Desacelera, Brasil
Entenda por que as cidades brasileiras deveriam reduzir o limite de velocidade de suas vias para aumentar a segurança no trânsito, melhorar a mobilidade e até reduzir a poluição
O ano de 2017 começa com novas gestões de prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros e, com elas, a possibilidade de mudanças nas políticas de mobilidade urbana – um dos principais temas em debate nas últimas eleições, sobretudo nas grandes cidades. No entanto, na principal capital do País, São Paulo (SP), a perspectiva é de retrocesso em alguns pontos: o novo prefeito, João DoriaJúnior, anunciou, antes mesmo de tomar posse, que manteria sua promessa de campanha de aumentar o limite de velocidade das marginais Pinheiros e Tietê.
Embora tenha aprovação de parte dos paulistanos, a iniciativa vai contra as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), lei federal aprovada em 2012, e contraria também as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversos estudos internacionais sobre o tema. Mais do que isso, a decisão ignora os expressivos resultados positivos da redução de velocidade nessas vias: entre 2014 e 2015, o número de atropelamentos nas marginais caiu 46% e o de colisões, 33%. Entre julho e dezembro de 2015, a quantidade de vítimas fatais diminuiu cerca de 41% em comparação com a média dos 10 anos anteriores: foram 189 mortes ante a 323, em média, da última década.
Por esses motivos, o Idec e diversas outras organizações da sociedade civil, especialistas em mobilidade e segurança no trânsito são contra o aumento do limite de velocidade na capital paulista e defendem a implantação de políticas de redução em todo o Brasil. A atuação do Instituto nesse tema está calcada nos princípios de segurança para os usuários definidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) e pela PNMU. "Segundo essas legislações, a segurança no trânsito é direito de todos os usuários – motoristas, ciclistas e pedestres – e dever dos órgãos públicos", ressalta Rafael Calabria, pesquisador do programa de mobilidade urbana do Idec.
Ainda em 2016, o Instituto e a organização Nossa São Paulo enviaram uma carta ao novo prefeito posicionando-se contra o aumento do limite de velocidade nas marginais. O Idec também vem articulando junto a outros membros do Conselho Municipal de Transportes para tentar dissuadir a equipe de Doria de implantar a mudança, prevista para 25 de janeiro. "Caso as tentativas de diálogo não surtam efeito, não descartamos entrar na Justiça para exigir que a legislação federal, o Plano de Mobilidade Municipal e toda a literatura sobre o tema sejam respeitados", informa Calabria.
MARGINAIS: VIAS EXPRESSAS OU URBANAS?
Um dos principais argumentos de quem é contra a manutenção de velocidades mais baixas nas marginais, em São Paulo (SP), é que estas seriam vias expressas. No entanto, especialistas apontam que elas não atendem às características desse tipo de vias devido à proximidade e à angulação dos acessos, por exemplo. Nas pistas locais, especificamente, as marginais são similares a uma avenida comum, com diversos pontos comerciais, moradias etc. "Elas têm mais de 200 vias transversais e pontos de ônibus, com circulação frequente de pedestres e ciclistas", destaca Rafael Calabria.
Fora isso, atualmente, há muitas críticas ao modelo de vias expressas. "São barreiras urbanas que geram poluição e ruído, degradam os espaços ao redor e são perigosas", critica Ana Nasser, do ITDP Brasil. "Várias cidades ao redor do mundo desenvolveram soluções para reverter as 'rodovias urbanas', seja demolindo viadutos ou desativando-as. Quando isso não é possível, o caminho é humanizá-las. A redução das velocidades faz parte disso", ressalta a especialista.
MAIS SEGURANÇA
Para os especialistas, a redução das velocidades é uma das principais medidas para aumentar a segurança viária nas cidades brasileiras. "Há uma correlação direta entre altas velocidades e a gravidade das colisões e atropelamentos no trânsito", ressalta Ana Nassar, diretora de programas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil).
De acordo com a OMS, a probabilidade de haver uma vítima fatal com um impacto a 50 km/h é de 85%; quando o impacto ocorre a 30 km/h, a probabilidade de morte cai para 10%. Segundo Nassar, no Brasil, as cidades de Palmas (TO), Porto Velho (RO) e Fortaleza (CE) estão entre as que lideram em mortes no trânsito. "Nessas capitais, os limites de velocidade estão acima de 60 km/h", cita.
O pesquisador do Idec acrescenta que a redução da velocidade não é a única medida de segurança no trânsito, mas é a mais ampla e fundamental. "Ela facilita a adoção de outras estratégias de moderação do tráfego, como reformulação de faixas, sinalização e redistribuição do espaço viário", explica Calabria. "Ou seja, outras políticas de segurança no trânsito não prescindem da redução de velocidade, mas se baseiam nelas", ele diz.
O MITO DO TRÂNSITO
população à redução da velocidade nas avenidas vem caindo. Segundo pesquisa da organização Nossa São Paulo divulgada em setembro de 2016, metade dos paulistanos entrevistados disse ser a favor da iniciativa, e 47% contra. Em 2015, 53% eram contrários e 43%, favoráveis.
Para Calabria, as críticas dos cidadãos partem da ideia de que velocidades mais baixas pioram o trânsito e aumentam o tempo de viagem. No entanto, essa percepção é falsa. "Quanto maior a velocidade, menor a capacidade da via, pois os veículos circulam mais distantes uns dos outros. Além disso, em vias rápidas, os congestionamentos são mais comuns pelo aumento de ocorrências, como acidentes", ele esclarece. "Com velocidades mais baixas, os arros tendem a andar mais próximos, em segurança", completa.
Segundo Nassar, 40 km/h é a velocidade mais recomendada para a fluidez no trânsito nas áreas urbanas. O pesquisador do Idec lembra que, no caso de São Paulo, o efeito positivo das velocidades mais baixas ficou provado: nos últimos dois anos, houve diminuição de 8,7% da lentidão nas vias.
MENOS POLUIÇÃO
Além de trazer mais segurança e melhorar a fluidez no trânsito, velocidades mais baixas contribuem ainda para a redução da poluição. "Elas permitem que a circulação de automóveis nas cidades seja mais uniforme. Ao reduzir significativamente o uso do acelerador e do freio constantemente, há menor consumo de combustível e, consequentemente, menor emissão de poluentes", explica a especialista do ITDP Brasil. De acordo com ela, as iniciativas recentes de importantes capitais europeias – como Paris, Londres e Madri – para redução de velocidades em vias urbanas, aliadas a políticas de desincentivo do uso do automóvel, têm também como foco melhorar a qualidade do ar.
No Brasil, estudos realizados pela Universidade de São Paulo (USP) em 2015 apontam que cerca de 60% da poluição atmosférica das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro é composta de material particulado emitido por veículos. "Dessa forma, é fundamental caminharmos na direção de políticas de promoção de meios de transporte mais sustentáveis, com destaque para o transporte público e para os transportes ativos [como a bicicleta]", conclui Nassar.