Vai um custo a mais aí?
Pesquisa constata que é o banco quem decide o pacote de serviço a ser contratado pelo consumidor na abertura da conta e que este nem sempre atende às suas necessidades
No ranking de atendimentos do Procon de São Paulo relativo ao ano passado, das 20 empresas mais demandadas, oito eram bancos. Juntas, as instituições financeiras somaram quase 5.600 reclamações fundamentadas, em que não houve pronta solução do problema. Já no Banco Central, nos primeiros cinco meses de 2014, houve 1.580 reclamações referentes apenas à abertura de conta, o correspondente a 14% de todas as reclamações dos seis maiores bancos do país. Por essas e por outras, quase 40% da população brasileira ainda não tem conta em banco, segundo dados do Instituto Data Popular divulgados em maio do ano passado.
A mais recente pesquisa do Idec constatou que abrir uma conta bancária não é tão simples quanto deveria ser. O levantamento avaliou as seis instituições com mais correntistas no país: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander. Um dos pontos mais graves constatados pela pesquisa foi o fato de que é o funcionário do banco quem define o pacote a ser contratado pelo cliente. "O consumidor fica sem seu direito de escolha", afirma a economista Ione Amorim, coordenadora do levantamento. "As pessoas não costumam se preocupar com isso porque acham que é assim que deve ser." Dessa forma, é comum que o consumidor seja levado a contratar um pacote caro, com serviços que não tem interesse em utilizar.
Além da dificuldade de abrir a conta com o pacote mais adequado para o perfil apresentado, a pesquisa do Idec observou várias práticas de venda casada, oferta de serviços sem o interesse do consumidor, falta de informação clara e não fornecimento dos contratos e termos de adesão ao serviço adquirido. Confira, a seguir, os resultados da pesquisa.
O Idec avaliou os seis maiores bancos com atuação no Brasil, que possuem mais de um milhão de clientes: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander. As agências, situadas na cidade de São Paulo, foram visitadas entre 27 e 30 de maio, com o objetivo de se abrir uma conta corrente para pessoa física, sem vínculo com empresa. Para isso, os pesquisadores levaram consigo seus documentos pessoais e agiram como consumidores comuns.
As visitas foram monitoradas por um observador, que avaliou: as condições gerais apresentadas; as informações prestadas para a abertura de conta e para a escolha do pacote de serviços; o tempo de espera; a conclusão do objetivo de abrir uma conta padronizada com serviço de DOC; a oferta de outros serviços; a venda casada; e a entrega de contrato e termo de adesão da conta bancária.
CARTÃO DE CRÉDITO "OBRIGATÓRIO"
A venda casada é uma prática proibida pelo artigo 39, I, do CDC. Ela ocorre quando a aquisição de um produto ou serviço é vinculada à compra de outro produto ou serviço. Mas os bancos ignoram essa regra: a inclusão do serviço de cartão de crédito foi constatada na abertura da conta em quatro dos seis bancos pesquisados. As exceções foram o Banco do Brasil, que o ofereceu, mas, diante da recusa, não o incluiu no negócio, e o HSBC. No caso do Itaú, como a pesquisadora tinha uma restrição em órgãos de proteção ao crédito, o cartão não foi entregue no ato, mas também está incluído no pacote contratado.
No caso do Bradesco, foram oferecidos cartões com as bandeiras Visa ou Mastercard, os quais a pesquisadora tinha a prerrogativa de aceitar ou não. Contudo, o cartão da bandeira Elo não pôde ser recusado. Segundo a atendente do banco, o plástico, que tem custo de R$ 3,90 mensais, "faz parte do processo de abertura de conta".
Já na Caixa, a oferta ficou vinculada a um eventual interesse em adquirir um imóvel financiado pelo banco. Nesse caso, o cartão precisaria ser utilizado pelo menos uma vez ao mês, para garantir a redução de 1% na taxa de juros vigente na ocasião do crédito imobiliário. "Esse tipo de oferta induz o consumidor ao endividamento, pois, para ele se beneficiar de uma taxa de juros reduzida, tem que sustentar um consumo que não necessariamente é de seu interesse", alerta a economista do Idec. Além disso, o cartão indicado inicialmente fora um da categoria Platinum, com anuidade de R$ 300! Mas diante do questionamento da pesquisadora, ele foi substituído por um cartão Internacional com anuidade de R$ 115.
O Santander, por sua vez, também incluiu um cartão da categoria Platinum, mas concedeu isenção de anuidade em função do pacote contratado (Van Gogh, que custa nada menos que R$ 55 por mês).
Vale destacar que, em geral, todos os bancos enviam o cartão de débito e crédito, automaticamente, para a residência de seus correntistas. Para efetivar sua contratação, basta ao usuário desbloquear o cartão e, assim, ativar o serviço. "Aos olhos do consumidor, essa estratégia, muitas vezes, é vista como uma praticidade ou, até mesmo, como uma forma de o banco lhe prestigiar", afirma a coordenadora da pesquisa. "Porém, esses serviços possuem custos de anuidade: quanto mais benefícios oferecidos pelo cartão, maior é o valor. Esse aspecto, contudo, não é devidamente informado pelos funcionários", completa Amorim.
Outra prática muito comum é a oferta de serviços que não possuem tarifas, mas cobram juros se forem utilizados. É o caso do limite de cheque especial e do limite de crédito pessoal pré-aprovado. Comumente, nos extratos de movimentação da conta, eles são dispostos juntamente com o saldo, provocando a ilusão de que o valor disponível é maior do que de fato é.
Para concluir, somente o Banco do Brasil, o Bradesco e o Itaú entregaram o contrato ao fim do processo de abertura de conta, obrigação prevista pelas resoluções 2.025/93 e 2.747/00 do Conselho Monetário Nacional (CMN). "Percebe-se, dessa forma, que a clareza das informações na relação entre os bancos e os consumidores está ausente das mais diversas maneiras", finaliza a economista.
Direito a resposta
O Idec informou a todos os bancos avaliados os resultados da pesquisa. O prazo para resposta não havia se esgotado até o fechamento desta edição. Caso as instituições se manifestem, as respostas serão publicadas no próximo número.
SAIBA MAIS
• Cartilha Os bancos e você – como se defender dos abusos dos bancos, do Idec e da Contraf: http://goo.gl/Y2N6lo
• Onde reclamar em caso de problemas com bancos: http://goo.gl/2BD3D3RENDA DEFINE PACOTE
A área de abertura de contas, embora acessível em todas as agências visitadas, não foi o destino final da maioria dos pesquisadores. Eles foram encaminhados para os setores de contas gerenciadas, cujos funcionários determinaram o pacote a ser contratado a partir da sua renda. "Isso é claramente irregular, pois não é o banco ou a renda quem devem definir os serviços a ser contratados, e sim as necessidades e o perfil de uso do consumidor", explica a economista do Idec.
Somente o Bradesco, o HSBC e o Santander ofereceram o que o pesquisador-consumidor solicitou: um pacote de serviços que incluísse a realização mensal de um DOC – transferência entre contas de bancos diferentes. Porém, o Bradesco foi o único a vender o almejado pacote "padronizado II", estabelecido pelo Banco Central (BC), que tem um DOC incluído e, naquele banco, custa R$ 14,20. O HSBC ofereceu um pacote de R$ 42, que inclui três DOCs; e o Santander, um pacote de R$ 55, com quatro DOCs. O pesquisador saiu do Banco do Brasil, da Caixa e do Itaú com uma conta que não incluía o DOC solicitado. Vale destacar que o pacote "padronizado II" não foi explicitamente requerido em nenhum dos bancos. O objetivo era avaliar a oferta dos serviços pelas instituições para um consumidor comum.
Vale destacar que o DOC é um serviço caro se for pago de forma avulsa, ou seja, fora do pacote contratado. O preço médio da tarifa avulsa entre os seis bancos avaliados é de R$ 7,84 na operação eletrônica (no caixa eletrônico ou pela internet), e de R$ 13,73 no guichê de atendimento. Assim, embora alguns pacotes oferecidos pelos bancos sejam mais baratos do que o valor de seu respectivo pacote padronizado II, pagar a tarifa avulsa de DOC elevaria o custo mensal do serviço bancário. Veja na tabela da página 24 a avaliação geral dos pacotes oferecidos.
Todos os bancos devem oferecer quatro modalidades de pacotes padronizados, cuja composição de serviços é definida pelo Banco Central, com o objetivo de facilitar a comparação entre os bancos.
O pacote padronizado II, alvo da pesquisa, inclui mensalmente 12 folhas de cheque, oito saques, seis extratos dos últimos 30 dias, dois extratos de outros períodos, uma transferência de DOC ou TED e quatro transferências entre contas do mesmo banco.
O preço dos pacotes padronizados varia de acordo com a instituição bancária, mas, em geral, ele é mais baixo do que as opções de pacotes com serviços similares configurados pelos bancos. Para a economista Ione Amorim, os pacotes padronizados precisam ser mais bem divulgados. "Trata-se de uma opção geralmente mais barata para o consumidor, mas os bancos sequer mencionam a sua existência", diz.
PROCESSO LENTO
Para abrir a conta no Bradesco, o pesquisador-cliente teve de tomar um chá de cadeira que somou duas horas e meia, em duas visitas, e falar com quatro funcionários diferentes. Em todos os outros bancos, a espera foi menor. Ainda assim, o tempo decorrido na Caixa foi bem longo (1h30), assim como no Santander (1h27) e no Banco do Brasil (1h07, em duas visitas somadas). No HSBC e no Itaú o atendimento foi mais rápido, em 25 minutos e 15 minutos, respectivamente.
Quanto ao acesso às tabelas de tarifas, em todas as agências elas estavam afixadas próximo aos guichês dos caixas e da guarita de segurança, o que pode causar certo constrangimento ao consumidor que desejar consultá-las. Somente a agência da Caixa tinha uma apostila afixada no balcão de apoio perto dos caixas eletrônicos. A agência do Itaú, na avaliação do Idec, foi a que teve a pior apresentação dos dados. Lá, a tabela foi convertida em um terminal eletrônico para o usuário consultar. "É uma tela de computador, em que o usuário vai clicando para obter as informações. Isso pode ser uma tarefa difícil para pessoas que não dominam a tecnologia", critica a economista do Idec. Assim, o acesso à informação adequada e clara – direito básico previsto pelo artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – fica prejudicado.
DESRESPEITO NO BANCO DO BRASIL
Além desses problemas, no Banco do Brasil o mau atendimento ultrapassou os limites do bom senso. A funcionária do banco fez uma série de perguntas e observações constrangedoras à pesquisadora do Idec. Na primeira visita, a gerente perguntou se ela residia no bairro, fez um longo questionamento sobre os motivos pelos quais desejava abrir a conta ali e sugeriu que procurasse uma agência mais próxima de sua casa. No fim, informou que só poderia abrir uma conta com vínculo com seu empregador e que, portanto, ela deveria retornar posteriormente, levando uma carta com carimbo e CNPJ da empresa.
Após a avaliação do caso pela coordenação do Idec, a pesquisadora foi orientada a procurar a agência novamente. Chegando lá, o atendimento foi feito pela mesma funcionária e, após nova insistência da pesquisadora, que argumentou que a conta salário, vinculada ao empregador, não poderia receber depósito de outra fonte, ela cedeu. Daí, foi mais uma hora de conversa para concluir o processo – sem sucesso quanto ao pacote que incluísse um DOC mensal.