Essencial para evitar tragédias
Estudo do Idec constata a importância de os bancos divulgarem suas políticas de responsabilidade socioambiental e de o Banco Central fiscalizar sua efetividade
O dia 25 de janeiro ficará marcado por uma tragédia que sensibilizou não somente os brasileiros, mas cidadãos do mundo todo. Neste dia, uma barragem da Vale – mineradora multinacional brasileira – se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).
Enquanto se tenta encontrar os culpados, vale uma reflexão: você já parou para pensar que o seu banco – no qual você tem conta corrente ou poupança – pode financiar ou ser acionista da Vale? E não só dela, mas de muitas outras empresas, já que têm papel fundamental no sistema econômico, apoiando, em algum grau, todas as atividades produtivas do país por meio de seus serviços e produtos financeiros. Tá, mas o que isso tem a ver com a tragédia de Brumadinho? Tudo! Por ser a mineração uma atividade de risco, é imprescindível que as companhias que realizam tal atividade se preocupem com os impactos que ela pode causar na sociedade e no meio ambiente. “Como financiadoras das empresas, as instituições financeiras têm o papel de cobrar políticas que amenizem danos e evitem catástrofes”, declara Ione Amorim, economista e pesquisadora do Idec em Serviços Financeiros. Daí entra a importância da responsabilidade socioambiental (RSA), que nada mais é do que a responsabilidade que as empresas têm com a sociedade e o meio ambiente e que vai além do cumprimento das leis impostas.
Essa política é tão importante que, em 2014, o Conselho Monetário Nacional (CMN) emitiu a Resolução no 4.327, que estabelece diretrizes e princípios para a implementação da Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA) por todos os bancos autorizados a operar no Brasil. Na prática, eles precisam 1. Elaborar (e divulgar) a PRSA, descrevendo as diretrizes e os princípios que adotam para gerenciar os riscos socioambientais. Essa política deve ser revisada a cada cinco anos pela diretoria e pelo conselho de administração; 2. Criar procedimentos que devem ser colocados em prática na hora de tomar decisão sobre um investimento; 3. Determinar quem serão os responsáveis por implementar, monitorar e avaliar a efetividade da PRSA. Os procedimentos adotados têm de ser subordinados a uma unidade de gerenciamento de risco; 4. Preparar um plano de ação para criação da PRSA e dos procedimentos, assim como para a sua revisão.
Por considerar de suma importância que os consumidores conheçam as políticas de responsabilidade socioambiental dos bancos, o Idec realiza há oito anos o Guia dos Bancos responsáveis (GBR), que avalia as políticas das maiores instituições financeiras do país. E este ano resolveu fazer também um estudo para avaliar em qual estágio está a implementação da Resolução no 4.327/2014. “Esperamos que esse estudo reforce o monitoramento e a fiscalização feitos por todas as partes interessadas, contribuindo para que as ações executadas pelos bancos para cumprimento da norma sejam efetivas e não fiquem apenas no papel”, afirma Amorim.
GBR 2018: NOTAS BAIXAS PARA MINERAÇÃO
Na última avaliação das políticas dos bancos feita pelo Idec e publicada na edição 221 da Revista do Idec, todos os bacos tiraram nota baixa no quesito “mineração” (veja o quadro abaixo), o que revela a ausência de políticas no setor. A melhor nota, mas ainda longe do ideal, foi a do BNDES, com 5,2. “A baixa pontuação dos bancos reflete não apenas a ausência de políticas específicas para o setor, mas também o baixo grau de exigência da legislação nacional para os projetos de mineração, quando comparada a padrões internacionais”, avalia Amorim. Ela lembra que a mineração no Brasil corresponde a 5% do PIB nacional, fornecendo produtos a uma ampla gama de indústrias, com impacto em recursos hídricos e comunidades tradicionais. “Os bancos devem exigir que empresas de mineração se comprometam com a mitigação de impactos sociais e ambientais”, diz.
Outros países
Dentre os 34 países em desenvolvimento, o Brasil encontra-se no quarto estágio – num total de cinco – de compromisso com a RSA, segundo o Relatório Global de Progresso do Sustainable Banking Network. Ele está na mesma categoria de outros sete países, como China, Colômbia e Nigéria.
ALGUNS AVANÇOS, POUCA TRANSPARÊNCIA
Antes de 2014, quando a Resolução no 4.327 foi aprovada, o que havia no Brasil eram regras isoladas sobre RSA. Em 2015, quando a lei entrou em vigor, o Banco Central (BC) passou a supervisioná-la, por meio de questionários preenchidos pelos bancos. Embora também avalie o conteúdo das políticas, o foco são os instrumentos que compõem o sistema de administração de riscos ambientais e sociais.
Todas as instituições financeiras adotaram uma PRSA e um plano de ação, o que não garante que sejam implantadas. A partir daí, houve avanços em supervisão e implementação. Apesar de a Regulação não definir quais são as atividades econômicas que oferecem maior risco socioambiental, o BC elaborou uma referência como base em dois documentos amplamente adotados pelos bancos brasileiros: atividades “potencialmente poluidoras”, definidas pela Resolução no 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e a lista de “setores com potencial impacto socioambiental” adotada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Contudo, isso não é suficiente para atestar que todas as instituições financeiras estão cumprindo as normas vigentes. Ainda é necessário que as regulações do setor bancário sejam aprimoradas para que outras tragédias não ocorram. Nesse sentido, é essencial aumentar a capacidade interna de fiscalização do BC e prever maior detalhamento sobre o que deve ser tratado nas PRSAs. O quadro da página 22 mostra que o conteúdo das políticas é muito heterogêneo. E somente o Santander aborda todos os itens avaliados.
Apesar dos avanços, a transparência ainda é o ponto fraco. “Na avaliação de políticas de 2018 do GBR, uma das conclusões foi justamente a pouca publicidade que os bancos dão as suas políticas de responsabilidade socioambiental, o que foi reforçado nesse estudo. Ou seja, esse é um ponto que precisa melhorar urgentemente”, relata Amorim.
O consumidor deve fiscalizar o seu banco, pressionando-o a adotar políticas de RSA mais rigorosas, para que histórias como a de Brumadinho não se repitam. No site do GBR é possível enviar reclamações aos bancos.