O futebol e a caixa de fumaça
Título: Futebol e relação de consumo
Autor: Antonio Rodrigues do Nascimento
Editora: Manole Páginas: 207
Onde encontrar: em livrarias (preço médio: R$ 26)
por ANDRÉ BOSELLI*
Ainda me lembro das aventuras futebolísticas que meu avô narrava. Nos idos dos anos 50, ele integrava um dos times de futebol amador da cidade de Mauá, no ABC Paulista. Falava com especial saudosismo do clássico entre seu clube e o "Caixa de Fumaça", apelido dado à equipe da vila ferroviária de Paranapiacaba. A alcunha se devia ao fato de Paranapiacaba se localizar na crista da Serra do Mar: após o almoço, uma forte neblina tomava conta da vila e, claro, do campo de futebol.
Como bem lembra o jurista Antonio Rodrigues do Nascimento, autor do livro Futebol & relação de consumo, é nesse clima de amadorismo que, décadas antes das disputas de meu avô, o futebol brasileiro nasceu. O clube de Paranapiacaba é inclusive citado como um dos exemplos de associações desportivas que surgiram durante o alvorecer do século XX. Era um movimento, aponta o autor, muito parecido com o que havia ocorrido na Inglaterra. Mas lá, posteriormente essas associações converteram-se em empresas – e, portanto, passaram a ter um regime jurídico diverso. O mesmo não ocorreu no Brasil – trazendo consequências nefastas ao esporte e ao torcedor.
Um leitor mais romântico provavelmente torceria o nariz para essa mercantilização do esporte. Mas o autor nos coloca diante da realidade: gostemos ou não, nossos times há tempos agem como empresas. O Direito brasileiro é que não reconheceu esse fato a contento. Assim, afastam-se das entidades e de seus dirigentes as hipóteses legais de responsabilização por atos típicos da gestão empresarial. Passados 120 anos da primeira partida oficial de futebol no Brasil, a caixa de fumaça agora é outra.
Chegamos à segunda parte da obra, na qual o autor trata da imbricação entre futebol e Direito do Consumidor. Engana-se quem pensa que encontrará um texto com linguagem excessivamente técnica. Não: a narrativa flui e tem potencial de agradar a todos que se interessam pelo esporte.
Podemos conhecer, assim, os principais dispositivos jurídicos que permearam a história do futebol nacional até chegarmos aos recentes Estatuto do Torcedor (2003) e Lei Pelé (1998), que enfim equipararam juridicamente o torcedor à figura de consumidor. Sem falar das evidentes relações entre Código de Defesa do Consumidor e entidades desportivas, bem exploradas pelo autor. No entanto, ele admite que infelizmente é baixa a efetividade dessas normas. Talvez porque o apaixonado torcedor ainda não se sinta propriamente um consumidor. Mas se ele conhecer e exigir seus direitos, a história pode mudar. A leitura da obra, pois, é indispensável.
*Jornalista, colaborador da Revista do Idec e aficionado por futebol e Direito