“Açúcar invisível”
Pesquisa do Idec reforça a necessidade de mudanças no rótulo para quantificar o açúcar adicionado a alimentos processados e ultraprocessados; redução desse ingrediente também está entre as propostas do Instituto
O Brasil é o quarto maior consumidor de açúcar no mundo. Apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que esse nutriente corresponda a, no máximo, 10% das calorias diárias, o brasileiro atinge a marca de 16,3%. O excesso está associado a diversas doenças, como cáries, obesidade, problemas do coração e diabetes.
Conforme identificou a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008-2009), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a principal fonte de açúcar dos brasileiros é o refinado, mas o livre - adicionado às comidas e bebidas pela indústria, cozinheiro ou consumidor, bem como o existente em mel, xaropes e sucos de frutas - é ingerido por mais de 50% da população de todas as faixas etárias, chegando a 80% entre adolescentes. Segundo Laís Amaral, nutricionista e pesquisadora do Idec, o consumo do açúcar refinado vem diminuindo a cada ano, enquanto o do açúcar presente em produtos ultraprocessados cresce. “De modo geral, os ultraprocessados apresentam quantidade excessiva de açúcares livres, o que, muitas vezes, vem associado à ausência de nutrientes benéficos para a saúde, como vitaminas e minerais”, afirma Amaral. Diante desse cenário, o Idec monitorou a redução da quantidade de açúcar (e também de sódio) em alimentos processados e ultraprocessados. Dentre as conclusões, constatou que um dos principais desafios para a rotulagem do açúcar livre é a sua indistinguibilidade química do açúcar natural. O ideal, portanto, seria o acesso à quantidade de ingredientes originais para que fosse possível quantificar o açúcar de adição, que é o foco da redução. Os resultados também evidenciaram a baixa frequência com que o valor de açúcar total (soma dos livres com os intrínsecos – aqueles naturalmente presentes em alimentos como leite, frutas e legumes) aparece no rótulo dos alimentos.
ANÁLISE LABORATORIAL
Conforme mostra o gráfico abaixo, o teor de açúcar total – analisado em laboratório – variou de 1,8 a 9,9g/100ml na categoria “bebidas”, sendo que os néctares apresentaram a maior média. Em segundo lugar, aparecem as bebidas adoçadas (refrescos). Foram avaliados 13 produtos dessa subcategoria, nos sabores laranja, maracujá e uva, sendo que este último apresentou a maior média de açúcar (9,1g/100ml). Em terceiro estão os refrigerantes, com 6,8g/100ml, destacando-se os de cola e uva.
Além de bebidas, foram avaliados em laboratório 115 biscoitos divididos em subcategorias, conforme mostra o gráfico da página 24. A análise indicou que os biscoitos de maisena (“Maria”) apresentam menos açúcar (19,8g do nutriente por 100g do produto) e as bolachas wafer, a maior quantidade (32,2g/100g). No grupo “wafer”, as mais doces são as com cobertura de chocolate (35,6g de açúcar), seguidas das de limão (34g), chocolate (31,9g) e morango (30g). Os biscoitos recheados também costumam conter quantidade elevada de açúcar, com média de 28,7g por porção de 100g. Os de goiaba foram os mais mal avaliados, seguido dos de chocolate, morango e das “tortinhas”, com 38,1g, 28,8g, 27,3g e 22,5g por porção de 100g, respectivamente.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
“A fim de avaliar a quantidade de açúcar em bebidas e biscoitos doces selecionados de acordo com a participação na ingestão de açúcares livres –, fotografamos o rótulo de produtos em supermercados e calculamos a porção de açúcar livre com base na de açúcar total declarada na embalagem. Também enviamos os produtos a um laboratório para sabermos quanto tinham de açúcar total”.
Laís Amaral, nutricionista e pesquisadora do Idec
ROTULAGEM PROBLEMÁTICA
Um dos pontos centrais do estudo do Idec é a forma com que o açúcar aparece no rótulo dos alimentos. Atualmente, as indústrias não são obrigadas a informar a quantidade de açúcar presente no produto. A única obrigatoriedade é a lista de ingredientes, entretanto, o açúcar pode receber diversos nomes, que não são facilmente reconhecidos pelos cidadãos, como glicose, xarope de milho, maltodextrina, néctar, frutose, sacarose, entre outros. “Atualmente, a indústria de alimentos vem utilizando outras fontes de açúcares, vistos pelos consumidores como mais saudáveis, mas que também são classificados como açúcares livres e são tão prejudiciais quanto os açúcares utilizados anteriormente. Por isso, é importante estar atento à lista de ingredientes e aos diversos nomes que o açúcar pode receber”, destaca Amaral, responsável pela pesquisa.
O Idec identificou que menos de 30% das bebidas analisadas apresentavam a informação sobre a quantidade de açúcar total no rótulo. As feitas com soja foram as que exibiram esse dado em maior proporção (62,7%), enquanto néctares, a menor (6,1%). A informação sobre açúcar livre não apareceu em nenhum dos itens investigados.
De acordo com a nutricionista do Idec, uma mudança importante na lista de ingredientes seria a designação única de açúcar, com a inclusão de seus diversos tipos entre parênteses, por exemplo: açúcar (glicose, sacarose e mel). “Para que o consumidor tenha acesso à informação adequada sobre o açúcar presente nos alimentos, é essencial que ele conste da tabela nutricional separadamente do carboidrato”, ela sugere. Amaral defende também que uma informação simples e de rápida visualização seria importante para alertar o consumidor, como a inclusão de advertências na parte frontal da embalagem, indicando nutrientes em excesso, entre eles o açúcar.
A inclusão desse tipo de advertência está sendo estudada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que avalia mudanças nas regras de rotulagem de alimentos. Um relatório prévio recomenda um aviso de alerta quando a quantidade de açúcares adicionados (10g para sólidos e 5g para líquidos), gordura saturada e sódio é alta, bem como a declaração obrigatória dos açúcares livres e totais na tabela nutricional. Diante do modelo atual, que ainda não conta com os alertas, Amaral reforça a necessidade de ficar atento à lista de ingredientes, sabendo que os primeiros são os componentes em maior quantidade. “É importante evitar produtos que tenham açúcar, sódio e gorduras nas primeiras posições da lista”, orienta.
Procurada pela equipe de reportagem do Idec, a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) afirmou que é totalmente favorável à mudança da rotulagem nutricional de alimentos e que contribui para que esse processo resulte em um modelo que seja o melhor para o consumidor. Contudo, alegou que a declaração de açúcares livres e totais é tecnicamente complexa e deve ser analisada cautelosamente, pois não há uma maneira simples para a distinção das duas formas.
INICIATIVAS PARA REDUÇÃO DO AÇÚCAR
Em 2007, o Ministério da Saúde e associações representativas do setor produtivo, como a Abia, assinaram um termo de compromisso visando à redução das quantidades de açúcar, gorduras e sódio nos alimentos processados. Primeiramente, a partir de 2008, foi trabalhada a redução das gorduras trans e, em 2010, a do sódio, com esforços para a diminuição de seu consumo a menos de 2.000mg/pessoa/dia até 2020. O açúcar é o próximo alvo do acordo voluntário.
“A iniciativa para redução de açúcares em alimentos industrializados tem por princípio a retirada do excesso de açúcar, sem substituição por edulcorantes, haja vista a existência de produtos diet e light, e a importância de não aumentar a exposição da população a esse tipo de aditivo alimentar”, informou o Ministério da Saúde (MS) por meio de sua assessoria de imprensa. O órgão vem promovendo oficinas, divididas por categorias de alimentos, para discutir as possibilidades de reduzir a quantidade de açúcar. A partir dessas discussões e tendo como ponto de partida a quantidade atual de açúcar total nos produtos das marcas associadas à Abia, será elaborado um documento oficial com metas para a redução gradual desse nutriente.
Nos moldes do termo para redução de sódio, o acordo é voluntário. A pesquisadora do Idec destaca que esse fato faz com que sua efetividade seja questionável, uma vez que não há obrigatoriedade de adesão, monitoramento do cumprimento e punição para as empresas que não respeitarem. O MS destacou que, ao identificar as empresas que não alcançaram as metas, enviará notificação e solicitará justificativa e um plano de ajuste. Ficaremos de olho!
E O SÓDIO?
O Idec também avaliou a quantidade de sódio em 12.800 produtos alimentícios das 35 categorias inseridas nos acordos para redução desse nutriente firmados entre o Ministério da Saúde e as indústrias alimentícias a partir de 2007. A análise foi feita por meio das informações presentes na tabela nutricional, classificadas de acordo com as metas estabelecidas pelos acordos.
Segundo a Abia, os termos de compromisso para redução voluntária de sódio resultaram na retirada de 17.254 mil toneladas do nutriente, com expectativa de chegar a 28,5 mil toneladas até 2020. Contudo, para o Idec, apesar de o plano de redução de sódio existir há mais de dez anos, ainda há problemas em relação ao estabelecimento das metas e à classificação dos alimentos envolvidos, já que embora as metas estejam sendo cumpridas por boa parte dos fabricantes, elas não são satisfatórias, pois muitos produtos continuam contendo alto teor de sódio. “São necessários e urgentes a revisão e o estabelecimento de metas mais rigorosas e de uma normativa que obrigue a indústria a cumprir uma quantidade mínima de sódio nos alimentos”, opina Laís Amaral.
SAIBA MAIS
Confira algumas reportagens sobre redução de sódio publicadas na Revista do Idec:
- Metas não atingidas (edição no 190)
- Quanto tem de sal? (edição no 18)
- Cuidado: sal demais (edição no 173)