Orgânicos: consumo ainda limitado
REDES ALTERNATIVAS
No Brasil, as redes de distribuição desempenham um papel fundamental na forma que o orgânico é (ou deixa de ser) consumido. "A lógica das grandes redes de varejo é espremer o produtor para conseguir lucro. Há uma cadeia de milhares de produtores e milhares de consumidores, mas em que apenas poucas redes definem o que você come e por qual preço", explica Renata Amaral, pesquisadora do Idec. "Existe um caminho alternativo que depende do poder do consumidor. Comprando com a mesma lógica de sempre o mercado não muda", completa.
De acordo com Janaína Sá Diniz, professora adjunta do programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em cadeias de distribuição, grande parte da produção orgânica ainda está concentrada em pequenos produtores. Porém, nos últimos 10 anos, as compras têm sido feitas cada vez mais em supermercados. "O pequeno produtor não consegue entrar nas grandes redes e quem entra precisa aceitar regras de preço desfavoráveis", informa. "Se o supermercado tem uma escala maior, deveria oferecer preço melhor. Mas alguns preços praticados são absurdos, apenas por causa do apelo orgânico. O consumidor precisa saber que pode encontrar o mesmo produto por um valor acessível", diz a professora.
Entre os canais alternativos, há, além das feiras, as cestas entregues em casa e cooperativas. Começam a surgir também grupos coletivos de consumo, que podem ter um papel importante para democratizar o acesso aos orgânicos.
VÁ À FEIRA
A impressão é que se trata de uma luta entre Davi e Golias, mas o consumidor tem nas mãos o trunfo do poder de escolha para pressionar o mercado. "Retomar o hábito de ir à feira é muito importante. Estudamos o caso da França e concluímos que, de modo geral, circuitos mais curtos de comercialização aumentam os benefícios para os produtores e possibilitam melhores preços para os consumidores", defende Diniz.
Para facilitar e ampliar o acesso entre os brasileiros, o Idec criou em 2012 um mapa das feiras orgânicas existentes em todo o país. "Começamos com menos de 200 feiras e temos hoje cerca de 390 cadastradas. O mapa é um dos endereços do site do Idec mais visitados: são 10 mil acessos, em média, por mês", diz Bortoletto.
Comprar em feiras aumenta também o grau de consciência sobre a produção do alimento e favorece a aquisição de produtos locais, o que por si só já soma sustentabilidade à compra. De acordo com Gabriel Fernandes, da organização AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, quanto menos intermediários existir entre o produtor da comida e o consumidor, melhor. "A comercialização direta é fundamental para aumentar o consumo de orgânicos. Claro que nenhuma medida isolada vai resolver o problema, mas a soma de políticas públicas pró-orgânicos, aumento dos pontos de venda e mais divulgação são importantes", conclui.
SAIBA MAIS
• Pesquisa sobre preços de orgânicos conforme o local de compra (2010): http://goo.gl/EX6hQ3
• Mapa de feiras orgânicas: http://www.idec.org.br/feirasorganicas Aquisição de alimentos sem agrotóxicos ainda é baixa, concentrada no Sul e no Sudeste e entre famílias de maior poder aquisitivo no Brasil. Altos preços, pouca informação e acesso restrito são dificuldades que podem ser contornadas por redes alternativas de distribuição
Os orgânicos já não são novidade no Brasil: seja nos supermercados ou em feiras, despontam como um mercado promissor. Seus benefícios para a saúde, comparados aos dos alimentos convencionais, cultivados com agrotóxicos, também começam a ser mais conhecidos pela população. Apesar disso, apenas 1,49% dos domicílios brasileiros consomem produtos orgânicos, de acordo com um levantamento do Idec, com apoio da Oxfam International, a partir de dados da mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), coletada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2008 e 2009.
A POF foi realizada com uma amostra total de 55.970 domicílios e, pela primeira vez, considerou o consumo de orgânicos. O levantamento avaliou os dados referentes à aquisição de itens alimentares, que foram agrupados em 12 categorias (como carnes, ovos, leites, hortifrúti etc.), e seus locais de compra, incluindo produção caseira e troca, além dos mais convencionais, como supermercados.
A análise do Idec concluiu que o consumo de orgânicos no Brasil, além de muito baixo, é concentrado nas regiões Sul e Sudeste – que respondem por 48% e 23%, respectivamente, da aquisição desses alimentos – e entre a população com maior poder aquisitivo – mais da metade das compras são feitas por famílias com renda superior a R$ 881,94 por pessoa.
Uma das hipóteses acerca desse consumo "elitizado" é que ele decorre do local de compra: os supermercados e os hipermercados são onde os brasileiros mais adquirem orgânicos (46,3% das compras). "É justamente nesses locais que os orgânicos são mais caros", aponta Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora de alimentos do Instituto. "É recomendável que o consumidor procure outras opções, como as feiras, para não ficar refém do preço do supermercado. Com menos intermediários, o custo é menor", orienta.
Em 2010, o Idec fez uma pesquisa que comparou os preços de alimentos orgânicos em diferentes pontos de venda: as feiras especializadas apresentaram preços melhores em 100% dos casos. A diferença de valor chegou a 463% em alguns itens, e os mais caros geralmente estavam em supermercados.
POUCA INFORMAÇÃO
Outra hipótese sobre o baixo consumo de orgânicos orbita ao redor da parca disseminação de informações sobre os riscos associados ao consumo de agrotóxicos. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. E, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), nos últimos 10 anos, o uso de venenos agrícolas cresceu190% no Brasil, enquanto no resto do mundo o aumento foi de 93%. Além disso, um estudo feito pela entidade em 2012 apontou que das 50 substâncias mais utilizadas no país, 22 são proibidas na União Europeia. Os venenos usados na lavoura têm impacto direto na intoxicação de trabalhadores rurais, e os efeitos a longo prazo para o consumidor final ainda estão sendo estudados.
Os resultados mais recentes do Programa de Análise de Resíduos Agrotóxicos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), divulgados em novembro, mostraram, mais uma vez, o uso indevido de venenos nos alimentos convencionais. De acordo com o monitoramento, 25% das amostras analisadas apresentam alguma irregularidade: agrotóxicos acima do limite permitido, uso de substâncias não autorizadas (no país ou para o alimento especificamente) ou as duas coisas juntas. A agência analisou 1.397 amostras de abobrinha, alface, feijão, fubá de milho, tomate e uva em 2012. A abobrinha teve o pior resultado: 48% das amostras estavam contaminadas.
Dos 55.970 domicílios estudados pela POF, somente 835 adquiriram ao menos um alimento orgânico, o que representa 1,49% do total
Bortoletto acredita que a divulgação dos benefícios dos alimentos orgânicos frente aos convencionais pode favorecer a sua aquisição. "O consumo de frutas e hortaliças no Brasil está abaixo do recomendado pela OMS [Organização Mundial da Saúde], de pelo menos 400 gramas diários. Contudo, considerando o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras, é importante incentivar mais os orgânicos", declara.