Os olhos da cara
Estudo mostra que será impossível pagar um plano de saúde individual daqui a 30 anos se reajuste anual continuar sendo calculado da atual forma. Um plano que hoje compromete 6% da renda do consumidor abocanhará quase 70%
Ter um plano de saúde custa caro, mas, diante de sua importância, muitos consumidores fazem um esforço para manter o serviço. Agora, e se dissermos que o que já é ruim pode ficar pior? De acordo com a nova edição de um estudo realizado pelo Idec desde 2010, se os reajustes anuais dos planos individuais mantiverem o padrão atual, será praticamente impossível pagar por um daqui a 30 anos.
O aumento autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os contratos individuais/familiares tem sido sempre acima da inflação, indicador que mede o custo de vida do consumidor. Entre 2005 e 2014, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado foi de 72,2%, os reajustes anuais fixados para os planos individuais no mesmo período atingiram a marca de 114,8% – uma diferença de 42,7%. "Dessa forma, a mensalidade dos planos tende a aumentar muito acima da capacidade de pagamento do consumidor", resume Ione Amorim, economista do Idec.
Para entender melhor, imagine o seguinte caso: um consumidor de 30 anos que tem renda mensal de R$ 3 mil e desembolsa R$ 200 por mês (média dos valores de planos para essa faixa etária, segundo a ANS) em seu plano de saúde individual. O gasto representa 6% de sua renda hoje. Se forem mantidas as condições de aumento salarial e de reajustes dos planos, quando ele tiver 60 anos, o valor do plano terá subido para incríveis R$ 8.775, enquanto o seu salário será de cerca de R$ 12 mil – ou seja, o gasto com plano morderia 67,7% de sua renda.
A previsão desse valor de mensalidade leva em conta a projeção para os próximos 30 anos da diferença entre os valores de reajustes anuais postos pela ANS e o IPCA, chegando ao índice de 190,4%; e também os reajustes por mudança de faixa etária, que, em média, são de 251,04% entre 30 e 60 anos de idade, segundo dados da ANS. Já a estimativa de aumento salarial foi feita com base na inflação de 5% ao ano.
"O valor dos reajustes de planos individuais fixados pela agência reguladora inviabiliza, a longo prazo, o acesso do cidadão aos serviços privados de saúde, revelando que a atual política pública nesse setor precisa ser revista para garantir a efetividade do direito à saúde, previsto na Constituição Federal, e o equilíbrio nas relações de consumo, definido pelo CDC [Código de Defesa do Consumidor]", afirma a advogada do Idec Joana Cruz.
O PROBLEMA E A SOLUÇÃO
Desde 2001, a ANS estabelece o índice de reajuste dos planos individuais com base na média dos aumentos dos planos coletivos – os quais são livremente fixados pelas operadoras. "Não faz sentido a agência regular os reajustes dos contratos individuais utilizando a média dos reajustes de planos que ela não regula [os coletivos]", critica a advogada do Idec. "Essa metodologia é inspirada no modelo de regulação por desempenho. Em tese, ela procura eliminar os excessos de assimetria de informação por meio de uma 'média ponderada', já que existem muitas operadoras e diversos planos regulados", explica o economista Carlos Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Ocké-Reis propõe a radicalização da regulação da ANS de forma a identificar possíveis empresas-modelo, que não aprofundem a "seleção de risco" – ou seja, que não valorizem somente a rentabilidade – para fundamentar a política de reajuste dos planos individuais e coletivos.
Para o Idec, é importante que a ANS avalie outras formas de calcular o índice de reajuste, pois o fato de a atual metodologia resultar em índices de reajuste sempre muito acima da inflação mostra que ela é desfavorável para o consumidor. "O ideal seria que a ANS regulasse todos os planos (individuais, coletivos, novos e antigos) com base no custo de vida do consumidor, ou seja, seguindo o IPCA", defende Cruz.
O Instituto enviou os resultados do estudo para a ANS, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), o Procon de São Paulo, o Ministério Público Federal, a Associação do Ministério Público do Consumidor e as Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo.