Reajuste sem limite
A partir de dados da ANS, avaliação do Idec constata altos índices de aumento em planos de saúde coletivos com até 30 usuários
Imagine que, da noite para o dia, a mensalidade de sua TV por assinatura ou de sua academia de ginástica aumente mais de 50%. É possível que você (e outros consumidores na mesma situação) pense em cancelar o serviço, afinal, ninguém espera um aumento dessa ordem! Contudo, quando se trata de planos de saúde – um tipo de serviço fundamental –, reajustes desse patamar não são tão raros assim. Pelo menos não entre os planos coletivos.
O Idec analisou os reajustes aplicados por 535 operadoras aos contratos coletivos de até 30 vidas (ou seja, com até 30 usuários), no período de maio de 2013 a abril deste ano, e identificou que aumentos absurdos continuam ocorrendo. O pior caso foi o da empresa Santa Genoveva, que elevou a mensalidade em incríveis 73,35%! Em seguida, veio a Unimed de Santos, com 69,09%; e a Unihosp, com 65%.
Desde abril do ano passado, está em vigor uma norma da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – a Resolução Normativa 309/2012 – que obriga as empresas a agrupar os contratos de até 30 usuários para calcular um índice único de aumento a todos, com o objetivo de diluir os custos. Os percentuais de reajuste das mensalidades foram informados pelas operadoras à ANS, que divulgou os dados em seu site.
Em 2013, o Idec fez, por conta própria, o levantamento dos reajustes de 61 operadoras e já havia identificado aumentos elevados. Agora, com os dados de todas as empresas reunidos pela agência, as conclusões, infelizmente, não foram mais animadoras. "A análise dos dados divulgados pela ANS mostra, mais uma vez, que o mero agrupamento dos contratos não impede que altos reajustes sejam aplicados, onerando demasiadamente os consumidores desses planos de saúde e concedendo vantagens excessivas às operadoras", resume a advogada do Idec Joana Cruz, responsável pela avaliação.
PARCELA DESPROTEGIDA
De acordo com a ANS, as operadoras que aplicaram aumentos muito altos já foram acionadas a apresentar a metodologia utilizada para o cálculo. "No momento, a ANS está avaliando a documentação recebida. Em caso de indícios de irregularidade, será iniciado um processo sancionador a fim de apurar eventuais infrações à norma", informa a agência, por meio de sua assessoria de imprensa.
O órgão ressalta que a maioria dos reajustes ficou concentrada entre 7% a 10%, e que o número de operadoras com aumentos na faixa de 20% a 50% caiu em comparação com o período anterior (de 14% para 5,3% dos casos). "Entretanto, a falta de determinação de um valor teto para o reajuste deixa os consumidores à mercê da liberalidadedas operadoras para os valores futuros, não havendo nenhuma garantia regulatória de que seu aumento nos próximos anos não seja igual aos valores abusivos detectados agora", contrapõe a advogada do Idec.
Além disso, mesmo que o número de operadoras com reajustes muito altos seja pequeno frente ao total, eles ainda são um problema. "É papel da ANS garantir a todos os consumidores de planos de saúde proteção efetiva contra aumentos abusivos e não somente a uma parte dos contratos", critica Cruz. "Essa garantia só será alcançada quando a ANS passar a estabelecer um teto para o reajuste. E é isso o que o Idec defende", complementa.
AUMENTO DESIGUAL
De acordo com a ANS, o objetivo da resolução é “a aplicação de índices uniformes para esses contratos com menor capacidade de negociação junto às operadoras”. No entanto, o que se vê é uma enorme disparidade de aumento entre as 535 empresas detentoras de planos 30 vidas. Ao mesmo tempo em que há reajustes elevadíssimos, como os já citados, há também casos de operadoras que aplicaram aumentos bem baixos, de menos de 1%.
A advogada do Idec explica que a oscilação está ligada ao porte das operadoras: quanto menor, mais difícil de diluir o aumento entre os usuários. “Não é à toa que, entre as empresas que aplicaram os 10 maiores reajustes, 60% reúnem apenas 500 vidas, somando todos os agrupamentos. Isso demonstra a fragilidade e a falta de poder de barganha por parte dos consumidores pertencentes aos contratos que compõem esse agrupamento”, afirma Cruz.
A quantidade de consumidores nos agrupamentos de cada uma das 535 operadoras variou de três a 468.211, com média de 6.168 consumidores por grupo. Quase um terço (28%) dos agrupamentos soma até 500 vidas.
De acordo com a norma da ANS, as operadoras são livres para decidir a metodologia de agrupamento para o cálculo do reajuste. Assim, 96% das operadoras calcularam índices únicos para todas as segmentações de coberturas oferecidas por elas (ambulatorial, hospitalar, com ou sem obstetrícia); e 4% calcularam reajustes de forma diferenciada, de acordo com cada uma das modalidades de segmentação de cobertura oferecidas.
ACIMA DA MÉDIA
Pelo número reduzido de usuários, os planos coletivos 30 vidas têm, reconhecidamente, uma situação de vulnerabilidade. Com um grupo pequeno, fica difícil negociar com a operadora o índice de reajuste, por exemplo. “A lógica de não regular o percentual de aumento dos planos coletivos é a de que são empresas lidando entre si em igualdade de poderes – a operadora e a empresa contratante. Mas, no caso dos contratos com até 30 vidas, essa justificativa não se sustenta, já que o poder de barganha de pequenos grupos de consumidores é ínfimo frente a conglomerados de operadoras”, pondera Joana Cruz.
Os planos 30 vidas, na verdade, têm várias características que os aproximam dos planos individuais – estes, sim, regulados pela ANS. Além do número reduzido de consumidores, eles também estão sujeitos a prazos de carência e de cobertura parcial temporária – restrições que os coletivos “comuns” (empresariais com mais de 30 usuários) não precisam seguir.
Apesar dessas semelhanças, os aumentos anuais de mensalidade são muito diferentes. Em 2013, a ANS fixou em 9,04% o percentual máximo de reajuste dos planos individuais. Já entre os coletivos 30 vidas, como visto, o reajuste pode chegar a ser quase 10 vezes superior, nos casos mais extremos. De forma geral, a diferença é menor, mas também incomoda: o aumento médio dos 30 vidas foi de 11%. “Se os coletivos 30 vidas têm a mesma regulação que os individuais para carências e cobertura parcial temporária, o que é de interesse das operadoras, faz-se justo um controle igual dos aumentos também, a fim de que os consumidores tenham, na regulação da ANS, respaldo para os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor”, defende a especialista do Idec.
Além disso, em comparação com a inflação acumulada no mesmo período, medida em 6,28% pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), fica mais claro que a média de reajuste (11%) ainda está alta.
Apesar dessas evidências, a ANS vê como positivos os impactos da norma para os reajustes dos planos 30 vidas, os quais considera “mais equilibrados”. “A medida atenuou os efeitos da seleção de risco para os beneficiários de contratos em condições menos vantajosas e minimizou os reajustes extremos”, avalia. A agência pondera que os efeitos ainda devem ser observados nos próximos anos, já que a norma começou a ser aplicada em 2013. Para o Idec, porém, já está claro que ela não resolve todos os problemas que compõem essa categoria tão fragilizada no setor de planos de saúde.
SAIBA MAIS
• Confira a lista com os reajustes de todas as operadoras. Acesse: http://goo.gl/tCw74t
• Reveja as principais conclusões da pesquisa realizada pelo Idec sobre o tema no ano passado. Acesse: http://goo.gl/l94waf