Desapegar é viver
Minimalistas defendem um estilo de vida com menos bens materiais e mais liberdade para fazer o que realmente importa e proporciona felicidade
Se você costuma navegar pelo Youtube já deve ter percebido que de uns tempos para cá surgiram vários canais sobre minimalismo. É só digitar a palavra no campo de busca e encontrará inúmeros youtubers ensinando como levar uma vida minimalista, que é muito mais do que ter uma casa toda pintada de branco e com poucos móveis ou um armário-cápsula, com 37 peças incluindo sapatos. É comum confundir o estilo de vida com a estética minimalista, comum na moda e na fotografia e que tem como premissa o “menos é mais”.
Para a jornalista e advogada Caroline Abreu, 28 anos, de Porto Alegre (RS), o minimalismo não é sobre o que temos, mas sobre o porquê temos. A principal regra do minimalismo é não ter regras rígidas nem números exatos. “Minimalista é ser – ou tentar ser – aquilo que faz sentido pra você”, define Abreu, ex-consumista que descobriu o minimalismo em meados de 2017 ao assistir ao documentário The Minimalists na Netflix. No filme, os norte-americanos Joshua Fields Millburns e Ryan Nicodemus contam que abandonaram empregos com salários altíssimos, mudaram-se para casas menores e venderam praticamente todos os seus pertences em busca da felicidade que não tinham quando estavam rodeados por eles. “Depois do documentário, percebi que eu gastava muito tempo em lojas online enchendo o “carrinho”. Quando eu comecei a me interessar pelo assunto, passei a usar esse tempo para estudar sobre o minimalismo”, conta a jornalista, que acabou criando o Parece Óbvio, blog e canal no Youtube.
Ser minimalista é ter somente o essencial (o que varia de indivíduo para indivíduo, obviamente). Mas não é só isso. “Na verdade, o minimalismo não é sobre o que você joga fora, mas sobre o que adiciona a sua vida porque possui menos coisas. Assim, podemos dizer que os minimalistas definem o que é importante para eles e, então, dão espaço ao que valorizam, removendo as distrações”, declara o escritor norte-americano Joshua Becker, 43 anos, criador do site Becoming Minimalists. Depois que decidiu viver com menos bens materiais, há 11 anos, Becker e sua família ganharam mais dinheiro, energia, liberdade e tempo para se dedicar as suas paixões (fé, família e amigos), além de terem reduzido o estresse. Em seu livro Menos é mais – um guia minimalista para organizar e simplificar a sua vida, a também norte-americana Francine Jay compara coisas a âncoras: “elas nos impedem de explorar novos interesses e desenvolver talentos. Elas podem atrapalhar relacionamentos, sucesso profissional e tempo com a família”.
Eneus Trindade Barreto Filho, pesquisador na área de publicidade e consumo da Universidade de São Paulo (USP) – e adepto do minimalismo - defende que é impossível romper totalmente com a lógica do consumo, mas é possível consumir apenas o suficiente para ter uma vida confortável, sem esbanjamento. “Todo mundo consome, contudo, as metas são definidas por cada pessoa de acordo com a sua história de vida e as suas necessidades, na maioria das vezes, preocupando-se com a sustentabilidade”, ele afirma.
MINIMALISMO EM FAMÍLIA
Você pode estar pensando: “ah, mas isso é coisa de gente solteira ou que mora sozinha. Ledo engano. Becker, entre tantos outros minimalistas, é casado há 19 anos e tem dois filhos, um garoto de 16 e uma menina de 12. “O minimalismo em família é mais difícil, mas também mais importante. Assim como qualquer relacionamento, ele requer comprometimento, amor e paciência”, avalia o escritor. Ele orienta os pais a se desapegarem primeiro de seus objetos. “É injusto começar a jornada fazendo as crianças se livrarem de suas coisas. Comece com as suas e deixe que seus filhos sigam o seu exemplo”, ele orienta.
Para o pesquisador da USP, o minimalismo precisa ser um acordo entre os membros da família. “Geralmente, os filhos sofrem mais, porque eles não têm noção do que é ser minimalista e eles desejam as coisas, pois convivem com crianças não minimalistas”, pontua.
VIAJANTES MINIMALISTAS
A mineira Mirella Rabelo, 36, de Poços de Caldas, e o gaúcho Rômulo Wolff, 38, de Osório, se tornaram minimalistas há cinco anos, quando resolveram largar seus empregos no Brasil para viajar o mundo. Eles precisaram fazer tudo caber dentro de duas caixas plásticas que levaram na caçamba do carro. “Fiz um bazar e vendi todas as minhas roupas para arrecadar dinheiro. Nesse processo, desapeguei de quase tudo, e foi muito fácil, pois eu tinha um propósito muito maior”, relata Rabelo. “Na época, nunca tínhamos ouvido falar de minimalismo. Só descobrimos que éramos minimalistas quando vimos o documentário The Minimalists, quase três anos depois”, complementa Wolff.
O casal, que hoje compartilha a sua experiência nômade no canal Travel and Share, no Youtube, começou a aventura “fazendo um mochilão”. Depois, ganharam um carro com uma barraca no teto e, mais tarde, um camper [espécie de motorhome]. “Apesar da evolução no conforto, uma vez que aprendemos o que é essencial para nós, sempre que temos alguma coisa “sobrando”, ela começa a nos incomodar e logo a abandonamos”, confidencia a mineira, que tem 26 peças de roupa, incluindo bolsas e sapatos. Os viajantes também aplicam o minimalismo na alimentação e nas relações pessoais. “Mantemos em nossa vida apenas as amizades saudáveis e que nos dão prazer. Já na alimentação, compramos pouca variedade de alimentos e cozinhamos o trivial em nosso dia a dia. Somos muito felizes assim!”, enfatiza Wolff.
Abreu, do blog Parece Óbvio, fez sua primeira “viagem minimalista” este ano. Após passar perrengue no Deserto do Atacama, no Chile, em 2017, por levar muita bagagem, resolveu passar 26 dias na Europa apenas com uma mochila. “Fui achando que estava levando pouca coisa e descobri que poderia ter levado menos. Aprendi que dá pra viver com muito pouco e que independentemente da quantidade de roupa que levamos, a experiência é a mesma”. Para montar a mala minimalista, a blogueira olhou a previsão do tempo e avaliou o tipo de atividades que faria nas cidades que estavam no roteiro. Depois, pegou tudo o que gostaria de levar e colocou sobre a cama. Então, foi retirando o excesso e montando os looks para cada dia. “Como o meu guarda-roupa é monocromático – preto, cinza e branco – fica fácil combinar. Mas ajuda pensar em partes de baixo coringas e que combinem com o máximo de partes de cima”, ensina.
SER OU NÃO SER EIS A QUESTÃO
Na última década, mais e mais pessoas passaram a ter uma vida minimalista. Contudo, é importante ressaltar que quem opta por esse estilo de vida pertence, geralmente, às classes média ou alta. São homens e mulheres que já satisfizeram algumas de suas necessidades de consumo e, por questão de consciência, resolveram consumir menos. Mas Barretos Filho reforça que quem vive na carência e ainda não teve acesso aos produtos de desejo, muitas vezes, não vê com bons olhos a ideia de restrição autoimposta. “Restringir o consumo deve ser um processo consciente. É uma autocrítica e uma crítica ao modelo consumista a que estamos expostos”, afirma.
MINIMALISMO NA PRÁTICA
- Não se apegue a regras rígidas sobre números e sobre o que ter ou não ter. “Minimalismo é sobre liberdade de escolha”, lembra Caroline Abreu;
- Seja mais consciente na hora de comprar e não compre por impulso. “Parece óbvio, mas não é”, ironiza Abreu;
- Faça uma lista do que precisa e resista ao que não está nela;
- Avalie a matéria-prima, a durabilidade e o processo de produção do que pretende comprar;
- Compre em brechós e sites que vendem artigos de segunda mão;
- Sempre que comprar um produto, desapegue de um similar. Entra calça nova, sai calça velha;
- Resista à tentação de comprar equipamentos e materiais toda vez que resolver se dedicar a um novo hobby;
- Prefira pequenos produtores locais em vez de grandes redes;
- Olhe para o que tem em casa e faça uma espécie de inventário. Depois, descarte os artigos repetidos;
- Para desapegar, comece pelo que for mais fácil, por exemplo, a bolsa e o carro. Quando estiver mais confiante, parta para os cômodos mais difíceis, como quartos e banheiros;
- Deixe os “itens sentimentais”, como lembrancinhas, cartas, agendas e fotos, por último.
- Faça uma “faxina” nos seus e-mails e nas redes sociais. “Não dá pra ser minimalista participando de 30 grupos de WhatsApp”, opina Mirella Rabelo.
“DESTRALHANDO”
O primeiro passo para passar de consumista a minimalista é “destralhar”, ou seja, jogar fora tudo o que não faz mais sentido, não é utilizado ou está em excesso. No best seller A mágica da arrumação, a japonesa Mari Kondo afirma que, em vez de decidirmos o que jogar fora, precisamos escolher o que queremos manter. E o seu método, chamado de KonMarie, incentiva a guardar apenas o que proporciona alegria. Assim, ela propõe que as pessoas segurem cada objeto e se perguntem: “isso me faz feliz?”. Se sim, guarde, mesmo que seja o seu uniforme da 5o série. Se a resposta for não, doe, venda ou jogue no lixo.
Veja abaixo algumas dicas tiradas do livro de Mari Kondo e do livro de Francine Jay.
- Cosméticos e maquiagens têm prazo de validade. Portanto, não compensa estocá-los. Compre um novo item quando o produto acabar;
- Tenha somente roupas, sapatos e acessórios que usa, que servem e que combinam com o seu estilo. Ou seja, não tenha dó de desapegar das que você ama, mas não cabem mais em você, ou dos presentes que ganhou e nunca usou;
- Também não guarde roupas que você comprou para impressionar os outros ou a pessoa que você gostaria de ser. Por exemplo, roupas de balada se você não é baladeira (o).
- Livre-se de fios e cabos que não sabe a que aparelho pertence;
- Descarte corretamente eletroeletrônicos que não funcionam;
- Jogue fora todos os manuais de instrução, pois eles podem ser encontrados facilmente na internet;
- Digitalize contas, recibos e exames;
- Você não precisa guardar um livro para provar que o leu. Se você não pretende lê-lo novamente ou consultá-lo, doe-o. Uma boa ideia é estabelecer um limite, por exemplo, “todos os meus livros precisam caber nesta prateleira” ou “vou manter em casa 100 livros”.
- Nossas memórias e nossos sonhos não estão guardados em objetos, mas dentro de nós. Não somos o que temos, e sim o que fazemos, pensamos e amamos”, filosofa Jay em seu livro. Assim, não se sinta obrigado a comprar suvenires em viagens ou guardar lembrancinhas de festa.
SAIBA MAIS
Livros: O essencialismo, de Greg McKeown (editora Sextante); A estrada dá tudo o que você precisa, de Mirela Rabelo e Rômulo Wolff; e Clutterfree with kids, de Joshua Becker