Tá proibido ou tá liberado?
PREVISÃO X APLICAÇÃO
Exceção da pesquisa, a Tim afirma que não "prevê mudanças nas ofertas atuais" em seu serviço de banda larga fixa, independentemente da decisão final da Anatel. Já as demais empresas defenderam-se como puderam – com exceção da Oi, que não quis comentar o assunto. A Vivo disse que "cumpre todas as determinações legais e regulatórias". A Net pontuou que seus planos de internet sempre previram franquia, PESQUISA INTERNET FIXA mas que não está praticando a redução da velocidade e a venda de franquia adicional para atender integralmente à decisão da Anatel.
A agência reguladora parece estar ao lado das empresas do setor e não vê problema na manutenção das franquias durante a suspensão. A Anatel disse que independentemente de os contratos ou planos preverem as franquias, as prestadoras estão proibidas de reduzir a velocidade, suspender o serviço ou cobrar pelo tráfego excedente. Ou seja, pode prever a limitação, mas não pode colocar em prática – por enquanto.
Para o advogado do Idec, ao manter a oferta de planos com franquia, as operadoras estão preparando o terreno e contando que a Anatel vai liberá-la. "As empresas querem ter uma bala na agulha para poder aplicar a franquia dedados no futuro a consumidores que contrataram o serviço enquanto a medida estava suspensa", avalia. "Defendemos que as franquias sejam retiradas dos contratos até a decisão final da agência reguladora".
CADÊ A CONSULTA?
Quando decidiu manter a suspenção das franquias por tempo indeterminado, o Conselho Diretor da Anatel prometeu que faria uma consulta pública e uma análise de impacto regulatório, ou seja, uma avaliação completa das consequências de uma regulação sobre o tema. A decisão acatou a recomendação do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações (CDUST), instância da agência do qual o Idec é parte. Foi o Instituto quem provocou o CDUST a fazer essa proposta. No entanto, meses se passaram e nada de a consulta vir a público.
Em resposta à reportagem, a Anatel não disse quando a consulta pública será lançada, mas deu a entender que vai demorar. A agência informou que está realizando uma série de reuniões com uma extensa lista de especialistas e organizações – entre as quais estaria o Idec – para contribuições prévias sobre o tema.
Os argumentos e estudos apresentados pelos especialistas serão encaminhados a um grupo interno da agência, que fará sugestões de aperfeiçoamento na legislação. Só depois disso tudo é que a população em geral poderá contribuir. "Parece que a estratégia da Anatel é esfriar a discussão e torcer para que as pessoas deixem o assunto para os especialistas", critica Zanatta.
Mas o Idec discorda dessa possível estratégia. Assim, em setembro, o Instituto irá remodelar sua campanha Internet Livre, lançada em abril, para pressionar a Anatel a abrir a consulta pública e garantir a participação social.
Apesar da suspensão pela Anatel, operadoras continuam ofertando planos de internet fixa com franquia de dados e prevendo a restrição no contrato. Para o Idec, é preciso reacender o debate sobre o tema
Oprimeiro semestre deste ano foi marcado pela polêmica das franquias de dados na internet fixa – um enredo com muitas reviravoltas, graças à mobilização e pressão da sociedade. Muita coisa aconteceu entre as primeiras notícias de que as grandes operadoras passariam a adotar planos de banda larga fixa com limite de dados até a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) suspender as franquias por tempo indeterminado e se comprometer a realizar consulta pública antes de dar sua palavra final.
O leitor provavelmente lembra-se desses episódios. Já as empresas envolvidas parecem alheias ao seu desfecho: apesar da proibição pela Anatel, em junho, as operadoras Net, Oi e Vivo continuam ofertando planos de internet fixa com franquias, conforme constatou o Idec ao analisar o site e o contrato das operadoras, em julho. Das quatro empresas avaliadas pelo Idec, apenas a Tim não estipula franquia no serviço de internet fixa (Live Tim) disponível em poucas cidades.
Rafael Zanatta, advogado e pesquisador do Idec, aponta que, além de descumprir a decisão da Anatel, as três operadoras cometem outras irregularidades. "Elas não dão informações claras nem sobre as franquias nem sobre outras características do serviço, violando um direito básico do consumidor", critica. No site da Vivo, por exemplo, a franquia não é mencionada na tabela que apresenta os planos; a informação só aparece quando o consumidor clica em "detalhes", mas sem destaque. Na página da Oi, as informações são ainda mais escassas: não há menção expressa à existência de franquias, citadas apenas em notas de rodapé. "A Oi comete várias violações ao direito à informação. Não há detalhamento das ofertas e o consumidor é induzido a comprar combos de internet, TV a cabo e telefonia fixa", afirma o advogado.
Os contratos também estão bem longe do ideal. Nenhum deles destaca os trechos que tratam da franquia, como exige o Código de Defesa do Consumidor (CDC) para cláusulas sobre restrição de direitos. No caso da Vivo, há ainda um agravante: o contrato menciona a possibilidade de bloquear a internet do usuário após esgotamento da franquia de dados, o que viola o artigo 7, IV, do Marco Civil da Internet (Lei no 12.695/2014). "Esse dispositivo do Marco Civil diz, expressamente, que o consumidor tem direito à 'não suspensão da conexão à internet, salvo por débito decorrente de sua utilização'", explica Zanatta.
PRECISAMOS FALAR SOBRE FRANQUIAS
Em mais um esforço para reacender o debate sobre a limitação de dados na internet fixa, o Idec realizou um seminário para debater as perspectivas técnicas, jurídicas e sociais em torno do tema. O evento ocorreu em 19 de agosto, na sede do Idec, em São Paulo (SP), e contou com a participação de convidados gabaritados sobre cada tema, além do público que se inscreveu. Os especialistas reiteraram que não há respaldo técnico para a adoção das franquias, pois há soluções disponíveis no mercado para o suposto problema de congestionamento de redes – principal argumento das empresas. Eles apontaram também que é muito difícil para o usuário final ter noção da quantidade de dados que gasta e até o provedor tem dificuldade para medir o tráfego "útil". "Não há justificativa técnica para a franquia. As empresas aproveitam- -se do desconhecimento técnico das pessoas para tentar enfiar goela abaixo esse modelo", resumiu Nathalia Sautchuk, engenheira da computação e doutoranda pela Universidade de São Paulo (USP). Na mesa sobre a perspectiva jurídica, destacou-se que, diferentemente do que argumentaram alguns setores, o Marco Civil da Internet não permite a adoção de franquias. "Há muito mais elementos que contribuem para o entendimento contrário, como o de que a internet é um serviço essencial. Além disso, a lei proíbe claramente o bloqueio do acesso a não ser em caso de inadimplência", ressaltou a advogada Veridiana Alimonti, da ONG Intervozes. A pesquisadora Beatriz Kira, do centro de pesquisas InternetLab, apontou que 25 Projetos de Lei (PLs) foram propostos no Congresso para proibir ou regular a franquia de dados. Boa parte deles prevê mudanças no Marco Civil, ponto para o qual Kira fez um alerta. "Há risco de emendas desvirtuarem o propósito inicial dos PLs e, mais grave, de alterações ruins no Marco Civil, lei que lutamos muito para aprovar", declara. Na avaliação de Rafael Zanatta, organizador do evento, o seminário trouxe contribuições muito relevantes para o debate. "Ficou claro que os investimentos em pontos de troca de tráfego e as CDNs [content delivery networks] solucionam o suposto problema de congestionamento das redes. Não há necessidade técnica de franquias na internet fixa, apenas desejo de mais lucros", destaca. "As empresas de telecom esqueceram- -se de que no Brasil existe uma Constituição que protege a ordem econômica e um Código de Defesa do Consumidor que proíbe mudanças contratuais sem justa causa. O direito está do lado dos 100 milhões de usuários de internet no Brasil e o Idec lutará incansavelmente para defendê-lo", conclui o advogado. Em breve, o vídeo completo do seminário estará disponível na internet e o conteúdo debatido também vai virar um livro digital (eBook). Aguarde!