Sufoco nacional
PROBLEMAS SOBRE TRILHOS E RODAS
Em ambas as cidades, o ônibus é a opção mais utilizada pelos passageiros: o modal atende a 79,4% da população em Recife, e a 52,4% da do Rio. Apesar de ser a principal opção, o meio demonstrou ser o mais problemático: foram contabilizadas 227 infrações na capital pernambucana e 112 na fluminense.
Nas duas, o festival de irregularidades já começa fora dos coletivos, na estrutura dos pontos. A pesquisa verificou que eles são precários, pequenos e, muitas vezes, não têm assentos. Além disso, falta informação sobre as linhas e os itinerários realizados pelos ônibus que passam no local.
O mais preocupante, no entanto, foi a falta de segurança. Na capital pernambucana, houve casos de motoristas que não pararam no ponto; no Rio de Janeiro, os condutores abusaram de imprudências no trânsito, com freadas bruscas, alta velocidade e até circularam com as portas abertas, colocando os passageiros em evidente perigo.
Em Recife, esperar por um ônibus pode exigir alta dose de paciência: em um caso, o pesquisador chegou a ficar mais de 30 minutos no ponto. Dentro dos coletivos, mais problemas: muitos deles estavam em mau estado de higiene e de conservação. Além disso, na capital pernambucana, verificou-se que em alguns carros a plataforma elevatória, que facilita o acesso de cadeirantes, estava com defeito. No Rio, alguns ônibus não tinham tal estrutura, sendo que a lei local obriga que 100% da frota esteja adaptada.
Ao contrário do ônibus, a disponibilidade do metrô é incipiente nas duas capitais: são apenas duas linhas no Rio e três em Recife, que atendem a apenas 10% e 14% dos moradores, respectivamente. Nos trilhos, o número de irregularidades foi menor, mas também significativo: foram 93 na cidade nordestina e 58 na do sudeste. Os problemas foram relacionados à estrutura das estações e dos trens, que prejudicam principalmente o acesso dos cadeirantes. Atrasos e superlotação também marcaram presença. No Rio, além disso, foi constatado, em uma ocasião, desrespeito ao vagão reservado para mulheres, previsto na Lei Estadual nº 4.733/2006.
O Idec comunicou os resultados da pesquisa às prefeituras e aos órgãos responsáveis pela gestão dos transportes das duas capitais. Até o fechamento desta edição, nenhum deles havia respondido.
QUALIDADE JÁ
Para a promotora de justiça do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE-RJ) Christiane de Amorim Cavassa Freire, os resultados identificados na cidade vão ao encontro da crescente insatisfação dos consumidores cariocas – os quais, em sua opinião, estão mais conscientes e exigindo a qualidade que se espera de um serviço público. No Rio, hoje, há 112 ações civis públicas sobre o tema movidas pelo MPE-RJ e 20 termos de ajustamento de conduta firmados junto às empresas do setor.
Pedro Josephi, membro da Frente de Luta pelo Transporte Público em Recife, por sua vez, considera que as constatações da pesquisa são uma prova de que é necessário planejar melhor o transporte da cidade para reverter o "Deus nos acuda" em que ele se transforma nos horários de pico.
O pesquisador do Idec lembra que, além de respeitar os direitos dos usuários – garantidos por regulamentos locais e pelo Código de Defesa do Consumidor –, melhorar a qualidade do transporte público é fundamental para construir uma mobilidade urbana mais sustentável. Dados enviados pelo governo brasileiro para a Conferência Quatro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) mostram que o uso de carros e motos é responsável por 39% do gás carbônico (CO2) emitido no país. "Por isso, melhorar os investimentos no transporte público é imprescindível para incentivar o seu uso, em detrimento dos individuais, notadamente insustentáveis para a mobilidade nas cidades e para o meio ambiente", ressalta Amaral.
CHEGA DE APERTO
Para saber mais sobre os direitos no transporte público e reclamar sobre os perrengues do serviço em sua cidade, participe da campanha do Idec "Chega de Aperto", lançada em dezembro do ano passado, após a primeira etapa da pesquisa. Em menos de seis meses, já foram registradas 935 denúncias de internautas de todo o país. Dessas, 38 são de usuários do Rio de Janeiro e 15 de Recife. Denuncie você também! Acesse: http://chegadeaperto.org.br/
SAIBA MAIS
• Confira a primeira parte da pesquisa sobre transporte público em São Paulo e Belo Horizonte. Acesse: http://goo.gl/COmXbG
O Idec testou o transporte público em Recife e no Rio de Janeiro e constatou que os serviços são bastante problemáticos: foram identificadas quase 500 irregularidades nos ônibus e no metrô das duas cidades
Demora e superlotação. É fácil saber do que estamos falando, pois basta embarcar no metrô ou no ônibus em horários de pico para deparar com uma dessas situações (ou com as duas juntas). O cenário, infelizmente, é uma realidade nacional. É o que mostra a segunda etapa da pesquisa do Idec sobre transporte público, que, desta vez, avaliou os ônibus e o metrô de Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ).
Os resultados agora foram muito piores do que os da primeira pesquisa, que testou os serviços em São Paulo (SP) e em Belo Horizonte (MG): no total, foram identificadas 490 infrações, ante a 146 da anterior. "A quantidade muito maior de irregularidades se deve, por um lado, ao fato de que essas duas capitais contam com vasta legislação relacionada ao transporte público. Mas, por outro, também indica que as regras que visam à prestação de um bom serviço são amplamente desrespeitadas", explica João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto responsável pelo levantamento.
Amaral destaca que os problemas identificados na capital pernambucana e na fluminense são similares aos já constatados em São Paulo e BH. "Isso mostra que o desrespeito aos usuários é um problema em todo o país". Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2011, confirma essa percepção. Segundo o levantamento, cerca de 40% da população brasileira desaprova o transporte de sua cidade, considerando-o ruim ou muito ruim. "A insatisfação reforça que é necessário conscientizar os passageiros para que possam exigir um transporte digno e de qualidade", diz o pesquisador.
Entre as centenas de irregularidades identificadas no Rio e em Recife, algumas são bastante graves e chegam a ameaçar a segurança dos passageiros. Outros problemas são mais brandos, mas também afetam a qualidade e a utilização do transporte. Veja os resultados a seguir.
Com o apoio da ClimateWorks Foundation e do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, na sigla em inglês), a pesquisa avaliou a qualidade do serviço de ônibus e de metrô em Recife (PE) e no Rio de Janeiro (RJ), capitais que figuram entre as cinco maiores regiões metropolitanas do Brasil. Foram considerados parâmetros relacionados à estrutura do ponto ou da estação, à estrutura do meio de transporte, à qualidade da viagem e do atendimento ao usuário, todos baseados em regulamentos específicos do transporte de cada cidade e também nas regras previstas no Código de Defesa do consumidor (CDC).
Nos ônibus, os testes foram realizados por pesquisadores entre os dias 19 e 26 de março, nos horários de pico matutino e noturno (entre 7h e 10h e entre as 17h e 20h). Os trajetos (10 no total) foram definidos com base na densidade demográfica e comercial do município. No caso do metrô, foram realizadas de oito a dez viagens em cada cidade no decorrer dos horários mais críticos.