Quanto tem de sal?
Fabricantes respondem
O Idec notificou todas as empresas fabricantes dos alimentos testados. Veja, a seguir, as respostas daquelas cujos produtos apresentaram problemas de rotulagem e que se pronunciaram dentro do prazo estabelecido pelo Idec.
• Amélia: informa que não encontrou em suas análises um valor que corresponda ao encontrado pelo Idec para a margarina da marca; solicita data de fabricação e lote para que possa prestar esclarecimentos.
Resposta Idec: encaminhamos as informações solicitadas e, se necessário, divulgaremos os esclarecimentos da empresa na próxima edição da revista.
• Aurora: diz que está realizando novos testes e, se confirmado o desvio no teor de sódio, corrigirá a tabela nutricional no rótulo.
• Becel: a empresa Unilever, dona da marca, informou que foram realizadas análises físico-químicas do produto e que seus resultados se apresentam dentro dos parâmetros esperados e atendendo às legislações vigentes.
• Ceratti: informa que está revendo todo o processo de fabricação para identificar a procedência da falha no teor de sódio informado.
• Delícia: afirma que o lote analisado pelo Idec foi devidamente investigado pela equipe de controle de qualidade e não foi identificado desvio, o que confirma o valor declarado na rotulagem.
• Kim: contesta os resultados, afirmando que analisa o teor de sódio dos produtos periodicamente em laboratório credenciado e que os valores apurados estão de acordo com a margem de 20%; sugere que o resultado acusado pelo Idec pode decorrer de variação metodológica.
• Pullman: a Bimbo do Brasil, responsável pela marca, informou que o valor apontado pelo Idec (de 194mg sódio/porção) referente à rotulagem do produto Bisnaguito não corresponde ao valor indicado pela empresa na tabela nutricional, de 183 mg sódio/porção.
Resposta Idec: O Idec tem registro fotográfico do rótulo do produto analisado, em que consta a informação de 194 mg/porção. Além disso, como o teor de sódio obtido no teste foi de 147,4 mg sódio/porção, a indicação de 183 mg ainda desrespeitaria a margem de 20% prevista na resolução.
• Qualitá: alega que o Pão de Forma Qualitá cumpre a RDC da Anvisa, pois o valor encontrado no teste (206,1 mg/50g) representa 17,56% a menos do que o valor informado na tabela nutricional do rótulo. Com relação à Bisnaguinha Qualitá, salienta que o fornecedor rastreou o lote avaliado e não identificou qualquer desvio nos parâmetros do produto. A empresa enviou laudos de análise de sódio dos produtos.
Resposta Idec: O cálculo feito pela empresa está incorreto, pois considerou a margem de 20% em relação ao valor da rotulagem, enquanto a RDC permite a variação sobre o valor real do nutriente.
• Toddy: a Pepsico, responsável pela marca Toddy, respondeu a notificação do Idec, mas sem comentários sobre o resultado da rotulagem.
• Triunfo: a Arcor, responsável pela marca, afirma que a irregularidade em relação à rotulagem apontada é inconsistente e argumenta que os valores da rotulagem de sódio dos produtos estão dentro da margem de mais ou menos 20%.
Resposta Idec: O cálculo feito pela empresa está incorreto, pois considera a margem de 20% em relação ao valor da rotulagem, enquanto a RDC permite a variação sobre o valor real do nutriente.
Teste em laboratório revela que alimentos industrializados de grandes marcas têm teor de sódio muito diferente do informado no rótulo
Não é de hoje que se sabe que o consumo excessivo de sódio é perigoso para a saúde: ele aumenta o risco de desenvolver e de piorar quadros de hipertensão, doenças cardíacas e renais. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a ingestão diária do nutriente não passe de 2 gramas (g). Contudo, os brasileiros passam longe dessa meta: em média, consumimos mais do que o dobro recomendado, cerca 4,46 g por dia.
Esse descompasso vem se agravando nos últimos anos pelo aumento do consumo de alimentos industrializados no país. Não é difícil encontrar produtos processados que, em uma porção individual, tenham quase tanto ou até mais sódio do que a quantidade máxima preconizada pela OMS para um dia inteiro. Basta olhar a informação da tabela nutricional de produtos que frequentemente levamos à mesa para confirmar isso.
O pior é que o Idec acaba de descobrir que alguns alimentos podem ter ainda mais sódio do que o informado no rótulo! O Instituto levou para análise em laboratório 291 produtos, de 90 marcas, e identificou que 27 deles apresentam variação de mais de 20%, para mais ou para menos, desse nutriente. A diferença descumpre a Resolução n° 360/2003 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece regras para a rotulagem nutricional e dá essa margem de tolerância.
Embora a quantidade de produtos com erro seja pequena em comparação com o total de produtos avaliados, chama a atenção que os itens problemáticos sejam de marcas famosas, como Sadia, Seara, Batavo e Aurora, e que, em alguns casos, a diferença entre o valor informado e o realmente presente passe de 50%.
Entre março e abril, o Idec enviou para teste em laboratório 291 alimentos industrializados de 90 marcas, a fim de identificar o teor de sódio presente. Foram selecionados produtos de todas as categorias de alimentos incluídas nos acordos voluntários para redução de sódio firmados entre a indústria e o Ministério da Saúde.
Nessa primeira etapa, os resultados foram comparados com a informação da tabela nutricional indicada no rótulo dos produtos, tendo em vista as regras da RDC nº 360 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na próxima edição, divulgaremos uma análise do teor do nutriente em comparação com as metas fixadas nos termos de compromisso para a redução de sódio. O teste foi realizado com o apoio do International Development Research Centre (IDRC).
TOLERÂNCIA
Segundo a gerência de produtos especiais da Anvisa, a admissão de uma variação de 20% para mais ou para menos nas informações da rotulagem foi estabelecida para compensar as diferenças que podem ocorrer nos métodos empregados para apurar o conteúdo nutricional. A margem, de acordo com a agência, está prevista nas referências do Codex Alimentarius, coletânea de padrões reconhecidos internacionalmente, que estabelece códigos de conduta, orientações e outras recomendações relativas a alimentos e segurança alimentar.
Para o Idec, as grandes diferenças encontradas entre o teor de sódio indicado na rotulagem e no teste têm origem no fato de a legislação nacional permitir o uso de tabelas de composição padronizadas, em vez de obrigar que as empresas façam a análise do produto em laboratório.
A Anvisa explica que, quando irregularidades de rotulagem nutricional são identificadas nas ações fiscais, são aplicadas as penalidades previstas na Lei nº 6.437/1977. Contudo, a nutricionista Mariana Kraemer, autora de uma dissertação de mestrado sobre a indicação de sódio no rótulo de alimentos industrializados dirigidos ao público infantil, vê problemas no processo. "A fiscalização é praticamente inexistente, por isso há de tudo nos rótulos. A maioria dos fabricantes cumpre as regras, mas algumas empresas fazem a tabela nutricional como querem." Em seu levantamento, Kraemer constatou que há grande diferença no teor de sódio entre produtos similares de marcas distintas. "Em alguns, houve mais de 100% de variação", conta. "A lei só faz sentido quando há comprometimento por parte das empresas e fiscalização pelo poder público", defende a nutricionista do Idec.
O Idec enviou os resultados do teste para a Anvisa, para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e para o Procon-SP e o Procon-RJ. "Solicitamos que os órgãos investiguem os problemas de composição nutricional evidenciados, com o objetivo de prevenir falhas e assegurar que as informações passadas ao consumidor sobre as características dos alimentos sejam corretas", informa Bortoletto.
Como são as regras para a rotulagem nutricional, em especial de sódio, em outros países? Consultamos especialistas internacionais para saber. Confira a seguir e compare com as regras brasileiras:
BRASIL
• A quantidade de sódio é informação obrigatória e deve ser expressa em miligramas (mg) por porção.
• O Valor Diário de Referência (VDR) – ou seja, o máximo que deve ser consumido por dia — é 2.400 mg, mais do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (2.000 mg).
• Há margem de tolerância de 20%, para mais ou para menos, no valor declarado na rotulagem nutricional.
ESTADOS UNIDOS
• A quantidade de sódio é informação obrigatória na rotulagem nutricional em todo o país desde 1990.
• O VDR é de 2.400 mg/dia. Mas o FDA já fez propostas para atualizar o regulamento e baixar o valor.
• Não há margem de tolerância na informação nutricional, nem para mais nem para menos.
CANADÁ
• A quantidade de sódio é informação obrigatória na rotulagem nutricional.
• O VDR é de 2.400 mg/dia.
• Assim como no Brasil, há tolerância de mais ou menos 20%.
UNIÃO EUROPEIA, ISLÂNDIA, LIECHTENSTEIN, SUÍÇA E NORUEGA
• A quantidade de sal (não de sódio) por 100 g ou 100 ml e também por porção são informações obrigatórias na rotulagem nutricional, de acordo com regulamento aprovado em 2011, que deve ser totalmente implementado até 2016.
• Os países da União Europeia podem desenvolver outras formas de informar a quantidade de nutrientes que compõem o produto, como o semáforo nutricional, mas este tem de vir acompanhado da tabela obrigatória.
• Não há regras específicas para margens de tolerância.
• Na Finlândia, a legislação nacional em vigor estabelece que a embalagem de alimentos com alto teor de sódio apresente um selo de alerta com a frase "contém muito sal".
Fontes: Janelle Peralez Gunn, do Food and Drug Administration (FDA); Dr. Norm Campbell, professor de medicina na Universidade de Calgary, membro do Instituto Cardiovascular de Alberta e da Consumers International; Jo Jewell, consultor em políticas de nutrição e obesidade da Divisão de Doenças Não Transmissíveis e Ciclos de vida da Organização Mundial de Saúde.
MAIS OU MENOS SÓDIO
Entre os 27 produtos reprovados, dez contêm mais sódio do que o informado. Quase todos são de origem animal, com destaque para salsichas, e a maioria ultrapassa em 40% o teor do nutriente indicado no rótulo. A campeã é a salsicha Viena da Frigor Hans, com 66,3% de variação: a embalagem informa que contém 344 mg de sódio na porção de 100g, mas o teste revelou que o valor real é 1.020 mg/100 g. Veja os produtos reprovados nas tabelas ao lado. Para saber os resultados de todos os itens avaliados, acesse: http://goo.gl/GO98Kj.
Os outros 17 produtos apresentam menos sódio do que o informado. A linguiça tipo calabresa da Sadia, por exemplo, informa no rótulo que contém 1.820 mg de sódio na porção de 100 g, mas, na verdade, tem 1.131 mg, uma variação de 60,79%. "Não há dúvidas de que teor de sódio mais baixo é desejável, no entanto, o erro abre brechas para se desconfiar da informação nutricional desses produtos como um todo", critica Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec. "O consumidor tem o direito de receber a informação correta. Declarar a quantidade errada de um nutriente, independentemente de para mais ou para menos, fere esse direito", complementa a advogada do Instituto, Mariana Alves Tornero.
Para a gerência de produtos especiais da Anvisa, "o resultado do teste do Idec está de acordo com os resultados encontrados nas ações ficais realizadas pelo SNVS [Sistema Nacional de Vigilância Sanitária] e demonstra que a informação nutricional veiculada nos rótulos dos alimentos embalados é confiável". O Idec discorda. "O resultado ideal seria 100% dos produtos apresentarem, no máximo, a variação permitida por lei, de 20%, que já é bastante flexível", rebate Bortoletto.