Para inglês ver
Relatórios de ouvidorias de bancos contêm informações vagas e superficiais e não cumprem papel de dar mais transparência à forma como a instituição trata as reclamações dos consumidores
Um texto que apresenta valores, missão da instituição, sua trajetória, número de unidades e de funcionários, volume de clientes etc. São informações que se espera encontrar em documentos institucionais de qualquer empresa ou organização. No entanto, é esse tipo de dado que consta também dos relatórios das ouvidorias dos sete principais bancos do País. Em contrapartida, esses documentos não trazem informações básicas sobre o atendimento ao consumidor, como constatou uma avaliação realizada pelo Idec.
Desde junho de 2016, as instituições financeiras são obrigadas a divulgar relatórios semestrais com o desempenho de suas ouvidorias – instâncias que têm como principal função receber e tratar demandas que não foram resolvidas por outros canais, como as agências bancárias ou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A exigência está prevista na Resolução no 4.433/2015 do Banco Central (BC), que atualizou as regras anteriores, de 2007, quando as ouvidorias foram regulamentadas.
No entanto, apesar de obrigar a publicação de relatórios, o BC não define parâmetros sobre a forma e o conteúdo desses documentos, de modo que cada banco apresenta as informações que bem entende. Na prática, a ausência de critérios faz com que muitos relatórios tenham poucas informações consistentes sobre o que se espera de uma ouvidoria – atender e resolver os problemas dos consumidores. Quatro dos sete bancos não informam o percentual de resolução das demandas registradas pela ouvidoria no período reportado, por exemplo.
“Os relatórios trazem informações vagas e superficiais sobre o desempenho da ouvidoria e dos demais canais de atendimento dos bancos e, assim, não cumprem o papel de dar mais transparência à forma como a instituição trata as reclamações dos consumidores”, analisa Ione Amorim, economista do Idec responsável pela pesquisa.
Dados controversos
Entre os bancos que informam o índice de resolução das demandas pela ouvidoria, os números são elevados. O mais baixo é de 76%, enquanto o melhor índice chega a 99,8% – ou seja, segundo esse banco, quase todas as reclamações que chegaram a esse canal de atendimento foram resolvidas. “Os dados soam muito positivos, porém, nenhum dos bancos detalha quais são os critérios para chegar a esses resultados”, destaca Amorim.
Além disso, o índice elevado de resolução não condiz com o número crescente de ações judiciais movidas por consumidores contra bancos no País: entre 2014 e 2016, houve um aumento de 10% no volume de processos, segundo um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em maio deste ano. Em 2016, as ações contra instituições financeiras representaram 39% do total de processos ingressados no campo de direito do consumidor. Apesar dessa relevância, nenhum banco informa em seu relatório qual o volume de ações em andamento na Justiça.
Em relação à resolução de reclamações feitas em canais externos, poucos bancos fornecem dados. O Banco do Brasil e a Caixa indicam o índice de solução de casos nos Procons, que ficam na casa dos 80%, segundo os relatórios.
Apenas o banco Votorantim mostra o número de queixas registradas contra ele no Banco Central, e apenas a Caixa informa o índice de resolução de reclamações realizadas na plataforma consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça.
Pouca informação
Resumo dos dados disponíveis nos relatórios sobre as demandas dos consumidores à própria ouvidoria e a canais externos de reclamação
Bastidores da pesquisa
“Avaliamos os relatórios das ouvidorias dos sete maiores bancos do País em número de clientes: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Safra, Santander e Votorantim. Foram analisados os documentos referentes aos dois semestres de 2016 – com exceção do banco Safra, que não havia divulgado o relatório do segundo semestre quando o levantamento foi realizado –, disponíveis no site oficial de cada instituição.Nosso objetivo era verificar o cumprimento das regras fixadas pelo Banco Central na Resolução no 4.433/2015, que determina a divulgação dos relatórios. Também avaliamos a qualidade do conteúdo disponível, como indicadores de desempenho da ouvidoria (índice de resolutividade, volume de demanda, prazo médio de resposta/solução, nota de satisfação pelo atendimento etc.), dados sobre a natureza das reclamações e a existência de ações adotadas pelos bancos para reduzi-las. A pesquisa foi realizada entre novembro de 2016 e maio de 2017 e faz parte do projeto Guia dos Bancos Responsáveis (GBR), que tem apoio da Oxfam International.”Ione Amorim, economista do Idec e pesquisadora de serviços financeiros
Regras da ouvidoria
As ouvidorias das instituições financeiras foram regulamentadas pelo Banco Central pela primeira vez em 2007, com a principal função de receber e tratar as reclamações dos consumidores que não tivessem sido solucionadas nas agências ou em outros canais de atendimento. Algumas regras foram atualizadas em 2015 e entraram em vigor em junho de 2016. As principais medidas em vigor são:- para registrar uma queixa, o consumidor precisa ter passado pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e apresentar o número de protocolo.
- O prazo de resposta é de 10 dias úteis.
- As ligações devem ser obrigatoriamente gravadas.
- O telefone de contato da ouvidoria deve estar disponível na página inicial do site do banco.
- O banco deve divulgar relatórios se- mestrais com informações sobre as de- mandas recebidas pela ouvidoria.
O que os bancos dizem
- Banco do Brasil: informa que vai publicar nas próximas edições do relatório, informações detalhadas por tipo de reclamação e as ações implementadas para reduzir as demandas, além de indicadores externos de reclamação e resolutividade. Também diz que vai avaliar a possibilidade de divulgar dados sobre ações judicializadas e volume de demandas internas.
- Bradesco: destaca que criou sua ouvidoria em 2005, dois anos antes da exigência, e afirma que seu papel transcende a resolução individual de conflitos, pois atua como agente preventivo. O banco também alega que o número de ações judicializadas é peque- no diante do volume de atendimentos realizados, por isso não fazem parte do relatório.
- Caixa Econômica Federal: afirma compartilhar com o Idec a visão sobre a importância do tratamento das demandas bancárias e aumento da resolutividade, e que vai considerar fornecer informações mais robustas em seu relatório. Também diz que vai estudar a possibilidade de divulgar dados sobre judicialização, pois eles extrapolam as atividades da ouvidoria.
- ltaú: diz ter reduzido em 23% o volume de queixas no 1o semestre de 2017 e, quanto à esfera judicial, apesar da inexistência de um dado oficial, diz identificar queda de cerca de 40% nos últimos cinco anos. Também afirma priorizar estratégias para redução de conflitos e apoiar iniciativas de desjudicialização.
- Safra: destaca que seu relatório observa estritamente os ditames previstos na Resolução no 4.433/2015 e que as informações apontadas pelo Idec não constam dessa norma, mas que poderá aperfeiçoar o documento nos próximos semestres.
- Santander: comunica que dispõe de um modelo de governança eficiente, com uma ouvidoria autônoma, propiciando agilidade na solução das demandas. Diz também que as informações sobre as ações judicializadas não são informadas no relatório porque não estão contempladas na resolução, mas, internamente, há uma forte atuação das áreas responsáveis para reduzir esses eventos.
- Votorantim: alega que, embora não seja obrigado, vai avaliar a viabilidade de disponibilizar no relatório as informações sugeridas pelo Idec, inclusive sobre as demandas judicializadas.