A culpa é de quem?
Problemas na fabricação e no descarte de produtos fazem com que materiais recicláveis não sejam aproveitados ou sejam descartados incorretamente
Parece que tudo funciona normalmente. Você separa o lixo de casa: orgânicos e rejeitos misturados de um lado, recicláveis de outro. A empresa de coleta seletiva passa nos dias e na hora estipulados, e as prefeituras fazem sua parte para manter o serviço funcionando. Mas, uma vez que os resíduos são recolhidos, pouco se sabe sobre o destino deles. E a verdade é que tem muita coisa que vai parar aonde não devia. Apesar de quase uma década de existência da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), os resíduos sólidos continuam um problema mal resolvido no Brasil. A lei, sancionada em agosto de 2010, define regras para a destinação de rejeitos e responsabiliza o setor privado pelo reaproveitamento de materiais recicláveis. Para isso, prevê obrigações para todos os envolvidos: quem produz (indústria), quem consome e descarta (cidadãos) e quem reaproveita (cooperativas) os resíduos.
No entanto, em que pese os esforços para efetivar a PNRS, o setor industrial não está cumprindo a sua parte. Há problemas na logística reversa — termo que define o ciclo contrário da produção de uma mercadoria, ou seja, o caminho que ela deve seguir para ser descartada. Duas falhas são bastante comuns: o descarte incorreto e a fabricação de produtos sem que haja tecnologias para a reciclagem.
Falta integrar uma ponta à outra da cadeia – produção e infraestrutura para coleta e destinação para reciclagem –, garantindo a lógica da economia circular. Tal dificuldade faz com que alguns arquem com as responsabilidades de outros. Isso onera as prefeituras, assim como os cidadãos que pagam seus impostos. O advogado especialista em meio ambiente Wladimir Ribeiro, consultor especial da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), estima que entre 4% e 8% dos orçamentos municipais são comprometidos com o descarte de resíduos. “Quem usufruiu do lucro na venda gera um custo, mas não arca com ele. Quem arca é o poder público. Há uma distorção nas relações econômicas”, ele explica.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, coletam-se diariamente aproximadamente 12 mil toneladas de resíduos domiciliares. Desse total, a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), autarquia da prefeitura responsável pela gestão dos resíduos e limpeza urbana do município, afirma que mais de um terço, poderia seguir para as centrais de triagem ou cooperativas.
Especialistas recomendam campanhas de educação ambiental permanentes, para informar sobre a separação dos resíduos e deixar claro o compartilhamento de responsabilidades. “Certamente, uma maneira de reduzir o impacto ao meio ambiente são as mudanças de hábitos por parte dos consumidores”, afirma o engenheiro ambiental Clauber Leite, pesquisador do Idec em energia e consumo sustentável.
EUROPA É EXEMPLO
O Artigo no 33 da Política Nacional de Resíduos Sólidos é claro ao estabelecer a responsabilidade estendida de fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes em relação a embalagens. Ou seja, o setor produtivo deve assumir sua responsabilidade pós-consumo, arcando com os custos da coleta dos recicláveis e a remuneração dos catadores pelos serviços que prestam: coleta seletiva e triagem. E isso pode ser feito imediatamente, visto que as multinacionais já adotam essa prática na Europa.
E cabe à sociedade civil pressionar os ministérios públicos para que exijam que o setor produtivo cum pra o que lhe foi atribuído por lei.
FALHAS NA LOGÍSTICA RESERVA
Quando a coleta seletiva é possível, os erros no descarte são apenas uma parcela do problema. “Na maioria das vezes, o consumidor não tem a opção de escolher produtos mais sustentáveis”, aponta Leite. Quer dizer, há mercadorias que, pouco importa como sejam descartadas, não podem ser reaproveitadas, mesmo quando fabricadas com materiais em tese recicláveis, como plásticos ou alumínio. Dois casos exemplares são garrafas de leite que misturam plástico PET com alumínio e sacos de salgadinhos, feitos com plástico laminado. Apesar de parecerem reaproveitáveis, não são.
O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) diz que há um problema na definição do produto. Muitas vezes, a indústria fabrica produtos e embalagens sem que haja um método para executar a logística reversa. O MNCR afirma que as empresas estão se omitindo em relação a essa questão ao não investir nas cooperativas e não integrá-las à produção dos produtos. “Hoje, há um acordo setorial que prevê investimento nas cooperativas de catadores, mas só alguns segmentos industriais aderiram, e ele não está funcionando”, declara o movimento.
Existe, ainda, a questão geográfica. Há lugares do país em que não há máquinas para reaproveitar certos materiais. Segundo o MNCR, em Rondônia, por exemplo, não há meios para reciclar papéis, que vão parar no lixão; e em Brasília, não há como reutilizar vidros. Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que o assunto está em discussão e implica em maiores gastos com a destinação final dos resíduos. Segundo ele, para os casos mais críticos já há ações sendo implementadas. “Essa discussão ocorre especialmente no setor de embalagens plásticas, que está preocupado em aumentar os índices de reciclagem e reduzir os custos de sua logística reversa”, ele informa.
A indústria, no entanto, é omissa. Em outros países, principalmente na Europa, há políticas de logística reversa eficazes há mais de duas décadas. “Aqui, a indústria resiste com unhas e dentes à implantação desse sistema. No fundo, a gente está subsidiando a poluição”, finaliza Ribeiro.