Cigarro, justiça e poder
Título: Dois pesos e duas medidas
Gênero: documentário
Produção: Clarissa Homsi, Daniela Guedes, Denize Amorim
Roteiro e direção: Rodrigo Gontijo
Realização: Aliança de Controle do Tabagismo
Duração: 27 minutos
Onde assistir: www.doispesosduasmedidas.org.br
por FLAVIO SIQUEIRA JUNIOR*
Um produto perfeito: baixíssimo custo, milhões de pontos de venda, legalizado e que causa dependência. Trata-se do cigarro, praticamente um sonho para quem o produz. Já para quem consome, ele muitas vezes torna-se um pesadelo.
É o que nos mostra o curta-metragem Dois pesos e duas medidas, um projeto da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), viabilizado por financiamento coletivo. O documentário contra a história de José Carlos Carneiro, que teve as duas pernas amputadas por uma doença (tromboangeíte obliterante) causada exclusivamente pelo cigarro, mas não conseguiu o reconhecimento da Justiça de que foi vítima da indústria tabagista.
Carneiro começou a fumar ainda criança, influenciado pela forte publicidade da época. Já aposentado, viu o Superior Tribunal de Justiça confirmar a tese de que o consumidor é o único culpado por se viciar e adoecer em decorrência do consumo do cigarro, apesar de já ter sido comprovado que ele causa dependência e doenças graves.
O cigarro é o produto mais vendido da história da humanidade, fruto de uma estratégia de marketing muito bem-sucedida, que conseguiu associar o fumo ao sentimento de liberdade e inseri-lo na cultura da sociedade moderna.
Dessa forma, a indústria tabagista conseguiu expandir seus negócios e também a sua influência em todos os cantos do mundo. No Brasil não foi diferente. A sua influência percorreu todas as esferas de poder até chegar ao Judiciário, que, até hoje, negou todos os pedidos de indenização de quem não conseguiu largar o vício e adoeceu por conta do fumo.
Os fumantes que assistirem ao filme provavelmente vão notar que já viram Carneiro em algum lugar. Sua imagem, sentado numa cadeira de rodas, está estampada nos maços de cigarros com a mensagem: "O Ministério da Saúde adverte: ele é uma vítima do tabaco." Mesmo que sua condição o tenha tornado símbolo da campanha antitabagista, ele não foi indenizado.
Nesse sistema de justiça em que nem todos são iguais perante a lei, a vulnerabilidade do consumidor toma uma proporção ainda maior, pois se torna suscetível também à influência do poder econômico nas decisões do Judiciário.
Assim, a história contada em Dois pesos e duas medidas revela de forma clara que a defesa dos interesses da sociedade ainda esbarra no poder das grandes corporações.
*É advogado, especialista em interesses difusos e coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e ativista de direitos humanos