Nem o básico
Consultas médicas e outros procedimentos simples estão entre os mais reclamados pelos consumidores de planos de saúde nos últimos três anos. Cirurgia bariátrica e parto cesariano também figuram na lista
A negativa de cobertura é velha conhecida dos consumidores de planos de saúde: a recusa de atendimento é um dos maiores problemas para quem usa o serviço suplementar. Parece natural supor que as operadoras neguem ou dificultem o acesso a tratamentos complexos, caros e pouco usuais. Ledo engano: são os procedimentos básicos e para os quais claramente se espera atendimento que mais levam o consumidor a reclamar à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É o que mostram os dados fornecidos pela própria ANS ao Idec, que solicitou a lista dos dez procedimentos mais negados nos últimos três anos (de 2012 a 2014), pela Lei de Acesso à Informação.
Os números fornecidos pela ANS contabilizam todas as demandas originadas por suposta negativa de cobertura, ainda que inativas, improcedentes ou arquivadas. De acordo com tais dados, as consultas médicas foram o procedimento campeão de queixas nos três anos; em seguida, vêm as cirurgias: em 2014 e 2013 procedimentos cirúrgicos em geral ficaram em segundo lugar na lista de reclamações, e em 2012 a cirurgia bariátrica (popularmente chamada de redução de estômago) ocupou a posição. Também figuram com destaque as queixas sobre ressonância magnética. "É preocupante que procedimentos básicos para a garantia da saúde do consumidor sejam reiteradamente reclamados. A consulta médica, por exemplo, é o mínimo que o consumidor espera quando contrata um plano", comenta Joana Cruz, advogada do Idec responsável pela análise.
No documento enviado pela agência constam os registros realizados sobre cobertura assistencial – o que engloba negativa de cobertura, descumprimento de prazos de atendimento, entre outros – de procedimentos que constam do rol de coberturas obrigatórias fixado pelo órgão. "Como os dez procedimentos mais reclamados nos três últimos anos estão todos previstos no rol da ANS, são duplamente garantidos ao consumidor. Entretanto, ainda assim, ele encontra dificuldade para ter acesso", critica Cruz. O Idec defende que mesmo procedimentos não previstos no rol devem ser custeados pelas operadoras se necessários para o paciente, como determinam a Lei de Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998) e o Código de Defesa do Consumidor.
Confira a lista de procedimentos mais reclamados em 2014 na tabela. As listas de 2012 e 2013, bem como os dados completos enviados pela ANS em resposta ao pedido de informação podem ser consultados em: http://goo.gl/ya4slS.PROBLEMAS REITERADOS
Entre 2012 e 2014, a ANS registrou 53.374 demandas de consumidores. Dentre aquelas originadas por suposta negativa de cobertura, independentemente da procedência da reclamação, 15.061 foram sobre consultas médicas. Só em 2012, a consulta foi responsável por 32% do total de reclamações. Ela já tinha aparecido no topo da lista em levantamento similar feito pelo Idec anos atrás, quando a ANS forneceu dados de procedimentos mais negados de 2010 a maio de 2012.
Outro procedimento que se destaca na listagem dos três últimos anos é a cirurgia bariátrica, mecanismo importante para o tratamento da obesidade. A operação ocupou a segunda colocação em 2012 e a terceira em 2013 e 2014. No total, foram registradas 1.678 reclamações, metade delas só em 2012. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Josemberg Campos, tal resultado é reflexo da falta de clareza dos critérios estabelecidos para a realização do procedimento.
Segundo Campos, o convênio lança mão das normas previstas pelo Ministério da Saúde e pela ANS e desconsidera outros pontos que também colocam o paciente com obesidade grave em risco. "A norma diz que o paciente precisa apresentar uma outra doença além da obesidade, mas não diz qual", exemplifica, ao comentar as brechas da regulação. "Ao deparar com a primeira negativa, muitos pacientes desistem. Contudo, com o passar dos anos a qualidade de vida é comprometida, e o agravamento dessas doenças pode levar a pessoa à invalidez ou à morte", lamenta.
Também consta da lista de mais reclamados o parto cesariano, embora em proporção menor (é o sétimo da lista de 2014 e o oitavo da 2013). No levantamento anterior feito pelo Idec, porém, esse tipo de parto já apareceu: foi o terceiro procedimento mais negado em 2010.
A lista aponta ainda que quem precisa fazer tratamento de catarata – doença de alta prevalência entre pessoas acima de 60 anos, segundo a Sociedade Brasileira de Oftalmologia – encontra dificuldades. A facectomia ocular, utilizada no tratamento dessa enfermidade, figura no top 10 de reclamações: nos últimos dois anos, o procedimento foi o oitavo mais reclamado e, em 2010, era o quinto mais negado.
O Idec contatou a ANS, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar os dados, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Seja por temer muita burocracia, demora ou mesmo falta de resolução, há consumidores que deixam de reclamar para a agência reguladora quando têm um problema com seu plano de saúde. No entanto, o registro oficial da queixa é importante para que a operadora possa vir a ser punida. A ANS é o órgão responsável por fiscalizar o setor e tem prerrogativa para multar e, em alguns casos, suspender a comercialização do plano de saúde quando há infração. "Infelizmente, muitas empresas só passam a seguir a lei quando perdem dinheiro (multa, indenização, suspensão da comercialização) por conta de suas atitudes lesivas ao consumidor", diz Joana Cruz. Para registrar uma reclamação na ANS, acesse: http://goo.gl/cN5UL0
O registro do problema junto ao órgão não excluiu a possibilidade de o consumidor tomar outras providências, principalmente quando se trata de negativa de cobertura e esta coloca a sua saúde em risco. Nesse caso, entrar com uma ação judicial com pedido de liminar, por exemplo, é uma alternativa para obter uma solução rápida para o problema. O Idec disponibiliza aos seus associados modelos de petição para contestar a negativa de atendimento. Consulte no Idec Orienta: http://www.idec.org.br/consultas/idec-orienta.
OPERADORAS MAIS RECLAMADAS
Além dos procedimentos, o Idec também solicitou à ANS a lista das dez operadoras que mais negaram atendimentos entre 2012 e 2014. Os dados fornecidos pela agência elencam as empresas mais reclamadas por negativa de cobertura de procedimentos previstos no rol da agência, sem levar em conta o porte de cada empresa.
A Amil lidera a lista nos três últimos anos, seguida por outras gigantes do setor. Em 2014, por exemplo, o "pódio" das reclamações foi ocupado pela Amil, Bradesco Saúde e Sul América, respectivamente. "Ao longo desses anos, a lista se manteve praticamente a mesma, o que reforça que a prática ilegal cometida pelas operadoras não está sendo coibida de maneira eficaz", conclui a advogada do Idec. Veja as dez mais reclamadas no ano passado na tabela à esquerda.