A regra é clara?
Pesquisa avalia os programas de sócio-torcedor dos maiores times do país e constata que falta clareza nas informações sobre descontos e prioridade na compra de ingresso. Além disso, na prática, nem sempre as vantagens compensam
O Campeonato Brasileiro 2015 começou no mês passado e, até o fim do ano, os times disputam o principal título do futebol nacional. Se as equipes são tecnicamente pouco entusiasmantes, a grande injeção de ânimo no torcedor, agora, pode ser outra: os vários estádios novinhos em folha espalhados pelo país, herança da Copa do Mundo de 2014. A depender do marketing dos grandes clubes, essa parece ser a aposta: pegando carona na excitação gerada pela estrutura de suas arenas, eles alardeiam as muitas vantagens dos programas de sócio-torcedor. Descontos em ingressos, preferência na compra das entradas, programas de milhagem, descontos em uma série de parceiros... Tudo isso mediante o pagamento de uma mensalidade. Mas será que vale a pena?
Para responder a essa pergunta, o Idec avaliou os programas de sócio-torcedor dos clubes com as maiores torcidas do país: Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e Santos. O Vasco, que detém a quinta maior torcida, não foi avaliado, pois o clube não tem programa de sócio-torcedor.
A pesquisa constatou que falta clareza sobre os principais benefícios dos programas. O consumidor interessado em ser sócio-torcedor não consegue saber, a priori, quanto vai ter de desconto no ingresso, por exemplo. Apenas um time, o Palmeiras, informa o percentual exato de desconto oferecido em cada plano. Corinthians e São Paulo indicam apenas que haverá um percentual mínimo de desconto (20% em ambos os casos). Os demais clubes silenciam sobre esse percentual.
A preferência de compra é um dos principais motivos que podem fazer o consumidor se interessar pela adesão. Em um jogo decisivo, a procura por ingressos tende a aumentar bastante e chega a ser muito superior à oferta. Que critério será usado para escolher quem vai "furar a fila"? Os times também não deixam isso claro. Os piores resultados foram do Atlético Mineiro, Cruzeiro, Grêmio, Internacional e Santos, que não especificam qual será o período em que se dará a preferência de compra, nem se há critério para selecionar os próprios sócios-torcedores, caso a procura entre os sócios supere a oferta de lugares no estádio. "O clube expõe um direito, mas não explicita o modo pelo qual o consumidor vai fruir desse direito. É uma abusividade", afirma o jurista Antonio Rodrigues do Nascimento, especialista em direito do torcedor.
Como saldo geral, a conclusão é que as ofertas dos programas de sócio-torcedor passam longe de cumprir a exigência de clareza e precisão fixada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). A advogada do Idec Mariana Alves Tornero ressalta que, segundo o artigo 20 de CDC, o consumidor pode pedir a restituição da quantia paga ou abatimento proporcional do preço, caso haja disparidade entre a oferta e o serviço efetivamente praticado. "Se os benefícios que atraíram o consumidor a se tornar sócio-torcedor não são cumpridos, há um vício no serviço", diz ela.
A pesquisa foi dividida em duas etapas. Na primeira, foi avaliada a maneira como os programas são ofertados nos sites dos próprios times e/ou específicos. Os critérios foram: divulgação ou não do percentual de desconto para compra de ingresso que cada plano oferece; e maneira como se informa a prioridade de compra. A segunda etapa teve por objetivo avaliar se a adesão ao programa seria vantajosa. Tomando por base os jogos que cada time realizou como mandante durante o mês de março, foi mensurada a frequência mínima aos jogos para reverter o investimento na mensalidade do plano. Essa análise levou em conta apenas os dois planos mais baratos de cada programa que tivessem ao menos uma dessas duas características: preferência de compra ou desconto nos ingressos. Foram considerados os ingressos mais baratos para cada partida (desconsiderando meia-entrada) e o uso do plano por apenas um torcedor.
NA PONTA DO LÁPIS
Além da clareza das informações, a pesquisa avaliou se a adesão ao programa de sócio-torcedor seria, de fato, vantajosa. Para isso, tomou como base os jogos que cada time realizou como mandante durante o mês de março, a fim de verificar se o desconto no valor do ingresso compensaria o custo da mensalidade e se o sócio de fato teria prioridade na compra.
O Idec adotou o perfil de um torcedor econômico e considerou os dois planos mais baratos de cada time, desde que oferecessem pelo menos preferência de compra ou desconto no ingresso. Ressalte-se que há planos que não possuem nenhuma dessas características: os benefícios ao sócio se resumem a descontos em fornecedores parceiros a ao incentivo que ele dá ao time.
O levantamento calculou o número mínimo de jogos a que o torcedor deveria ter ido nesse mês para que a adesão aos planos valesse a pena. Como cada estádio tem diversos setores, com preços variados, novamente foi escolhido um perfil econômico, e os preços considerados são o dos ingressos mais baratos.
Os planos de sócio-torcedor mais em conta do São Paulo, Palmeiras, Cruzeiro e Internacional são economicamente inviáveis, pois não dão direito a desconto no ingresso. Quer dizer, o torcedor desembolsa o valor da mensalidade e o "valor cheio" do ingresso. Já os mais baratos do Atlético Mineiro e Grêmio, apesar de concederem descontos, também não foram economicamente interessantes em nenhuma hipótese: mesmo que o sócio tivesse ido a todos os jogos, sairia mais caro ser sócio do que não o ser.
Os planos mais econômicos de Corinthians e Santos, que também dão descontos, foram economicamente interessantes a depender da frequência mínima: a do Corinthians foi de apenas um jogo; a do Santos, dois jogos.
O Flamengo é um caso à parte. Todos os planos, do mais barato ao mais caro, são ofertados com a previsão de um desconto indeterminado. No entanto, em quatro dos cinco jogos avaliados, todos do Campeonato Carioca, não houve desconto algum. O clube não deu desconto para sócio-torcedores porque a Federação Carioca tabelou os preços dos ingressos. A única partida em que houve desconto, durante o mês de março, foi pela Copa do Brasil. Ainda assim, nos dois planos considerados, os descontos oferecidos são inferiores aos valores das mensalidades. Nos jogos do Brasileirão, a situação pode mudar, pois não haverá a interferência da Federação do Rio de Janeiro.
Quanto aos segundos planos mais baratos, os resultados variam bastante. O do Atlético Mineiro novamente não se saiu bem: nem mesmo a ida a todos os jogos foi suficiente para compensar o valor da mensalidade. O motivo é que o portfólio do programa "Galo na Veia" tem apenas dois planos, de modo que o segundo "mais barato" é bastante caro (R$ 220 por mês). Ele dá acesso a todos os jogos e o sócio-torcedor não desembolsa um centavo pelo ingresso. No entanto, como a pesquisa considerou o ingresso mais barato, a conta não fecha: foi mais vantajoso pagar individualmente pelos ingressos mais baratos (R$ 65 ao todo, para os três jogos) do que os R$ 220 mensais.
PRIORIDADE NA PRÁTICA
Todos os planos considerados pela pesquisa deveriam dar preferência de compra aos sócios-torcedores. Não foi o que ocorreu com os planos do Flamengo, São Paulo, Internacional e Santos: em alguns jogos, a venda de ingressos foi aberta ao mesmo tempo para o sócio e para o torcedor comum.
Outro objetivo dessa parte da pesquisa foi avaliar se o artigo 20 do Estatuto do Torcedor foi respeitado. Ele determina que os ingressos devem ser colocados à venda para o público em geral no mínimo 72 horas antes do início das partidas. Exceto o Santos, todos os times passaram por cima dessa regra em ao menos um dos jogos. O Internacional não respeitou o prazo mínimo nem para sócio-torcedores.
O jornalista Mauro Cezar Pereira, em seu blog, afirmou que os times "criaram a dificuldade para vender a facilidade". Ele se referia aos preços dos ingressos: os clubes, segundo ele, aumentaram os valores, para depois concederem descontos somente ao sócio-torcedor. Em relação à antecedência mínima de início das vendas há uma lógica parecida, pois só o sócio-torcedor teve seu direito respeitado à compra do ingresso com 72 h de antecedência. "É uma prática abusiva que tem uma dimensão coletiva muito grande", opina o jurista Antonio Rodrigues do Nascimento.
Aliás, do ponto de vista jurídico, os programas de sócio-torcedor podem despertar outras discussões. Por exemplo: seria legal que a capacidade total de um estádio fosse destinada somente a sócios-torcedores? "Se 50% dos ingressos são reservados aos sócios-torcedores, já existe abusividade", afirma o jurista. Embora não tenha sido objeto desta pesquisa, encontramos situações desse tipo. Em algumas partidas do Palmeiras, por exemplo, os ingressos mais baratos se esgotaram antes mesmo da abertura de venda para torcedores comuns.
Respostas dos clubes
Os nove times avaliados foram contatados, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar os resultados da pesquisa, mas apenas cinco responderam:
• Cruzeiro: aponta que um dos planos analisados não oferece desconto no ingresso, como informado no site oficial do programa, enquanto o outro dá desconto variável de acordo com o jogo. Sobre o prazo para compra preferencial, diz que "sempre tenta abrir com a maior quantidade de dias possível" e que a prioridade de todos os sócios para a compra de ingresso é a mesma. Em relação à abertura das vendas com antecedência mínima de 72 h, aponta que, no caso de um dos jogos, "não faria muito sentido" iniciar a venda no domingo à noite [quando dariam as 72h de antecedência], por isso abriu na segunda de manhã.
• Corinthians: alega que, como os pontos de venda têm horário de funcionamento das 10h às 17h, nem sempre é possível cumprir o prazo de antecedência de 72 horas. Ressalta que, pela internet, a venda é aberta antes. O Corinthians afirma que houve, sim, venda antecipada para sócio-torcedor em todos os jogos avaliados na pesquisa.
• Grêmio: diz que o percentual de desconto é informado em todos os releases e que o período de vendas, bem como o critério de preferência entre sócio-torcedores, está bem claro nas informações divulgadas sobre cada jogo, sem mencionar a ausência de informação na oferta dos programas. O clube afirma, ainda, que as bilheterias operaram normalmente nos jogos avaliados, respeitando as 72h de antecedência na venda de ingressos e cumprindo o Estatuto do Torcedor.
• Internacional: afirma que o desconto para o sócio-torcedor é de 50% e que os preços estão informados em todos "os serviços de jogo", sem mencionar a ausência da informação na oferta dos programas. O clube diz que a compra antecipada vai "até a hora do jogo ou quando esgotar os ingressos", sem indicar também quando inicia o prazo. O Internacional afirma ainda que não há critério de escolha entre os sócios-torcedores para desempate na compra de ingressos e que o Estatuto do Torcedor sempre é respeitado.
• São Paulo: informa que os descontos mínimos são de 20% a 30% e que esse percentual é informado na adesão ao programa de sócio-torcedor. Em relação ao desrespeito ao prazo de 72h de antecedência para venda de ingressos e à regra de preferência de compra para sócios, o clube diz que houve problemas operacionais em virtude da troca da empresa que opera os serviços, mas que eles já foram corrigidos.