O destino dos aparelhos usados
"LIXO" ACUMULADO
De acordo com o levantamento, os aparelhos fora de uso costumam ser doados, vendidos ou guardados em casa. "Os consumidores não recebem informações adequadas sobre o descarte correto do lixo eletrônico nem por parte do governo nem das empresas fabricantes, por isso acabam doando, vendendo ou acumulando-os no fundo de uma gaveta", aponta Amaral. "As empresas são boas em criar estratégias para convencer o consumidor a comprar seus produtos, mas não se preocupam em informá-los sobre o descarte consciente, muito menos em recolher os aparelhos usados", opina Jorge Tenório, engenheiro especialista em resíduos sólidos e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que defende que os fornecedores deveriam dar ao consumidor uma opção para o descarte.
Entre os entrevistados com mais de 50 anos de idade, 56% disseram que mantêm os celulares que não usam mais em casa. Já 70% das pessoas de classe social elevada e 61% das mulheres ouvidas na pesquisa doam ou vendem seus eletrônicos antigos; e 20% das mulheres doam também seus eletrodomésticos fora de uso. Amaral destaca que o fato de a doação ser uma das principais formas de os brasileiros se livrarem de seus aparelhos usados demonstra certa consciência de que eles ainda podem ser utilizados, já que o principal motivo para a troca é a modernização tecnológica e não o mau funcionamento, como revelou a primeira parte da pesquisa, publicada na edição no 183.
"O problema de se guardar aparelhos em casa é que vai chegar uma hora em que haverá montanhas de lixo eletrônico. E como será quando a logística reversa, prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos [PNRS], começar a valer? As pessoas vão precisar de um caminhão para levar todos os equipamentos que acumularam durante anos", comenta Oliveira. De acordo com a PNRS, os fabricantes de algumas categorias de produtos, entre eles os de aparelhos eletroeletrônicos, serão responsáveis pelo recolhimento, pela reciclagem e pela destinação adequada de seus produtos.
Apesar de a PNRS já ter sido aprovada há mais de três anos, a tal logística reversa ainda não existe hoje e nada indica que será implementada num futuro muito próximo, já que os acordos do setor de eletroeletrônicos para colocar a medida em prática ainda não foram finalizados.
CUIDADO: TÓXICO
Ainda de acordo com o levantamento, apenas um a cada seis consumidores descarta os aparelhos. Destes, a maioria os coloca no lixo reciclável, no lixo comum ou os devolvem à loja em que fez a compra. Somente a minoria descarta em pontos de coletas específicos para produtos eletrônicos.
O problema é que os eletroeletrônicos não podem ser jogados no lixo comum, porque têm substâncias tóxicas que podem contaminar o solo de onde for disposto. O descarte incorreto desses equipamentos é um problema mundial. De acordo com uma estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgada no fim do ano passado, até 2017 a produção de lixo eletrônico vai aumentar 33% em todo o mundo em relação a 2012. "O acúmulo de lixo eletrônico é o lado mais obscuro da obsolescência programada", ressalta o consultor ambiental Felipe Andueza.
O ideal, segundo ele, é que os aparelhos antigos fossem destinados para a reciclagem. Mas Andueza reconhece que encontrar postos que recebam esse tipo de lixo ainda é um desafio. "Alguns bancos e supermercados fazem essa coleta e encaminham para recicladoras, assim como algumas cooperativas sérias. Mas o consumidor também pode ligar no Serviço de Atendimento ao Consumidor [SAC] do fabricante, pois, se o número de pessoas interessadas em descartar seu lixo eletrônico aumentar, os fabricantes podem se sentir pressionados a tomar uma atitude. É uma forma de fazermos a nossa parte", completa.
SAIBA MAIS
• Matéria "Aparelhos descartáveis?", com a primeira parte desta pesquisa. Acesse: goo.gl/bGmG5Z
• Matéria "Fácil de comprar, difícil de consertar", sobre o levantamento do DPDC de assistências técnicas de celulares: goo.gl/Xl0fjE
• Entenda o que é obsolescência programada: goo.gl/jYyBPe A maioria dos brasileiros troca equipamentos eletroeletrônicos sem antes levá-los à assistência técnica e, depois que compra um novo, doa ou guarda o "velho" no fundo do armário
Faz pouco mais de um ano que você comprou o seu celular quando ele começa a apresentar problemas. O que você faz? a) procura uma assistência técnica autorizada; b) guarda o aparelho em casa e compra um novo; c) doa o telefone antigo e compra um mais moderno. De acordo com a segunda parte da pesquisa realizada pelo Idec em parceria com a Market Analysis – instituto especializado em pesquisas de opinião –, a maioria dos consumidores escolhe as alternativas B ou C: 81% dos entrevistados trocam de celular sem antes levá-lo à assistência técnica para saber se é possível consertá-lo.
Quando os aparelhos com problemas são eletrodomésticos (forno de micro-ondas, fogão, geladeira ou freezer e lavadora de roupas), digitais (câmera fotográfica, computador e impressora) e eletrônicos (televisão, DVD e blu-ray), os consumidores tendem a procurar mais a assistência: 77%, 73% e 56%, respectivamente.
Para Michele Afonso, gerente de análise da Market Analysis, a ausência de assistências técnicas de determinadas marcas em algumas cidades e a ineficiência das existentes podem justificar a baixa procura pelo serviço. Em 2012, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), órgão do Ministério da Justiça, fez um levantamento para verificar a quantidade de assistências técnicas dos cinco maiores fabricantes de celular em todo o país. O resultado, divulgado na edição no 162 da Revista do Idec, contribui para a hipótese levantada por Michele: na maioria dos estados brasileiros, o número de assistências técnicas é ínfimo; em 13, pelo menos uma das principais marcas não possuía nenhum posto. Os piores casos são os das regiões Norte e Nordeste. "Além da escassez de assistências técnicas, as promoções e a rápida modernização dos modelos contribuem para que o consumidor prefira adquirir um novo produto a reparar o que já possui", avalia Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
Dentre os consumidores que buscam a assistência técnica, a maioria acaba comprando outro aparelho, mesmo que opte for fazer o conserto. Já os que desistem de reparar o produto, dão como principal motivo o preço. "É comum considerar que o preço do conserto não vale a pena se comparado ao valor de um aparelho novo e mais moderno", diz João Paulo Amaral, pesquisador do Idec responsável pelo levantamento. A demora para devolver o produto e a falta de peças e de garantia após o conserto também justificam a não contratação do serviço.
Com esta pesquisa, cuja primeira parte foi publicada na edição nº 183, o Idec e a Market Analysis buscaram entender as percepções e os hábitos dos consumidores brasileiros com relação à aquisição, ao uso e ao descarte de eletrodomésticos (forno de micro-ondas, fogão, geladeira ou freezer e lavadora de roupas), eletrônicos (televisão, DVD e blu-ray), aparelhos digitais (câmera fotográfica, computador e impressora) e celulares. Nesta segunda parte, divulgamos os resultados referentes à relação dos consumidores com as assistências técnicas e ao descarte dos aparelhos fora de uso.
Foram entrevistados, por telefone, 806 homens e mulheres, de 18 a 69 anos, de diferentes classes sociais das seguintes cidades: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). Os depoimentos foram colhidos entre agosto e outubro de 2013, e o número de entrevistas foi proporcional à população de cada capital. A margem de erro é de 3,5% para mais ou para menos.