Ainda longe do ideal
Pesquisa do Idec revela que 10 das capitais mais populosas do País poderiam investir muito mais na infraestrutura para ônibus
Embora a Política de Mobilidade Urbana determine, desde 2012, que o transporte coletivo seja prioridade nos municípios, as prefeituras ainda investem muito pouco nesse tipo de transporte, dando preferência a obras voltadas ao deslocamento de automóveis individuais. Assim, o Idec resolveu investigar a quantidade de faixas e corredores exclusivos para ônibus nas 12 cidades mais populosas do País (veja quais são elas no quadro “Como foi feita a pesquisa”) e compará-la às características socioeconômicas de cada cidade, pois dessa maneira é possível cobrar das autoridades melhor uso do dinheiro público para melhoria da qualidade de vida e da mobilidade dos brasileiros.
Para garantir melhor desempenho do sistema de ônibus no Brasil, os corredores são soluções mais eficientes do que as faixas exclusivas, porém, eles são muito mais caros. Enquanto um corredor do tipo BRT, como o Sistema MOVE de Belo Horizonte, custa cerca de R$ 43 milhões por km, as faixas exclusivas custam cerca de R$ 50 mil por km, segundo dados da Prefeitura de São Paulo para o período de 2013 a 2016.
Para o Idec a priorização do transporte coletivo é urgente, para aumentar a velocidade das viagens, melhorando a experiência de quem anda de ônibus e atraindo novos usuários. No entanto, Rafael Calabria, pesquisador em Mobilidade Urbana do Idec e responsável por esta pesquisa, explica que a escolha entre uma infraestrutura completa – como os corredores –, que garantem viagens mais rápidas e com maior capacidade para transporte de passageiros, e uma infraestrutura simples e econômica – como as faixas –, que influenciam positivamente o transporte coletivo, depende de uma análise detalhada do município. “O ideal é que os corredores fiquem nas vias mais importantes das cidades, e as faixas exclusivas, em avenidas secundárias e ruas principais. Mas, como medida de urgência, defendemos a implantação de faixas exclusivas antes da construção de corredores”, ele declara. Ana Odila de Paiva Souza, ex-diretora da SPTrans, concorda: “Como técnica, eu acho importante reservar uma faixa exclusiva para os coletivos imediatamente”.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
“Nosso objetivo era descobrir a quantidade, em quilômetros, de faixas e corredores de ônibus das 12 capitais mais populosas do País - Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP), a fim de avaliar a prioridade dada ao sistema de transporte coletivo sobre pneus. Para obter esses dados, utilizamos a Lei de Acesso à Informação. Com a maior parte deles em mãos, os comparamos com dados socioeconômicos para entender quanto os municípios investem em mobilidade. Os pedidos foram feitos entre 6 e 14 de março de 2018. Os dados solicitados foram: quilometragem de corredores para ônibus à esquerda e de faixas exclusivas à direita; quilometragem de vias públicas e como funcionam corredores e faixas em relação a proibição de táxis”.
Rafael Calabria e Luiz Marcelo T. Alves, pesquisadores em mobilidade do Idec
MAIS CORREDORES DO QUE FAIXAS
A pesquisa constatou que São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Brasília são as cidades que têm mais corredores de ônibus (veja dados das 10 capitais na página 26). Embora São Paulo seja a primeira do ranking de corredores, com 145,60 Km, o número de faixas à direita é mais expressivo, 500,40 km. Fortaleza também se destaca pelo investimento em faixas, 91,40 km. “Apesar de não atingir a capacidade dos corredores de ônibus, as faixas garantem melhorias expressivas ao transporte coletivo, provendo maior fluidez e evitando o congestionamento causado por veículos particulares”, destaca Calabria.
Com exceção de Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e São Paulo, todas as outras capitais têm bem mais corredores do que faixas para ônibus, que são mais baratas e simples de serem implantadas, evidenciando que a maioria das capitais ainda não adotou a opção mais econômica. Para Eduardo Vasconcellos, doutor em políticas públicas e especialista em mobilidade urbana do Instituto Movimento, além do custo das faixas ser menor, o baixo impacto no trânsito é outro aspecto positivo. Entretanto, enquanto nas faixas a velocidade dos ônibus aumenta de 10 a 15%; nos corredores, o aumento pode ser superior a 50%. “Além disso, hoje, há financiamento para corredores, o que atrai as autoridades locais”, ele justifica.
Vasconcellos fez um estudo parecido em 2008. Comparando o dele com o do Idec, ele constatou que a quantidade de corredores aumentou de lá para cá, em função do financiamento pelo Governo Federal e, em alguns casos, pela Copa do Mundo e pelos Jogos Olímpicos. “É importante que essa tendência se confirme na próxima década e que os maiores municípios do Brasil aumentem sua infraestrutura para o transporte coletivo. A única saída para o trânsito caótico é a otimização do espaço público para o fluxo das viagens diárias”, declara Calabria.
RESULTADOS COMPARATIVOS
Uma das comparações feitas na pesquisa foi entre a quantidade de corredores e faixas e a população estimada pelo IBGE para 2017. O destaque foi para Porto Alegre, que possui mais de 8,5 km de corredores e faixas para cada 100 mil habitantes, 60% a mais que a segunda colocada, São Paulo, com 5,3 km (veja o ranking completo no gráfico abaixo). Salvador foi a pior cidade, com apenas 0,20 km de corredores e faixas para 100 mil habitantes. “Entretanto, Salvador e Goiânia foram as únicas cidades que sinalizaram estar investindo em corredores, e, portanto, devem apresentar resultado melhor em breve”, aponta Luiz Marcelo T. Alves, pesquisador em mobilidade do Idec e também responsável por esta pesquisa.
O estudo também comparou a quilometragem de corredores e faixas com a soma de todas as vias públicas das capitais. Novamente, Porto Alegre destacou-se: seus corredores ocupam 3,88% das ruas. Curitiba também não está mal, com 1,90% de “canaletas” – nome local para os corredores. São Paulo pode ser um exemplo positivo se considerarmos corredores e faixas (mais de 3,20% das vias). E a pior cidade foi novamente a capital baiana, que tem apenas 0,16% das vias com algum tipo de infraestrutura para ônibus.
Por fim, a pesquisa comparou a quantidade de corredores à capacidade financeira dos municípios, considerando o Produto Interno Bruto (PIB). “Essa análise foi muito importante, pois ratificou a importância que Curitiba e Porto Alegre dão ao transporte coletivo, e demonstrou que as capitais mais ricas nem sempre são as que mais investem. “São Paulo tem a maior rede do Brasil, mas a sua extensão ainda é acanhada diante da sua capacidade financeira”, avalia Alves. “O investimento relativamente modesto em corredores em São Paulo deve-se às mudanças de políticas em cada administração, ao custo elevado, à falta de vias largas que possam acomodar o novo projeto e a conflitos políticos”, observa Vasconcellos. “A atual prefeitura não tem como meta prioritária melhorar o transporte coletivo. E mesmo os governos que têm esse objetivo encontram dificuldades como falta de financiamento e projetos de corredores inviáveis por necessitarem de desapropriação”, completa Souza.
Há duas exceções nessa análise, pois Recife e Goiânia tiveram seus corredores implantados pelo Estado, opção interessante, mas que inviabiliza a comparação nessas cidades. Além disso, em Pernambuco, os corredores cumprem conexões interestaduais, deixando a cidade ainda desatendida por essa infraestrutura.
FAIXAS X CORREDORES
Segundo o Ministério das Cidades, as faixas e os corredores são as estruturas mais comuns para a priorização do transporte coletivo sobre pneus.
- Faixas: ficam à direita da via, e nela é proibido o tráfego de automóveis individuais, ex- ceto quando precisarem fazer uma conversão à esquerda.
- Corredores: podem ser configurados de várias formas. O modelo ideal é o BRT, que deve ser fisicamente separado – não apenas por meio de sinalização – do fluxo de automóveis comuns, com espaço para ultrapassagem, tratamento de interseções e cruzamentos, embarque de passageiros em uma plataforma e cobrança da tarifa fora do ônibus. Porém, é comum encontrar corredores com apenas algumas dessas características.
TÁXI PODE?
Os pesquisadores também questionaram os municípios sobre a política de permissão para que outros veículos possam transitar em corredores e faixas. O Idec considera que ambulâncias podem ser autorizadas, porém os táxis teriam de ser proibidos. “O táxi ocupa uma área similar a dos veículos motorizados individuais e, por isso, não deveria ser tratado da mesma maneira que o transporte coletivo”, opina Calabria.
Neste sentido, Curitiba, Porto Alegre e Salvador destacaram-se ao negar o acesso de táxis às infraestruturas para transporte coletivo. Recife, Goiânia, Brasília e Rio de Janeiro garantem total prioridade aos ônibus nos corredores, porém, permitem que táxis circulem pelas faixas. O Rio ainda permite o tráfego desses veículos por 6,5 km de sua malha de BRT, no acesso ao aeroporto. Já Belo Horizonte e São Paulo não seguem essa diretriz da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que prioriza o transporte coletivo, e liberam táxis nos corredores e nas faixas de ônibus. “Com isso, o poder público prioriza o deslocamento de uma pequena parcela da população, em geral a mais rica, em detrimento do deslocamento da maioria dos cidadãos, impactando a qualidade do transporte coletivo e desestimulando o uso dos ônibus”, atesta Calabria.
LAI: UM CAPÍTULO À PARTE
Os constantes atrasos e a falta de respostas por parte das prefeituras evidenciaram as falhas da Lei de Acesso à Informação. Algumas cidades não cumpriram o prazo total de 30 dias estipulado pela Lei. Nesses casos, o recurso adotado foi entrar em contato telefônico com a ouvidoria das prefeituras para reiterar o pedido. Houve também respostas inadequadas de municípios que desconhecem a diferença entre corredores e faixas exclusivas, o que levou à abertura de recursos. Ao fim, Manaus e Belém não responderam a nenhuma das solicitações.
“A quantidade de vias, em quilômetros, foi o dado mais difícil de obter. Ainda aguardamos respostas de Fortaleza e Goiânia”, informa Luiz Marcelo T. Alves. Questionado sobre essa dificuldade, o Ministério das Cidades respondeu, por e-mail, que “os municípios deveriam ter esses dados. Entretanto, eles possuem estruturas organizacionais e capacidades institucionais diferentes para obtenção de dados de mobilidade urbana. Essa discrepância acaba dificultando a divulgação de dados nacionais”. Eduardo Vasconcellos reforça que as cidades deveriam ter esses dados pelo menos para estimar o custo de manutenção do sistema viário. “Hoje, há programas de computador que estimam a extensão das vias de uma cidade”, diz ele.