Metas não atingidas
Mais críticas do que elogios
Para o cientista político Marcello Fragano Baird, o ponto positivo dos acordos para a redução de sódio é ter colocado a questão em debate. Porém, a partir do estudo que ele realizou a pedido do Idec, foi possível identificar vários pontos negativos no processo. Veja, a seguir, os principais:
1. O prazo: Ministério da Saúde prevê que o nível de consumo de sódio recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de menos de 2 g diários por pessoa, seja alcançado até 2020. "Nove anos é muito tempo", considera Baird. Após críticas da sociedade civil, incluindo as do Idec, os prazos estabelecidos pelo terceiro e quarto termos de compromisso para redução de sódio nos produtos foram apertados.
2. As metas: a maioria dos produtos já tinha menos sódio do que o estabelecido pelas metas antes mesmo de o acordo ser assinado. "Poucos produtos terão que reduzir o teor de sódio drasticamente", aponta o cientista político. "As metas poderiam ser mais arrojadas, mas é difícil estabelecê-las sem ter referências internacionais. Vamos baixar o teor de sódio para quanto?", questiona.
3. Transparência: além de o critério para o estabelecimento das metas ser confuso e a linguagem não ser clara, falta divulgação dos termos de compromisso. "Quem lê o Diário Oficial da União [no qual foram publicados]? Eles deveriam estar no site do governo", sugere Baird. "Não somente o acordo deveria ser mais bem divulgado, mas também a ata das reuniões em que as metas foram decididas, entre outras informações. Quanto mais dados, melhor", complementa.
4. Infraestrutura da Anvisa: três anos após o acordo ter sido firmado, o órgão responsável pelo monitoramento do cumprimento dos termos de compromisso ainda não publicou nenhuma avaliação oficial. Os poucos dados disponíveis não são específicos para a avaliação das metas e não divulgam as marcas pesquisadas. "Faltam funcionários para fazer a análise dos produtos e também para fiscalizar o cumprimento das metas", informa Baird.
• Confira a primeira parte do teste, sobre a informação de sódio nos rótulos. Acesse: http://goo.gl/EZfs5NFabricantes respondem
• Nissin-Ajinomoto (macarrão instantâneo Nissin): apresentou análise de amostras do produto sabor galinha caipira, do mesmo lote, com valor abaixo da meta estabelecida.
• Pastifício Selmi (marca Renata): a empresa se manifestou apenas sobre o cálculo das metas para a categoria "misturas para bolo", que deve ser feito com base no produto pronto para o consumo.
Resposta Idec: Excluímos a avaliação dessa categoria, pela dificuldade de padronização da receita pronta de bolo.
• Vigor: enviou análise de sódio de outro lote do macarrão instantâneo sabor Galinha, com o valor abaixo da meta estabelecida.
• Bimbo (Pullman e Nutrella): alega que o valor indicado pelo Idec não corresponde ao indicado na rotulagem do Bisnaguito Pullman (183 mg sódio/porção) e do pão de forma Nutrella (242mg sódio/porção) e que, nesses parâmetros, ambos os produtos cumprem as metas.
• Pepsico (Mabel): ressalta que os quatro produtos que ainda descumprem o acordo são da marca Mabel, adquirida pelo grupo em 2011, e que a empresa está trabalhando para alcançar as metas de redução de sódio nesses produtos.
• Marilan: destaca que está realizando redução gradativa do teor de sódio em seus produtos e que, até o fim de 2014, todos estarão cumprindo a meta.
• Piraquê: informa que está readequando as fórmulas de seus produtos para cumprir os acordos. Enviou análise do teor de sódio de outros lotes dos produtos com valores de sódio abaixo da meta.
• Nestlé (Negresco e Maggi): declara que está realizando testes para substituir a matéria-prima do biscoito Negresco sem perder as características do produto. Ainda, a empresa argumenta que os valores declarados nos rótulos do biscoito e do caldo líquido Maggi e caldo de carne Maggi estão dentro da meta de redução, de acordo com a variação de ± 20% permitida por lei.
Resposta Idec: o Idec considera que a meta a ser cumprida se refere ao valor real do produto e, portanto, a tolerância de variação do valor declarado no rótulo não pode ser considerada para o cumprimento da meta.
• Bauducco: afirma que está revendo os procedimentos internos e trabalhando para cumprir o acordo dentro do prazo estabelecido (dez/14), mas que o valor declarado atualmente na tabela nutricional do produto Bolacha recheada Leite com Chocolate (112mg/30g) está dentro meta de redução, de acordo com a variação de 20% permitida por lei.
Resposta Idec: mesma dada à Nestlé
• Qualitá: afirma que não é signatária dos acordos voluntários, mas que, mesmo assim, fez contraprova do teor de sódio do cereal matinal e encontrou valor em conformidade com a meta 2013.
• Unilever (Knorr): afirma que os produtos testados cumprem o acordo, baseando-se na tolerância permitida ao valor declarado no rótulo. Sobre o tempero para arroz Knorr, a empresa esclarece que o produto já passou por reformulação e que, a partir de junho deste ano, já estaria disponível em conformidade com a meta de 2013.
Resposta Idec: mesma dada à Nestlé
E AGORA?
Ao ser questionado sobre o resultado negativo do teste, o Ministério da Saúde afirmou que está apostando na capacidade de inovação da indústria e que acredita que todas as metas serão alcançadas. "Estamos aguardando os resultados do monitoramento do teor de sódio feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) [a responsável por monitorar o cumprimento dos termos de compromisso] para termos subsídios para a construção das próximas metas e avaliação das estratégias para sensibilização das empresas para que se engajem mais", informou o Ministério por meio de sua assessoria de imprensa.
O fato de os acordos serem voluntários dificulta a cobrança. "Não podemos obrigar as empresas a atingirem as metas, mas se o objetivo não está sendo alcançado, uma regulação se faz necessária. Mesmo se as empresas atingirem, a via regulatória é válida para garantir a universalização das metas, já que alguns setores são menos representados pela Abia (a principal signatária), como o de linguiça frescal, por exemplo", opina Marcello Fragano Baird, cientista político e autor de um estudo sobre o acordo, que será publicado pelo Idec ainda este ano.
Para ele, é lamentável as empresas não cumprirem o acordo, mesmo ele sendo voluntário. "As associações que representam a indústria alimentícia pressionam e cobram as empresas porque elas sabem que pegará mal não cumprir o que foi acordado e que há o risco de que haja pressão para tornar a redução obrigatória", revela Baird.
Três anos depois de o governo e os fabricantes terem firmado acordo para reduzir o teor de sódio em alimentos processados, muitas marcas ainda não atingem as metas estabelecidas
Já se passaram três anos desde que o primeiro termo de compromisso do acordo para a redução do teor de sódio em alimentos processados foi assinado pelo Ministério da Saúde, pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) e por outras associações empresariais que representam a indústria alimentícia. Ao todo, foram quatro termos de compromisso, o último firmado em novembro de 2013.
Desde 2011, o Idec vem monitorando o acordo e criticando as metas estabelecidas por serem pouco ambiciosas. Quatro pesquisas realizadas pelo Instituto ao longo desse período constataram que grande parte dos produtos já possuía, antes do acordo, menos sódio do que o indicado nos termos de compromisso – os quais, vale lembrar, são voluntários.
Em março e abril deste ano, o Idec realizou nova análise, mas, desta vez, em vez de checar as informações nutricionais presentes no rótulo, enviou 291 produtos, de 90 marcas, a um laboratório, que verificou a real quantidade de sódio neles contida. Por isso, essa é a primeira vez que se divulga a avaliação das marcas de todas as categorias de alimentos incluídas nos acordos. "Nossa expectativa era de que todos os produtos tivessem atingido as metas estabelecidas, já que elas são muito brandas. Mas isso não ocorreu", declara Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec que coordenou a pesquisa.
Dos 291 produtos avaliados, 20 (7%) não cumpriram a meta para 2012 e 9 (3%) não atingiram a meta para 2013. "Esses números seriam interessantes se, no início das negociações, a quantidade de sódio presente nos produtos estivesse muito distante das metas, mas as pesquisas realizadas pelo Idec anteriormente demonstraram que um percentual significativo deles já as atingia antes mesmo de o acordo ser firmado", observa Bortoletto.
No levantamento realizado em 2011, por exemplo, identificou-se que 93,7% das marcas de pão de forma avaliadas na ocasião já continham teor de sódio dentro dos valores fixados nos termos de compromisso para o ano seguinte. Agora, o teste aponta que 76,9% das marcas de pão estão adequadas às metas fixadas para até o fim de 2014. O teste também constatou que 100% das marcas de batata palha e de rocambole já atingem as metas estipuladas para este ano. "Os resultados reforçam as críticas que o Idec já vinha fazendo às metas estabelecidas no acordo. Ao mesmo tempo, o teste revela que, mesmo os valores sendo tão baixos, ainda há produtos de grandes marcas que não se adequaram a eles", resume a nutricionista.
Vale dizer que, entre os produtos testados, há categorias cujo prazo de adequação ainda não encerrou, como muçarelas, salsichas e hambúrgueres, que têm até o fim de 2014 ou de 2015 para atingirem as metas. Confira, no quadro ao lado, os produtos que não cumpriram as metas de 2012 e 2013. Para ver a lista com os resultados de todos os produtos avaliados, acesse: http://goo.gl/wy7IcU.
Entre março e abril de 2014, o Idec testou 291 alimentos industrializados, de 90 marcas, para verificar se as empresas atingiram as metas estabelecidas pelos quatro Termos de Compromisso voluntários firmados entre o Ministério da Saúde e associações da indústria alimentícia para a redução do teor de sódio nos produtos. Também foi verificado se os fabricantes informam a quantidade correta de sódio no rótulo, cujos resultados já foram publicados na edição de julho. O teste foi realizado com o apoio do International Development Research Centre (IDRC).
O Idec enviou o resultado da pesquisa à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), à Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), à Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN), do Ministério da Saúde, à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ao Procon-SP e ao Procon-RJ.