Precisamos falar sobre Greenwashing
Nas prateleiras, multiplicam-se produtos com frases, selos e figuras que remetem a práticas sustentáveis, enquanto pesquisas recentes não deixam muitas dúvidas sobre o quanto isso importa aos brasileiros. Em junho, a Nielsen divulgou um estudo demonstrando que 42% dos consumidores estão mudando seus hábitos de consumo para reduzir seu impacto ambiental e 30% estão atentos às listas de ingredientes. Já um levantamento sobre consumo consciente feito desde 2015 pelo SPC Brasil e pelo Meu Bolso Feliz mostrou que, em 2018, 71% dos consumidores davam preferência a produtos de marcas comprometidas com ações ambientais e sociais e 56% chegavam a desistir da compra se a empresa adotasse práticas nocivas ao meio ambiente.
O mercado tem boas razões para acompanhar de perto mudanças no perfil dos consumidores e se adequar a elas. O problema é quando o rótulo sustentável é apenas uma maquiagem verde ou para usar o termo correto, greenwashing, que acontece quando uma empresa manipula informações para passar ao público uma imagem ecologicamente responsável. Em outras palavras, os consumidores são enganados. “É preciso fazer com que as empresas digam se os seus apelos são verídicos, se têm fundamento. Do contrário, elas estarão lucrando com a mentira”, alerta a pesquisadora do Idec e especialista em meio ambiente Júlia Ferreira.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, percorremos os cinco maiores supermercados do Brasil, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, de acordo com a pesquisa da Euromonitor International “Grocery Retailers in Brazil” de 2016. Neles, colhemos informações básicas de produtos de três categorias: higiene e cosméticos, produtos de limpeza e utilidades domésticas. Ao todo, analisamos 518 rótulos que continham alguma alegação socioambiental.
Em seguida, checamos informações como ingredientes e certificações, e as avaliamos tomando por base o Código de Defesa do Consumidor, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Norma ABNT ISO 14.021/2017, o Código do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária e a lista dos “Sete pecados do greenwashing”, definida pela ONG TerraChoice. Também entramos em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) para obter e checar alguns dados.
Então, separamos os produtos em dois grupos: os que apresentavam práticas de greenwashing e os que não apresentavam. Criamos ainda o grupo “em avaliação”, no qual foram colocados os produtos que não puderam ser avaliados por falta de dados. Esses itens ainda podem migrar para as outras categorias, já que enviamos cartas a todos os fabricantes com vários questionamentos e ainda es- tamos aguardando algumas respostas.
Júlia Ferreira e Letícia Cunha, pesquisadoras do Idec
SERÁ QUE É “VERDE?”
Um bom guia para identificar essa prática é a relação dos “Sete pecados do greenwashing”, feita pela ONG TerraChoice (veja quais são eles na página 22). “Todos esses “pecados’ violam a boa fé da relação entre empresa e consumidor”, diz Michel Roberto de Souza, advogado do Idec. Ele explica que essas práticas são vedadas no Brasil a partir de uma série de normas e leis, a começar pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que define como publicidade enganosa – e, portanto, ilegal – qualquer modalidade de informação publicitária que possa induzir o consumidor ao erro. Na mesma linha, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabelece que a publicidade deve atender a quatro princípios: veracidade, exatidão, pertinência e relevância.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) também tem normas relacionadas à rotulagem ambiental. A mais geral delas é a ISO 14.020/2002, que define os princípios para esse tipo de rótulo e regulamenta o desenvolvimento e o uso de declarações ambientais em três tipos: tipo I (concedida por uma certificadora); tipo II (autodeclarações ambientais); e tipo III (avaliação do ciclo de vida de um produto).
O perigo do greenwashing mora na autorrotulagem: “Na rotulagem de tipo II, a própria empresa declara que seu produto é ecologicamente sustentável, sem que haja nenhuma certificadora independente avaliando”, explica Guy Ladvocat, gerente de Certificação de Sistemas da ABNT. “Muitas empresas colocam determinadas marcas ou selos no produto sem nenhuma rastreabilidade ou credibilidade, induzindo os consumidores a acreditar em algo que não tem fundamento, e isso é errado”, ele julga.
Para especificar os requisitos da autorrotulagem, há uma outra norma da ABNT, a ISO 14.021/2017, que aponta a empresa como responsável por fornecer todas as informações necessárias para que as declarações dos seus rótulos possam ser verificadas.
Segundo Souza, do Idec, o único desses documentos que não tem força de lei é o Código do Conar, pois ele está mais para uma recomendação, já que pode ou não ser cumprido pelas empresas associadas. Quanto às normas da ABNT, embora elas sejam voluntárias, a ISO 14.021 vale como lei por conta do artigo 39 do CDC, que proibe o fornecedor de comercializar produtos e serviços em desacordo com as normas dos órgãos oficiais competentes ou, se não existirem normas específicas, com as regras da ABNT. “Ou seja, havendo lacuna, as normas da ABNT passam a ser obrigatórias. E esse é o caso da autorrotulagem”, reforça Souza.
DE OLHO NOS PRODUTOS
Para avaliar o quanto as técnicas de greenwashing estão presentes em produtos brasileiros, pesquisadores do Idec fizeram um levantamento em supermercados do Rio de Janeiro e de São Paulo (veja como a pesquisa foi feita na página 21). Eles observaram rótulos de produtos de higiene, de limpeza e utilidades domésticas e, a partir do arcabouço legal brasileiro e da literatura sobre o tema, concluíram que em 38% dos produtos essa prática foi utilizada.
Algumas alegações eram realmente inusitadas: “Encontramos fraldas e absorventes íntimos com imagens indicando coleta seletiva, ou seja, informando que são recicláveis; e pratos e copos de plástico, que são extremamente nocivos ao meio ambiente, promovidos como se gerassem mais economia de água do que os reutilizáveis. Nesse caso, havia até indicação do volume de água economizado, mas não eram fornecidos os estudos que permitiam essa comparação, e as pesquisas acadêmicas disponíveis não corroboram os números”, exemplifica Ferreira, uma das autoras da pesquisa.
O “pecado” mais encontrado foi o da irrelevância, em 41% dos rótulos. A afirmação mais comum foi “não contém CFC”. Os CFCs têm relação direta com a redução da camada de ozônio, então o fato de um produto não conter esse componente deveria ser algo positivo, certo? E é. Só que no Brasil, desde 1988, ele é proibido na produção de produtos de higiene, limpeza e solventes, e em 1999, a proibição se estendeu a todos os tipos de produto. “Ou seja, o rótulo apresenta como vantagem ambiental algo que não passa do mero cumprimento da lei”, resume Letícia Cunha, pesquisadora do Idec em Energia e Sustentabilidade e coautora da pesquisa.
Outra alegação similar é a encontrada em produtos saneantes (desinfetantes, detergentes etc.): “contém tensoativo biodegradável”. Segundo a Lei no 7.365/1985 e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil só pode produzir e importar saneantes que usam esse tipo de tensoativo.
O segundo “pecado” mais presente foi a falta de provas, identificada em 31% dos produtos. Em seguida, veio o da vagueza e imprecisão (18%), com frases como “amigo do meio ambiente”, “Earth friendly”, “sustentável”, “ecológico” e “produto natural”.
Os pesquisadores ainda encontraram problemas relacionados ao descarte dos produtos e das embalagens. Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a responsabilidade pelo descarte é compartilhada entre o poder público, os fabricantes e os consumidores, mas foram encontradas frases como “reciclar é atitude”, “leve a um posto de coleta mais próximo” e “mantenha a cidade limpa”, que transferem a responsabilidade ao consumidor.
OS SETE PECADOS DO GREENWASHING
1. Troca oculta: a empresa enaltece algumas qualidades ambientais, mas esconde as características nocivas.
2. Sem provas: apelo ambiental que não pode ser comprovado por informações facilmente acessíveis ou por uma certificação confiável.
3. Vagueza e imprecisão: apelos mal definidos ou vagos que dificultam o entendimento pelos consumidores, como “amigo da natureza” e “produto natural”.
4. Adorando falsas etiquetas: imagens ou palavras que dão a impressão de existir certificação ou endosso de terceiros, mas na realidade não há.
5. Irrelevância: apelo ambiental que, mesmo verdadeiro, não é importante ou não ajuda os consumidores. Por exemplo, destacar no rótulo algo que o fabricante é obrigado, por lei, a fazer.
6. Menor dos dois males: apelos que até podem ser verdadeiros, mas escondem os impactos ambientais da categoria a que o produto pertence. Por exemplo, carros elétricos que, apesar de não usarem combustíveis fósseis, prejudicam a mobilidade urbana.
7. Lorota: apelos que não são verdadeiros, ou seja, mentirosos.
Fonte: ONG TerraChoice
COMO EVITAR A ARMADILHA
Para não ser enganado por fabricantes que praticam greenwashing, é preciso saber do que se trata, por isso, disseminar informações é um dos objetivos da pesquisa feita pelo Idec. Assim, o Instituto acaba de lançar a campanha “Mentira verde: um guia para o consumidor não se deixar enganar pelas práticas de greenwashing das empresas”. Além disso, o Especial Greenwashing, disponível no portal do Idec, será atualizado constantemente.
Hoje, quando identificam uma “mentira verde”, os consumidores podem ligar para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da empresa, registrar queixa na plataforma Consumidor.gov.br, procurar o Procon, entrar com uma ação contra a empresa ou recorrer ao Ministério Público. Mas, para o Idec, também é importante debater mecanismos que fortaleçam a legislação socioambiental no Brasil, pois as leis estão dispersas. “Não há uma regulamentação específica, e isso dificulta o controle”, avalia Ferreira. Ela aponta problemas, por exemplo, em relação ao papel da Anvisa. “Grande parte dos casos identificados pela pesquisa está relacionado a alegações como “não contém CFC” e “tensoativo aniônico biodegradável”. Como compete a essa agência regular o tema, seria importante que ela não deixasse brechas para a exposição de falsas vantagens ambientais”, ela reforça.
De acordo com a pesquisadora, fomentar essa discussão foi mais um dos objetivos do estudo. “É importante promover o diálogo junto ao governo, para encontrarmos uma solução. A pesquisa não buscou resolver o problema, mas pautá-lo. Precisamos conversar sobre ele”, ela finaliza.
NÃO CAIA NO GREENWASHING
- Não confie em produtos com afirmações ambientais vagas, como “ecológico”, “sustentável” ou “amigo do meio ambiente”.
- Desconfie de selos, pois algumas marcas elaboram imagens que parecem selos de certificadoras, mas não são.
- Muitas empresas usam frases como “Economize água” e “Recicle esta embalagem”, mas não têm uma boa política socioambiental. Quando encontrar essas mensagens, pesquise as práticas da empresa. Se forem ruins, cobre mudanças!
- Toda alegação tem que ser verificável de forma fácil. Se o fabricante diz, por exemplo, que o produto é biodegradável ou economiza água, peça provas ao SAC.
- Procure organizações preocupadas com a causa, como o Idec, para saber mais sobre greenwashing e a responsabilidade socioambiental das empresas.
SAIBA MAIS
Especial greenwashing: idec.org.br/greenwashing