Saudáveis mais caros
Pesquisa da UFMG em parceria com o Idec constata que o preço de alimentos saudáveis está subindo, enquanto o dos não saudáveis, caindo. Isso impacta na saúde dos brasileiros, que tendem a consumir os produtos mais em conta.
Somos o que comemos! Você já deve ter ouvido ou lido essa frase por aí muitas vezes. Pois ela deveria ser um mantra da vida saudável. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) – como diabetes, pressão alta, câncer etc. – são as principais causas de mortes no mundo. Em 2016, elas foram responsáveis por 71% dos óbitos, principalmente em países pobres e em desenvolvimento. E não há dúvidas de que uma alimentação saudável é primordial para combater as DCNTs. Assim, a combinação do alto consumo de produtos ultraprocessados, como refrigerante e macarrão instantâneo, e o baixo consumo de alimentos não processados ou minimamente processados (portanto, saudáveis!), como frutas, legumes, verduras e grãos, é extremamente perigoso para a saúde. “Os produtos ultraprocessados impactam negativamente na saúde não apenas por ter elevada quantidade de sódio, açúcar e gorduras, e poucas fibras, vitaminas e minerais, mas também por uma série de mecanismos usados pela indústria que levam ao consumo excessivo”, alerta Laís Amaral, nutricionista do Idec e pesquisadora do programa “Alimentação Saudável e Sustentável”.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Usamos os dados mais recentes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2008-2009) e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – ambos divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – para calcular o preço mensal dos produtos alimentícios (comidas e bebidas) mais consumidos pelos brasileiros de janeiro de 1995 a dezembro de 2017. O valor foi estimado em real por quilo de alimento.
Os 102 produtos avaliados foram classificados em quatro grupos de acordo com o sistema de classificação NOVA, utilizado no Guia Alimentar para a População Brasileira. São eles: 1. Não processados ou minimamente processados (leite, ovo, carnes, frutas, legumes etc.); 2. Ingredientes culinários processados (óleos vegetais, manteiga, sal e açúcar); 3. Processados (enlatados e pão francês); e 4. Ultraprocessados (bolo pronto, salgadinho de pacote, cereal matinal, salsicha, refrigerante etc.).
Infelizmente, alimentar-se de maneira saudável não é algo tão simples. E o preço dos alimentos é um dos obstáculos. Levando isso em conta, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Idec analisaram o preço de 102 alimentos e bebidas de 1995 a 2017 (veja como foi feita a pesquisa no quadro acima). E os resultados não são muito animadores. Veja-os a seguir.
SAUDÁVEIS X NÃO SAUDÁVEIS
Ao avaliar o preço de 102 alimentos e bebidas durante mais de duas décadas, o estudo constatou que de 1995 a 2017, o valor dos alimentos processados subiu de R$ 5,28/Kg para R$ 8,55/Kg, e dos não processados, de R$ 3,45/Kg para R$ 4,69/Kg. Já o preço dos ultraprocessados sofreu sucessivas reduções a partir dos anos 2000.
Estudos mostram que, de 1995 a 2009 (período em que os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF – estão disponíveis), o consumo de ultraprocessados subiu de 21% para 29,6% enquanto o de não processados e minimamente processados caiu de 44,2% para 38,9%. “O aumento do consumo de ultraprocessados e a redução do consumo de não processados ou minimamente processados já é realidade no Brasil”, afirma Emanuella Gomes Maia, professora do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), pesquisadora da UFMG e responsável por esta pesquisa. Segundo ela, o preço dos alimentos no Brasil tem aumentado de forma desfavorável ao consumidor, provocando a queda na qualidade da dieta de seus cidadãos.
E a indústria alimentícia joga pesado, realizando promoções, oferecendo descontos e fazendo publicidade ostensiva – inclusive para crianças –, a fim de conquistar consumidores. Outros fatores que atraem o público são o sabor e a conveniência dos produtos industrializados (é muito mais fácil abrir uma caixa de hambúrguer e fritá-los em alguns minutos do que preparar um prato usando apenas alimentos saudáveis). Contudo, os cidadãos precisam resistir à tentação para o bem de sua saúde. “Os ultraprocessados devem ser evitados ao máximo”, recomenda Maia.
TRIBUTAÇÃO, UM CAMINHO
Mudar o preço dos alimentos é um passo importante para melhorar a saúde da população. Mas como fazer isso? O Idec defende a tributação de bebidas açucaradas, a exemplo do que já ocorre no México, em alguns estados dos Estados Unidos e em vários países europeus. “Já existem evidências de que o aumento do preço de alimentos não saudáveis causa a queda das vendas”, destaca Amaral. Infelizmente, o que acontece no Brasil é o contrário: as indústrias recebem muitos benefícios fiscais. “De acordo com algumas pesquisas, aumentar o imposto dos alimentos não saudáveis tem surtido resultados mais efetivos do que isentar os saudáveis. No Brasil, o governo retirou os impostos de todos os produtos da cesta básica em 2013, e foi constatado que o impacto no consumo de alimentos pelos cidadãos e também nos preços foi pequeno”, conta a pesquisadora da UFMG. Para ela, começar a tributação pelas bebidas açucaradas é uma boa ideia. “Quando as bebidas açucaradas ficam mais caras, o consumo de água aumenta”, ela relata.
Ana Clara Duran, doutora em saúde pública e pesquisadora científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também é a favor da tributação. “Eu, junto com pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) verificamos que, se o preço de bebidas açucaradas aumentar em 20%, o consumo cairá em torno de 16%. Contudo, ela defende que a tributação seja acompanhada de outras medidas, como controle da publicidade – principalmente para crianças e adolescentes, mais vulneráveis –, restrição da compra de ultraprocessados por órgãos públicos, para escolas, hospitais e entidades governamentais, entre outras.
Infelizmente, a tramitação do Projeto de Lei (PL) no 2.183/2019 – que propõe elevar o imposto de bebidas açucaradas em 20% – está bastante lenta. O PL está com a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, mas ainda deve passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e por algumas comissões da Câmara dos Deputados. O Idec está de olho e continuará lutando por sua aprovação.
SAIBA MAIS
Matéria “Taxação do bem”: http://bit.ly/2KVw4ng