Muito além do preço
Frequentemente apontados como "caros", orgânicos enfrentam outras barreiras além do preço. Pesquisa do Idec mostra que dificuldades incluem desde baixo grau de conhecimento até o local de compra
Se você acha que orgânico ainda é "coisa de rico" no Brasil, talvez você não esteja totalmente errado. Mas, ao contrário do que sugere o senso comum, isso não se deve exatamente ao preço desses alimentos. O Idec realizou uma pesquisa sobre o consumo de orgânicos comparando sua aquisição por diferentes populações, a de uma região nobre e a de um bairro periférico de São Paulo (SP), com o objetivo de identificar as principais barreiras e potenciais de crescimento para a aquisição desses alimentos.
Alguns resultados surpreenderam. O levantamento identificou que, apesar de os orgânicos serem mais consumidos na região nobre, em geral, a compra desses alimentos está muito mais ligada ao grau de escolaridade e ao entendimento sobre o conceito correto de orgânicos do que ao nível de renda.
Mais do que isso, a desinformação sobre o que é um produto orgânico e quais seus benefícios para a saúde e meio ambiente foi apontada como uma das grandes barreiras para o aumento do consumo. "Esse resultado pode ser um indício de que as vantagens da alimentação com orgânicos ainda não estão amplamente divulgadas", afirma Renata Amaral, engenheira ambiental e uma das pesquisadoras do Idec responsáveis pelo levantamento.
A população da região mais periférica é a que tem menor conhecimento sobre esses produtos e, portanto, compra pouco orgânico. Menos da metade dos entrevistados dessa região (47%) responderam que veem vantagem em consumir produtos orgânicos e, mais alarmante ainda, 46,5% não souberam a definição correta do que são esses alimentos. Resultado disso, só 37% compram orgânicos. Na região nobre, os números são melhores – 42% veem benefícios nos orgânicos, e os que desconhecem do que se trata são 20% –, mas mostram que há muito a avançar.
Outro resultado surpreendente foi que os consumidores entrevistados em pontos próximos a locais onde há feiras orgânicas, tanto na região nobre quanto na periférica, não apresentaram desempenho melhor em relação ao conhecimento e consumo desses alimentos do que os consultados em locais mais distantes das feiras.
O Idec entrevistou 120 consumidores para saber sobre o seu entendimento a respeito do conceito de produto orgânico, sua frequência de compra de orgânicos e sua relação com variáveis de vulnerabilidade social, principalmente de renda e de escolaridade. Os consumidores foram consultados em duas regiões da capital paulista — uma área nobre e de baixa vulnerabilidade social (nos bairros Jardim Paulista e Higienópolis) e outra mais periférica, de menor renda e maior vulnerabilidade social (Itaquera).
As regiões foram escolhidas com base no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). O IPVS é composto por diversas variáveis que, juntas, classificam as regiões do Estado de São Paulo em categorias de vulnerabilidade distribuídas de 1 a 7, em que 1 representa locais de baixíssima vulnerabilidade e 7 de vulnerabilidade alta.
A pesquisa também envolveu entrevistas com produtores de alimentos orgânicos e especialistas nessa área para se obter opiniões sobre o panorama da área no Brasil. O levantamento foi realizado com o apoio da Swedish Society for Nature Conservation (SSNC).
A INFLUÊNCIA DO LOCAL DE COMPRA
Se a renda não é o fator mais importante, significa que o consumo maior ou menor de orgânicos não tem nenhuma relação com o preço? A resposta é "depende". E depende principalmente do ponto de venda em que se adquire o produto. Na região nobre, por exemplo, a aquisição dos orgânicos é feita principalmente em supermercados. No entanto, uma pesquisa do Idec realizada em 2010 mostrou que as feiras de orgânicos apresentam preços melhores do que os supermercados em 100% dos casos – e que essa diferença de custo pode chegar a 463%.
Para Fernando Ataliba Nogueira, diretor técnico da Associação de Agricultura Orgânica (AAO), a ideia de alto preço dos orgânicos está ligada principalmente à elitização do produto trazida pelo supermercado. "Costumo dizer que a presença dos orgânicos nos supermercados mais atrapalha do que ajuda porque cria a ideia de que ele é caro, o que é horrível para a imagem do produto. Os supermercados escancaram a margem de lucro quando se trata de orgânico e isso é problemático", afirma.
No bairro periférico, a aquisição de orgânicos é mais diversificada entre os pontos de venda – além do supermercado, os consumidores compram em feiras e diretamente com o produtor. Essa talvez seja uma das grandes alternativas de barateamento e popularização dos orgânicos. Afinal, quanto mais "atravessadores" houver entre o produtor e o consumidor, como um supermercado, maior será o preço de prateleira do produto. "As dificuldades relacionadas à logística e ao local de venda também influenciam no preço final do produto, que será repassado diretamente para o consumidor", diz Amaral.
MUDANÇA DE HÁBITOS
Retomar o hábito de ir a feiras representa um desafio a ser superado pelo consumidor. Afinal, o consumo de produtos orgânicos implica uma lógica diferente da convencional. O consumidor precisa se adaptar a ter uma certa "paciência" com variáveis como disponibilidade e sazonalidade – afinal, não é todo lugar que tem orgânicos e nem todos os legumes e verduras orgânicas são produzidos o ano todo.
Para Nogueira, ir à feira nos dias de hoje é quase um ato de militância. "A vida nas grandes cidades dificulta a ida à feira para comprar apenas alguns dos itens domésticos. As feiras não têm flexibilidade de horário, não têm estacionamento. Além disso, exigem um preparo como sacolas e carrinhos. Frequentar feiras é um processo de mudança de hábitos, motivada pela tomada de consciência", acredita.
A nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto, também responsável pela pesquisa, concorda. "As pessoas estão acostumadas a buscar o acesso mais rápido, fácil e prático. Para mudar essa lógica, é importante considerar os custos indiretos envolvidos, o impacto no meio ambiente e na saúde a longo prazo – já que os efeitos dos agrotóxicos são cumulativos e só aparecem depois de muito tempo, tornando difícil fazer essa associação", destaca.
Outro ponto identificado pela pesquisa foi a importância da mulher na introdução do consumo de orgânicos nos lares. "Muitas mulheres grávidas e com filhos pequenos, mais preocupadas com a saúde, procuram alternativas saudáveis de consumo", diz Bortoletto. Além disso, elas muitas vezes também são responsáveis na família do produtor pela migração da produção convencional para a orgânica.
Desde 2012, você acompanha o Mapa de Feiras Orgânicas do Idec, ferramenta online idealizada pelo instituto para tornar os produtos orgânicos mais acessíveis aos consumidores, indicando a localização de pontos de venda de orgânicos, direto do produtor.
Uma nova versão do site entrou no ar em março. Ele agora reúne também o cadastro de produtores, associações e cooperativas de produtos orgânicos ou agroecológicos. "A mudança permitirá maior proximidade entre consumidor e produtor, encurtando o caminho do alimento orgânico até a mesa", explica a pesquisadora Renata Amaral.
Com novo layout, agora também é possível interagir com a ferramenta por meio do envio de comentários, fotos de feiras e de produtos e avaliação de itens. O novo mapa também possui versões compatíveis com celulares e tablets.
Acesse: www.feirasorganicas.org.br