Aparelhos descartáveis?
DURA "DE MENOS"
Para 78% dos consumidores entrevistados, a durabilidade dos produtos é um fator importante na hora da compra. E onde as pessoas buscam informação sobre a durabilidade do produto que pretende adquirir? A metade (51%) deles pergunta ao vendedor. Já 25% preferem pesquisar em sites e fóruns na internet (o percentual é maior entre homens – 34%; jovens – 37%; e pessoas com alto grau de escolaridade – 36%); enquanto 24% questionam amigos, familiares e conhecidos; e 16% pesquisam no site do fabricante. "Chama a atenção que metade dos entrevistados informe-se sobre a durabilidade com os vendedores, que, claramente, não são uma fonte isenta e confiável. Afinal, seu objetivo é vender o produto", comenta Michele Afonso, gerente de análise da Market Analysis.
"O melhor seria buscar essa informação [sobre a durabilidade do produto] com parentes e amigos que possuem o mesmo aparelho", recomenda Oliveira. Ele lembra, ainda, que o Idec vem lutando por uma regulamentação que obrigue os fabricantes a informar ao consumidor qual é a durabilidade dos produtos. Isso ajudaria, por exemplo, a estabelecer um prazo para que as peças de reposição sejam disponibilizadas no mercado depois que o produto sai de linha. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que, depois que o produto para de ser fabricado, deve haver peças de reposição por "tempo razoável". Mas esse período é subjetivo. "O fornecimento deveria ser garantido ao menos pelo tempo médio de vida útil do produto, mas, para isso, é preciso que se saiba quanto tempo eles duram", diz o gerente técnico do Idec.
Ao serem questionados sobre o tempo ideal de duração dos equipamentos, os entrevistados responderam que gostariam que os aparelhos tivessem uma vida útil de dois a três anos a mais do que, de fato, eles têm hoje. Por exemplo, em relação aos telefones celulares, cinco anos seria o tempo ideal (eles costumam durar 2,6 anos). A diferença entre a duração ideal e a real é maior entre os equipamentos portáteis e digitais: a expectativa de durabilidade chega a ser 76% maior do que o que se verifica na prática. Veja acima a comparação entre a duração real e a ideal dos produtos considerados na pesquisa.
SAIBA MAIS
• Veja outros resultados da pesquisa no portal do Idec: www.idec.org.br
• Reflexão sobre a duração dos produtos, resenha sobre o documentário espanhol Comprar, tirar, comprar, publicada na seção Cultura Consumerista da edição n º 164. Acesse: goo.gl/tiRQO2
• Obsolescência programada é tendência, artigo publicado na seção Opinião da edição nº168. Acesse: goo.gl/jkNsfS DESAPEGO
A busca por equipamentos mais atuais e modernos é o principal motivo apontado pelos entrevistados para a substituição, seguido de falta de funcionamento (um em cada três celulares e eletroeletrônicos são substituídos por essa razão) e por defeitos "menores", que não comprometem o funcionamento (três em cada dez eletrodomésticos).
Essa troca motivada pela vontade de ter um equipamento mais moderno é chamada de "obsolescência psicológica". Já quando a substituição ocorre por problemas de funcionamento, a obsolescência é funcional. As mulheres tendem a trocar seus equipamentos por falhas no funcionamento (60%), enquanto os homens são atraídos por novos design e tecnologias mais avançadas (55%). O motivo também varia de acordo com a classe social e a região do país: enquanto consumidores das classes mais baixas (66%) e moradores da região Nordeste (77%) tendem a substituir mais facilmente o equipamento por problemas de funcionamento, os das classes altas (59%) e da região Sudeste (53%) valorizam a atualização tecnológica.
Dentre os entrevistados, 19% afirmaram que, muito provavelmente, em um ano trocarão seus celulares; 14% substituirão seus aparelhos digitais; 8%, os eletroeletrônicos, e outros 8%, os eletrodomésticos. A intenção de troca aumenta quanto mais problemas de funcionamento os atuais aparelhos dos entrevistados apresentaram. A única exceção são os eletrônicos (como televisão, DVD e Blu-Ray), cuja troca não é influenciada pelo aparecimento de defeitos.
"Trocar objetos – não apenas aparelhos eletrônicos, mas roupas, sapatos etc. – por outros mais modernos é uma tendência contemporânea, principalmente entre os mais jovens. Mesmo que os aparelhos durem um determinado período, eles serão trocados antes, porque a modernização da tecnologia está cada vez mais rápida", afirma a doutora em antropologia e professora visitante da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Lívia Barbosa. Oliveira, do Idec, concorda: "Render-se à novidade, sobretudo tecnológica, parece ser um mandamento social predominante hoje, reforçado pela publicidade, que tem sido 100% eficiente. Some-se a isso a dificuldade real que os consumidores enfrentam em consertar seus aparelhos ou resolver problemas com os fabricantes", analisa.
Produtos eletroeletrônicos duram menos do que o esperado pelos consumidores, mas muita gente troca equipamentos que ainda funcionam por novos. É o que mostra uma pesquisa inédita realizada pelo Idec em parceria com a Market Analysis
Você já parou para pensar quanto tempo o seu celular, os eletrodomésticos e os aparelhos digitais e eletrônicos que têm em casa costumam durar? Eles funcionam pelo tempo que você gostaria? De quanto em quanto tempo você os troca? Com essas e outras perguntas, uma pesquisa realizada pelo Idec em parceria com a Market Analysis – instituto especializado em pesquisas de mercado e de opinião – buscou apurar a percepção e os hábitos dos consumidores brasileiros com relação ao ciclo de vida de eletroeletrônicos.
O levantamento, inédito, foi feito a partir de entrevistas com 806 pessoas de nove capitais brasileiras (veja mais detalhes da metodologia no quadro "Como foi feita a pesquisa", abaixo). Os resultados você confere a seguir.
O objetivo da pesquisa era entender as percepções e as experiências dos consumidores com relação à aquisição e ao uso de celulares, aparelhos eletrônicos (televisão, DVD e blu-ray), digitais (câmera fotográfica, computador e impressora) e eletrodomésticos (forno micro-ondas, fogão, geladeira e/ou freezer, e lavadora de roupas). Para isso, foram entrevistados, por telefone, 806 homens e mulheres, de 18 a 69 anos, de diferentes classes sociais das seguintes cidades: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). O número de entrevistados foi proporcional à população de cada capital. O levantamento foi feito entre agosto e outubro deste ano. A margem de erro é de 3,5% para mais ou para menos.
QUANDO OS DEFEITOS APARECEM
Nos últimos sete anos, celulares e computadores têm sido os produtos que mais recebem reclamações nos Procons, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec). Os mesmos aparelhos encabeçam a lista dos que mais dão dor de cabeça aos usuários entrevistados na pesquisa: 17% dos computadores apresentaram problemas duas vezes ou mais e 15%, uma vez; 9% dos celulares deram defeito duas vezes ou mais e 13%, ao menos uma vez. Também têm destaque negativo as lavadoras de roupas e impressoras. "Considerando o tempo médio de posse de computadores (3,1 anos) e de celulares (2,6 anos), podemos supor que, a cada cinco anos, 51,6% de todos os computadores e 42,3% de todos os celulares do país apresentarão algum defeito. Esse dado, por si só, reforça aquilo que chamamos de obsolescência programada", aponta Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
O termo "obsolescência programada" foi usado pela primeira vez para designar a estratégia dos países capitalistas nos anos 1930. A fim de movimentar a economia pós-crise de 1929 e desencalhar o grande estoque de produtos nos portos, fábricas e armazéns, passou-se a diminuir o ciclo de vida útil dos produtos, de modo a garantir um consumo contínuo. Ou seja, os consumidores seriam obrigados a descartar os produtos adquiridos em um prazo muito menor do que antes e a substituí-los por novos, que, por sua vez, também tiveram sua durabilidade reduzida.
Para o consultor ambiental Felipe Andueza, essa prática persiste. "Parece mesmo haver um pacto entre os fabricantes para que os produtos durem menos do que antigamente, forçando o consumidor a adquirir novos itens de tempos em tempos", afirma, complementando que, hoje, a estratégia também se sofisticou. "Além de artigos menos duradouros, as empresas têm apelado para o desejo de consumo, lançando produtos mais tecnológicos e com design diferente a todo o momento. Eu não sei aonde isso vai parar".
Esse ciclo acaba gerando um grave problema, não apenas para os consumidores, que precisam gastar mais, mas para o país, já que o aumento do lixo eletrônico, que é tóxico, tem provocado impactos ao meio ambiente e à qualidade de vida da população mundial. "Os resultados da pesquisa comprovam a existência da obsolescência programada e nos alertam para os riscos que ela oferece. Não é à toa que a Política Nacional de Resíduos Sólidos [PNRS] prevê a redução da geração de resíduos", diz João Paulo Amaral, pesquisador do Idec.