Sem plano
Pesquisa inédita do Idec constata que idosos são maioria dos que saem dos planos de saúde, seja por iniciativa própria ou da operadora. Quando é a empresa quem cancela o serviço, o procedimento ocorre de forma ilegal
Desde 1990, o contabilista aposentado Joel Araújo, de Brasília (DF), era usuário de um plano de saúde coletivo da Golden Cross. Em dezembro do ano passado, porém, sua mensalidade sofreu um reajuste anual de 29,8%. Para piorar, houve ainda um aumento por causa de sua idade, inviabilizando a manutenção do convênio. Araújo tem 71 anos e, pela primeira vez, está sem convênio médico.
Uma pesquisa online realizada pelo Idec entre maio e junho constatou que a maioria dos cancelamentos de planos de saúde ocorre por iniciativa do consumidor. A pesquisa obteve 641 respostas de internautas de todo o Brasil, sendo 289 antigos usuários de planos coletivos e 347 usuários de planos individuais ou familiares.
Grande parte dos consumidores que deixam os planos tem pelo menos 49 anos de idade – 54,9% dos que saem de planos individuais e 58% dos coletivos, independentemente de quem pediu a rescisão do contrato (o usuário, a operadora ou o intermediário, como empregador ou associação de classe, no caso dos coletivos). Os cancelamentos concentram-se, sobretudo, entre consumidores com mais de 59 anos de idade – cerca de 35% dos casos. "Isso pode ser explicado pela queda de renda nessa faixa etária. Os consumidores mais velhos se veem obrigados a desistir do plano de saúde justamente no momento em que mais precisam de cuidados médicos por falta de capacidade de pagamento", avalia Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
Outra provável razão para a saída em massa dos idosos são os reajustes abusivos por mudança de faixa etária. Por lei, esse tipo de aumento só pode ser aplicado até o consumidor completar 59 anos. Porém, segundo a advogada Renata Vilhena Silva, especialista em Direito à Saúde, quando o usuário atinge 59 anos, as operadoras estipulam reajustes altíssimos, que chegam a 100%. "É uma forma de burlar o Estatuto do Idoso", afirma a advogada, em referência à Lei Federal no 10.741/2003, que proíbe os reajustes por faixa etária para consumidores acima de 60 anos.
Além disso, no caso de planos antigos – contratados antes de 1999, quando entrou em vigor a Lei de Planos de Saúde (Lei no 9.656/1998) –, como era o caso de Araújo, é comum não haver limite de idade para os aumentos, embora o Idec considera a prática ilegal. Em 2015, o escritório de advocacia do qual Silva é sócia entrou com 134 ações judiciais contra reajustes por faixa etária abusivos – 41% a mais do que no ano anterior.
Desde 2014, o número de consumidores de planos de saúde vem diminuindo, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em um ano, do primeiro trimestre de 2015 ao mesmo período deste ano, 1,3 milhão de usuários abandonaram a saúde suplementar, sendo que dois terços deles eram clientes de planos empresariais. Para Silva, a debandada dos planos também tem relação com o aumento do desemprego no país. "Muitos planos são ligados ao contrato de trabalho e, desempregadas, as pessoas não conseguem pagar o serviço", acredita a advogada. Segundo a ANS, só no primeiro trimestre deste ano, 2.206 consumidores reclamaram à agência sobre cancelamento de planos de saúde – 46% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Entre 5 de maio e 5 de junho, o Idec realizou uma pesquisa pela internet para conhecer a experiência de consumidores com o cancelamento de planos de saúde. Foram criados dois questionários online, um para planos individuais/familiares e outro para planos coletivos, respondidos voluntariamente por internautas de todo o país. Foram recebidas 641 respostas, das quais 347 sobre planos individuais/familiares e 289 sobre planos coletivos. A pesquisa foi realizada com o apoio do Fundo de Direitos Difusos (FDD).
CANCELAMENTO ILEGAL
Quando o cancelamento do plano acontece por decisão da operadora, na maioria das vezes ele ocorre de forma abusiva e ilegal. A pesquisa revela que 95% dos contratos de planos individuais foram suspensos de forma irregular pelas empresas. Nessa modalidade, o cancelamento só pode acontecer em caso de fraude ou se o consumidor estiver inadimplente; ainda assim, a operadora deve seguir regras estritas para comunicar adequadamente o consumidor sobre a interrupção do serviço (confira todas as regras no quadro ao lado).
Além de não seguir as exigências da ANS, em 26% dos casos as operadoras de planos individuais encerraram o contrato enquanto o consumidor estava internado ou em tratamento, o que é totalmente proibido. "Os cancelamentos por iniciativa das operadoras acontecem de forma duplamente ilegal em quase um terço dos casos. Isso é muito grave", reclama o gerente técnico do Idec. Nos planos coletivos, o cancelamento enquanto o consumidor estava internado ou em tratamento também ocorreu em 30% dos casos.
Fora essas situações, a ANS não impede que as operadoras de planos coletivos rescindam o contrato a qualquer momento e sem justificativa, deixando os usuários dessa modalidade extremamente vulneráveis. "Os planos coletivos representam cerca de 80% do mercado, mas seus consumidores estão à mercê de ficar sem assistência médica de uma hora para a outra", critica Oliveira.
A pesquisa mostra ainda que em 21% dos casos a justificativa apresentada pela operadora para suspender o contrato coletivo foi a de que ele não era mais vantajoso; em 18%, a empresa não se deu ao trabalho de apresentar uma explicação. "Há muitos cancelamentos por parte das operadoras quando a carteira [de clientes] está dando prejuízo, ou seja, quando tem muita utilização,muitos pacientes crônicos, com câncer etc. É comum, infelizmente, as operadoras pedirem o cancelamento para não ter mais de pagar essa despesa", afirma a advogada Silva.
Para o Idec, a alta incidência de cancelamentos ilegais evidencia a necessidade de mais fiscalização e sanção das operadoras pela ANS. Além disso, a agência reguladora precisa atuar de forma mais eficiente para impedir a quebra das operadoras. A falência da empresa foi apontada por cerca de 20% dos consumidores de planos coletivos e 12% dos de individuais como motivo para o cancelamento do plano. "Esse dado mostra que a quebra da empresa é também um fator significativo para a interrupção abrupta da prestação do serviço", destaca Elici Bueno, coordenadora executiva do Instituto.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a ANS informou que monitora continuamente todas as operadoras de planos de saúde e orienta os consumidores em caso de problemas com a prestação do serviço. A agência informa que em caso de infração relacionada à suspensão ou rescisão do contrato individual ou coletivo, a operadora pode ser multada em até R$ 80 mil.
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Pelas operadoras
Planos individuais/familiares
Segundo a Lei de Planos de Saúde, as operadoras só podem rescindir ou suspender o contrato caso haja fraude na documentação apresentada pelo consumidor ou falta de pagamento da mensalidade por um período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato. Além disso, a empresa de plano de saúde deve comprovadamente notificar o consumidor por escrito até o 50o dia de inadimplência, informando que o contrato poderá ser cancelado.
Planos coletivos/empresariais
A Lei de Planos de Saúde não faz distinção entre planos coletivos e individuais. Contudo, por meio do artigo 17 da Resolução no 195/2009, a ANS autoriza o cancelamento de contratos de planos de saúde coletivos após um ano de vigência, sem a necessidade de apresentar justificativa. A operadora só precisa enviar uma notificação ao intermediário com, no mínimo, 60 dias de antecedência.
Pelo consumidor
O Idec recomenda que o consumidor solicite o cancelamento do plano de saúde por escrito, enviando uma carta com aviso de recebimento ou protocolando-a pessoalmente. Esse cuidado é importante para que tenha uma prova do pedido de rescisão e para se precaver de cobranças indevidas.
2015: 1502
(1º trimestre)
2016: 2206
(1º trimestre)
Fonte: ANS