mortes causados por "problemas" na rede elétrica em todo o Brasil. Distribuidoras são responsáveis pela segurança da população
A notícia de que uma mulher de 40 anos morreu eletrocutada por um fio que se soltou de um poste no Capão Redondo, bairro da Zona Sul de São Paulo (SP), em 5 de novembro de 2019, assustou os brasileiros. Como pode uma coisa dessas acontecer? E se dissermos que acidentes como esse são mais comuns do que você imagina? Sim, infelizmente. O Idec levantou, no site da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), dados referentes a acidentes causados por "problemas" na rede elétrica (antes de a energia chegar ao medidor, ou seja, aqueles que ocorrem fora da casa das pessoas) e que vitima consumidores. Assim, foram excluídos os acidentes de trabalho (por exemplo, funcionário de uma distribuidora que morre após levar um choque durante o serviço). Os números são alarmantes. "A quantidade de acidentes registrados no site da Aneel é muito maior do que os casos noticiados pela mídia", declara Letícia Cunha Bonani, pesquisadora do programa Energia e Sustentabilidade do Idec.
NÚMEROS ALARMANTES
De acordo com o site da Aneel, de 2009 a 2018 foram registrados 8.566 "acidentes elétricos" e 2.892 óbitos. "Somente em 2018, foram 863 acidentes – um pouco mais de dois por dia – e 275 mortes, ou seja, a cada 31 horas temos uma vítima fatal", informa Clauber Leite, coordenador do programa Energia e Sustentabilidade e responsável por esta pesquisa. Ele chama a atenção para o fato de a quantidade de acidentes e mortes não ter caído ao longo dos anos (veja o gráfico abaixo). "Isso é grave", enfatiza ele.
São Paulo (1732), Minas Gerais (1077), Bahia (898) e Rio Grande do Sul (760) são os estados com mais acidentes nos últimos dez anos. São Paulo também é o que tem mais mortes (431), seguido de Bahia (279), Minas Gerais (270) e Rio de Janeiro (267). Veja o quadro com todos os estados na página 28.
Em relação às distribuidoras de energia, Cemig-D, Eletropaulo, Coelba e Celpe são as responsáveis por mais acidentes: 1024, 999, 898 e 545, respectivamente. Já o ranking de mortes muda um pouco: Coelba é a primeira, com 279; Cemig-D a segunda, com 250; Eletropaulo a terceira, com 180; e Celpa a quarta, com 168. A Celpe é a quinta colocada, com 163.
Questionada sobre o número alto de acidentes com consumidores, a Aneel não soube responder, falando apenas daqueles cujas vítimas são trabalhadores. Sobre a causa – informação não disponível no site da agência reguladora –, ela respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa: "Não há na Aneel o acompanhamento das causas dos acidentes com a população". "A Aneel tem de ter um plano de ação para reduzir o número de acidentes. Chega a ser irresponsabilidade não investigar o que os causou", aponta Leite, do Idec.
Daniel Bento, diretor executivo da Baur do Brasil e especialista em redes subterrâneas, elenca algumas possíveis causas de acidentes: "Excluindo aqueles com trabalhadores da construção civil ou que fazem manutenção predial, temos cabos elétricos energizados que caem devido à ação do vento; queda de árvore; tentativa de realizar ligações elétricas clandestinas; poda de árvores, movimentação de grandes máquinas agrícolas e instalação ou ajuste de antena perto da rede elétrica; e linha de pipa que enrosca em fios". Leite orienta os consumidores a tomarem cuidado nas situações citadas por Bento, evitando comportamentos imprudentes como tentar desenroscar uma pipa de um fio energizado.
A CULPA É DE QUEM?
Para o Idec, a empresa distribuidora de energia elétrica é responsável pela segurança da população e também pela redução dos acidentes e das mortes. Christian Printes, advogado do Instituto, informa que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) responsabiliza os fornecedores de serviços. Além disso, para o CDC, usuário e consumidor são a mesma coisa. Dessa forma, mesmo que a vítima não seja cliente da empresa que causou o acidente, ela tem direito à reparação dos danos sofridos. "O artigo 22 diz que os órgãos públicos e suas empresas, concessionárias, permissionárias etc. são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e seguros", diz Printes.
O Código Civil também dispõe sobre a responsabilidade dos fornecedores de serviço. O artigo 927 estabelece que "aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". E a obrigação de reparar o dano independe de culpa quando a atividade implicar, por natureza, riscos aos cidadãos.
Os consumidores também podem contar com a Resolução n 414/2010, da Aneel, que prevê as condições gerais para o fornecimento de energia elétrica e os direitos e deveres dos consumidores. Contudo, a regra da Aneel prevê que as concessionárias paguem apenas por danos elétricos. Em caso de danos ao patrimônio ou à vida é preciso recorrer ao CDC e ao Código Civil.
QUAL A SOLUÇÃO
Para Bento, a solução para evitar acidentes é tornar a rede elétrica inacessível, implantando redes subterrâneas. O enterramento da rede faz com que não haja, em nenhuma situação, a possibilidade de o cidadão tocar em fios", ele defende.
Apesar de ser uma solução evidente, Bento considera que as distribuidoras estejam limitadas para converter a rede aérea em subterrânea por duas razões. Primeiro, porque a regulação do setor atribui muito risco a esse tipo de investimento, pois ele pode não ser considerado prudente; segundo porque faz com que os gastos com a instalação da rede subterrânea seja debitado da rentabilidade do investidor. Leite lembra que se o custo não for para o investidor será descontado na tarifa paga pelos consumidores. "Por isso, o planejamento é fundamental, mesmo que para longo prazo", afirma o pesquisador do Idec.
Segundo o especialista em redes subterrâneas, mesmo na rede tradicional, é possível evitar que fios e peças energizados fiquem expostos. Ele aponta como alternativa os cabos isolados. Contudo, alerta que a rede precisa ser reforçada para suportar esse tipo de cabo, que é mais pesado. "Embora seja uma solução segura, ela prejudica a beleza da paisagem urbana, pois além de ficarem expostos, cabos e postes precisam ser mais robustos", ele opina, acrescentando: "É importante lembrar que o cerol usado em linha de pipa pode cortar o isolamento e deixar o fio exposto". No entanto, ao pesar prós e contras, a rede subterrânea acaba ganhando a "batalha".
IDEC EM AÇÃO
O Idec enviou carta à Enel (de São Paulo) e à Energisa (da Paraíba) após acidentes veiculados na mídia. No documento, o Instituto pediu um posicionamento das empresas e perguntou quais as medidas que estão sendo tomadas para proteger os cidadãos. Até o fechamento desta edição, elas não haviam respondido.
"O Idec está acompanhando as noticias sobre acidentes relacionados à rede elétrica e irá continuar pressionando as distribuidoras para que zelem, sobretudo, pela segurança da população, mas também para que forneçam energia com qualidade, de forma contínua e eficiente", conta Bonani.