CDC em reforma
O Código de Defesa do Consumidor está sendo atualizado. Saiba quais são as principais propostas aprovadas no Senado em 2015, que ainda serão discutidas na Câmara este ano, e o que pode mudar para melhor e para pior
Depois de completar 25 anos de promulgação, em setembro do ano passado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) está sendo atualizado. Em outubro de 2015, o Senado aprovou dois projetos de lei (PLs) que alteram e incluem novas disposições na lei consumerista, que é uma das mais importantes conquistas para a cidadania brasileira.
Um dos PLs (PL nº 281/2012) trata especialmente de comércio eletrônico, ou seja, de compras e contratações realizadas pela internet. O texto propõe regras gerais que visam a aumentar a transparência e a segurança nas transações virtuais. O outro projeto (PL nº 283/2012) fala sobre superendividamento, sugerindo mecanismos para combater o endividamento excessivo do consumidor – situação em que o acúmulo de dívidas coloca em risco o mínimo necessário ao sustento.
As propostas que passaram no Senado não são definitivas. Elas começarão a ser discutidas na Câmara dos Deputados em 2016 e um longo caminho ainda deve ser percorrido até que os PLs estejam prontos para sanção (ou veto) da Presidência da República. Ainda assim, o texto aprovado merece ser avaliado com cuidado. "A sociedade e as organizações de defesa do consumidor precisam estar atentas, até para poder acompanhar as discussões na Câmara e garantir que os avanços sejam mantidos e que não haja retrocessos", ressalta Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
A advogada e professora de Direito do Consumidor da universidade FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) Maíra Feltrin Alves também acredita que é preciso ter cautela. "A reforma é positiva por tratar de assuntos relevantes para o consumidor, mas a inclusão de temas pontuais – que poderiam ser tratados em leis específicas – pode representar risco ao caráter da lei, que é amplo e aplicável a qualquer relação de consumo", avalia.
Além de comércio eletrônico e superendividamento, os PLs aprovados no senado tratam também, embora de forma mais genérica, de consumo sustentável, do fortalecimento dos Procons e de publicidade infantil.
• Consumo sustentável: os fornecedores passam a ter de considerar questões ambientais antes de colocar um produto ou serviço no mercado, disponibilizando itens menos poluentes, por exemplo.
• Publicidade infantil: considera abusiva a publicidade com apelo de consumo ao público infantil, que se aproveite de sua deficiência de julgamento ou utilize uma criança ou um adolescente como porta-voz da mensagem publicitária.
• Procons: fortalece o poder dos órgãos, dando a eles a capacidade de exigir a reparação ou troca de um produto com defeito, o estorno de uma cobrança indevida etc., sob pena de aplicação de multa. Processos administrativos dos Procons poderiam, ainda, servir de base para sentenças judiciais, encurtando o trâmite de ações contra fornecedores.
OUTRO PL: AÇÕES COLETIVAS Há, ainda, um terceiro projeto (PL nº 282/2012) de atualização do Código, que trata de ações judiciais coletivas para a defesa do consumidor, mas que não foi aprovado ainda no Senado (segundo os senadores, devido à complexidade do tema), e não há previsão de quando deve retornar à pauta.
PRINCIPAIS PROPOSTAS
Conheça os principais pontos dos projetos de lei de reforma do CDC, de acordo com o texto aprovado no Senado, e a avaliação do Idec sobre os aspectos positivos e negativos das propostas.
Pontos positivos
• Detalhes da compra
O fornecedor deve informar no site o preço final do produto ou serviço, com taxas, tributos e frete, bem como a validade das promoções anunciadas.
• Spam limitado
Restringe o envio de mensagem eletrônica (oferta ou propaganda) apenas ao consumidor que autorizar o recebimento ou tiver prévia relação com o fornecedor.
• Arrependimento estendido
Nas compras online ou à distância, o direito de arrependimento passa a ser de 14 dias caso o fornecedor não envie ao consumidor a confirmação imediata do recebimento da compra ou não ofereça meios que possibilitem o cancelamento de maneira fácil, como um formulário ou um link específico. Nas demais situações, o prazo de sete dias para arrependimento já assegurado pelo artigo 49 do CDC é mantido.
• Devolução em dobro
Se o fornecedor se recusar a ressarcir imediatamente o valor pago diante da desistência da compra no prazo de arrependimento, o consumidor terá direito à devolução em dobro. O mesmo vale para a empresa que não comunicar o cancelamento da transação à instituição financeira ou à administradora do cartão.
Pontos negativos
• Dados compartilhados
Apesar de trazer uma previsão genérica de proteção de dados pessoais, o PL não caracteriza como ilegal a troca ou o compartilhamento das informações do consumidor entre organizações do mesmo grupo ou conglomerado econômico, dispensando a autorização ou consentimento do cliente nesse caso.
• Cancelamento no transporte aéreo
O direito de arrependimento na contratação de passagens aéreas à distância passaria a depender de uma regulamentação específica da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), colocando em risco o prazo de sete dias assegurado pelo CDC hoje.
Pontos positivos
• Crédito com informação
Reforça que as instituições financeiras são obrigadas a fornecer informações claras e completas nos contratos de concessão de crédito, como a taxa efetiva de juros e total de encargos.
• Sem termos enganosos
Proíbe o uso de termos como "sem juros", "taxa zero" ou qualquer outro semelhante na publicidade e oferta de crédito. Da mesma forma, veda qualquer tipo de pressão sobre o consumidor para contratar crédito.
• Limite ao consignado
O limite de comprometimento da renda com crédito consignado (descontado diretamente da folha de pagamento) passaria a ser de 30% do valor do salário mensal líquido do consumidor, sob pena de renegociação ou revisão de contrato. Também prevê o direito de desistir do negócio em até sete dias, sem necessidade de justificativa, nessa modalidade de crédito.
ENTREVISTA
ANÁLISE CRÍTICA DA REFORMA
Em meio aos possíveis avanços e perdas com a atualização do Código, ainda há muita incerteza do saldo dessas propostas para o consumidor ao final do processo. Para explicar o que está em jogo, o gerente técnico do Idec, Carlos Thadeu de Oliveira, analisa o atual cenário e o que pode se esperar para o futuro do CDC.
Qual é a avaliação geral do Idec sobre o texto aprovado pelo Senado?
Carlos Thadeu de Oliveira: O texto reforça, pois traz para o seio da lei, algumas disposições que já foram sendo publicadas em decretos e resoluções, como em relação ao comércio eletrônico e à publicidade infantil. Mas não precisaríamos esperar a reforma do CDC ser concluída pra colocar em prática muitas dessas coisas. Já temos portarias, decretos e por que não conseguimos?
Quais são as principais críticas ou os pontos que merecem mais atenção, pois podem trazer retrocessos aos direitos do consumidor.
CTO: Há uma lacuna pouco explorada nessa reforma: a questão dos serviços públicos [água, energia elétrica, transporte público etc.]. O texto traz a previsão de uma câmara de conciliação no âmbito das advocacias públicas (federal, estaduais e municipais). Entretanto, o tratamento diferenciado dessas reclamações também introduz o risco de desequilíbrio, posto que o principal reclamado é o próprio Estado.
Além disso, entre as brechas que o texto aprovado no Senado deixou, algumas são inexplicáveis, como a supressão do direito de arrependimento de sete dias em passagens aéreas, deixando que um mero regulamento da agência fiscalizadora, a Anac, possa definir o assunto diferentemente da lei.
O que pode se esperar da tramitação do tema na Câmara em 2016?
CTO: Por ser um ano eleitoral, são grandes as chances de alguns deputados quererem palanque eleitoral com o tema. Mas, com os últimos acontecimentos políticos, é possível que a reforma sequer avance. Acredito que dificilmente teremos algo significativo ainda em 2016 sobre o Código – afinal, teremos também Olimpíadas e depois as eleições municipais. Mesmo assim, toda atenção é pouca, pois é na calada da noite que podem acontecer decisões inesperadas.