Carne: que tal comer menos?
A pecuária é responsável por quase 70% do desmatamento da Amazônia, além de outros impactos socioambientais. Ao mesmo tempo, os brasileiros comem bem mais carne do que o recomendado pelos órgãos de saúde
Se fosse citar um hábito do seu cotidiano que causa impactos ambientais negativos, o que você diria? Muitas pessoas pensariam no uso frequente do carro, na produção de lixo e no gasto de água. Dificilmente alguém se lembraria do consumo de carne. Mas o bife tem um peso e tanto nessa história. A pecuária é, hoje, o principal motor de desmatamento da Amazônia: quase 70% da área de floresta derrubada vira pasto, segundo um relatório lançado no fim do ano passado pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). Parte significativa é ocupada, ainda, pelo cultivo de insumos (principalmente soja) para a ração dos animais.
Com 212,3 milhões de cabeças de gado, o Brasil tem o segundo maior rebanho de bovinos do mundo, atrás apenas da Índia, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativos a 2014. Mas os impactos da pecuária são mundiais: aproximadamente 30% das áreas terrestres do globo (equivalente a todo o continente africano) são usadas como pastagem, e cerca de um terço também das terras aráveis destinadas ao cultivo de ração, segundo a SBV.
O relatório da organização aponta também que o setor agropecuário é responsável por cerca de 90% do consumo global de água – um terço do volume é destinado à irrigação e crescimento de cultivos para produzirração. Ao comer 100g de carne, consome-se indiretamente 3.800 litros de água, estima a associação.
Além disso, dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) atribuem à atividade 15% das emissões de gases de efeito estufa, aqueles que provocam as mudanças climáticas. Nessa conta, entram o desmatamento, a produção de alimentos para o gado e também a emissão de gás metano pela digestão dos animais.
ORIGEM DESCONHECIDA
Nem todo desmatamento causado pela pecuária é ilegal, mas ainda há pouco controle sobre a origem da carne que chega ao prato dos brasileiros. Em dezembro, o Greenpeace divulgou uma pesquisa que mostrou que as principais redes de supermercado do país (Pão de Açúcar, Carrefour, Walmart e outras) não dão garantias de que a carne que vendem não vem de frigoríficos que usam áreas de desmatamento ilegal, que ocupam terras indígenas ou que utilizam mão de obra em condições análogas à escravidão – impactos sociais também comuns no setor pecuarista.
A pesquisa se desdobrou em uma campanha, a fim de exigir mais transparência dos supermercados, que são os maiores compradores de carne no Brasil. Veja em: http://carneaomolhomadeira.org.br/
A investigação da ONG ambientalista replica pesquisas já realizadas pelo Idec, em 2008 e 2010, com supermercados e frigoríficos para avaliar o controle sobre a origem da carne. Pouco mudou desde então. "É lamentável que, anos depois, as grandes redes de supermercado não tenham avançado nessa questão. É possível que elas rastreiem a cadeia de produção, deixem de comprar de frigoríficos irregulares e, assim, vendam ao consumidor apenas carne de procedência legal. Falta vontade para colocar em prática", destaca Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
Em 2010, o Idec também apoiou, junto com a ONG Repórter Brasil, a campanha Carne Legal, lançada pelo Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) para alertar consumidores e pressionar frigoríficos e supermercados a se comprometer a fornecer carne apenas de origem legal. Na época, alguns grandes frigoríficos assumiram compromissos com o MPF de não fornecer carne ilegal. Mas outros não fizeram nada a respeito até hoje.
Sem o comprometimento efetivo das empresas, cerca de 40% da carne que chega aos supermercados e açougues Brasil afora pode ter um rastro de devastação da Amazônia e de violação de direitos humanos, estima o Greenpeace.
SAÚDE EM QUESTÃO
Seja no bife do almoço cotidiano ou no churrasco do fim de semana, comer carne faz parte da cultura alimentar do país. Mas esse hábito está calcado em excessos: os brasileiros consomem cerca de 90 gramas por dia (considerando carne bovina e suína), segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, do IBGE. Essa quantidade corresponde a mais do que o dobro do consumo máximo recomendado por órgãos de saúde, como o World Cancer Reserach Fund, de até 300g por semana.
"As carnes vermelhas em geral possuem alta concentração de calorias e de gorduras saturadas. O consumo em excesso contribui para o desenvolvimento de obesidade e de doenças cardiovasculares. Além disso, os diferentes tipos de preparo – principalmente o cozimento em altas temperaturas – e o processamento da carne [para produção de linguiça, salsicha, presunto etc.] geram substâncias associadas ao surgimento de câncer de cólon, pâncreas, próstata e estômago", alerta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
Em outubro passado, um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o consumo de carnes processadas como fator de risco certo para o desenvolvimento de câncer – o que significa que há evidências suficientes de ligação com a doença –, e a carne vermelha como um fator de risco provável. O relatório considerou estudos que estimam que o consumo de 50 g de carne processada por dia aumente o risco de câncer colorretal em 18%.
E não para por aí. Os agrotóxicos usados na ração e os antibióticos e outros medicamentos aplicados nos animais antes do abate podem se fixar na carne, representando também riscos à saúde dos consumidores. "Existem limites para essas substâncias na criação de animais, mas há poucas informações confiáveis sobre o controle desse uso", diz Bortoletto.
VEGETARIANO POR UM DIA, PELO MENOS
Se você se preocupa com todos esses impactos socioambientais e também com a sua saúde, mas acha muito difícil torna-se vegetariano ou vegano (quem não consome também "subprodutos" animais, como mel, ovos, leite e seus derivados), você não está sozinho nessa. A mudança de hábitos alimentares é sempre um desafio. A boa notícia é que diminuir o consumo de carnes já ajuda a minimizar os danos ao planeta, além de tornar a alimentação mais saudável.
Um estudo de 2012 da ONG WWF aponta que deixar de comer carne uma vez por semana reduz em 5% a chamada pegada ecológica – metodologia que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais.
Desde 2009, a SBV mantém a campanha Segunda Sem Carne, que propõe que as pessoas sejam "vegetarianas por um dia", às segundas-feiras, com o objetivo de promover reflexão sobre os impactos do consumo de produtos de origem animal. Com similares em outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, a campanha tem a segunda-feira como mote por ser o dia geralmente escolhido para mudanças. O site da campanha traz informações sobre a causa e receitas vegetarianas: www.segundasemcarne.com.br.
A nutricionista do Idec lembra que quanto mais restrições na alimentação, maiores devem ser os cuidados com o equilíbrio e a combinação dos alimentos. Em relação à carne, a preocupaçãodeve ser obter outras fontes de proteína. "Essas fontes podem ser de origem vegetal, como leguminosas [feijão e lentilha, por exemplo], ou outros produtos de origem animal, como leite e ovo", afirma Bortoletto. Segundo ela, se a mudança for grande (como torna-se vegetariano ou vegano), o ideal é procurar um nutricionista para receber orientação individualizada.
• Os brasileiros comem em média 90g de carne por dia ou 630g por semana
• O consumo é mais que o dobro do limite recomendado por órgãos de saúde, de 300g por semana
• O consumo de 50g de carne processada por dia pode aumentar o risco de câncer colorretal em 18%
Fontes: POF 2008-2009; World Cancer Reserach Fund; OMS