Reféns das operadoras
SEM OPÇÃO
Outra constatação preocupante do Idec é de que não existem decodificadores à venda no varejo brasileiro. Todos os aparelhos são fabricados sob encomenda das operadoras. Ou seja, a única maneira legal de se conseguir um decodificador é por meio da mesma empresa que já oferece o sinal da televisão por assinatura. Na prática, resta pouca opção ao consumidor, a não ser aceitar as imposições das operadoras ou entrar na Justiça – embora as decisões sobre o tema ainda sejam controversas (saiba mais no quadro acima).
Mesmo as lojas especializadas em eletrônicos, como as da rua Santa Ifigênia, na capital paulista, não têm esses aparelhos à venda. Aliás, algumas até os comercializam, mas clandestinamente, sem nota fiscal. Os vendedores dão a entender que esses produtos são roubados. Buscas na internet também podem direcionar o consumidor a sites que vendem produtos usados e/ou seminovos, mas nunca de forma oficial.
Aliás, "desbloqueadores de canais", esses sim, podem ser facilmente encontrados à venda. São aparelhos que, uma vez que recebem qualquer sinal da operadora, dão acesso à grade completa de programação. Mas, obviamente, eles são ilegais.
Consultada por esta reportagem, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos se pronunciou por meio de nota: "De acordo com os nossos associados, os decodificadores de TV por assinatura são fabricados por encomenda das operadoras e não são vendidos no varejo".
E a Anatel, que é responsável pela homologação dos aparelhos, também afirmou por meio de nota que "as fabricantes só apresentaram para homologação os modelos de equipamentos solicitados e customizados pelas prestadoras de TV por assinatura, não disponibilizando equipamentos para o varejo". Questionada sobre a ineficácia dos artigos 73 e 76 da resolução 581/2012 diante da ausência de decodificadores à venda no mercado, a Anatel não se pronunciou até o fechamento desta edição.
Outro lado
O Idec comunicou todas as empresas sobre o resultado da pesquisa. A Sky não se manifestou. Veja, a seguir, as respostas:
• GVT: afirma que atende às normas da Anatel, inclusive os artigos 73 e 76, disponibilizando a seus clientes o decoder para a prestação de serviço de TV por assinatura, a título de comodato e, portanto, sem ônus.
• Net: argumenta que o modelo de negócio adotado pela empresa está em perfeita consonância com as determinações legais e regulatórias. Ressalta que a operadora não é fabricante dos decodificadores e que, desta forma, caso os equipamentos sejam disponibilizados por seus fabricantes para aquisição no varejo, poderão ser adquiridos por qualquer interessado.
• Vivo: afirma que o cliente pode optar por utilizar o próprio decoder. Caso contrário, tem a opção de solicitar um equipamento fornecido pela Vivo, sem qualquer custo.
• Oi: informa que os decodificadores devem atender aos critérios técnicos de segurança elétrica estabelecidos pelo órgão regulador e, também, aos parâmetros de segurança exigidos pela companhia "no intuito de evitar tentativas de fraude contra o serviço".
Pesquisa do Idec mostra que regra da Anatel para que o consumidor possa comprar seu próprio decodificador de TV por assinatura e ficar livre da cobrança de ponto extra é ineficaz
Imagine que você seja assinante de um jornal impresso e que seu plano de assinatura só permita que o jornal seja lido em um único cômodo. Na sala, digamos. Se você quiser ler na copa, tudo bem, desde que se disponha a pagar a mais por essa "comodidade". Ou, para adaptar esse bizarro exemplo às novas tecnologias, imagine que você seja assinante da versão digital desse jornal. No entanto, o contrato só permite que as notícias sejam apreciadas a partir do seu computador de mesa. Se quiser ler o jornal no quarto, usando um tablet ou um notebook, também será necessário desembolsar alguns caraminguás a mais.
As histórias acima lhe parecem surreais? Pois era mais ou menos isso o que acontecia com os pacotes de televisão por assinatura. O consumidor pagava por um serviço (o acesso à programação), mas só podia assistir a essa programação em um único aparelho televisor. Se quisesse ter o chamado ponto extra, teria de pagar a mais por isso. "Essa prática era abusiva, pois a operadora cobra duas vezes pelo mesmo serviço – o acesso à programação", explica a advogada do Idec Veridiana Alimonti.
Diante disso, o Idec, por reiteradas vezes, questionou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a necessidade de medidas para impedir a prática. A Anatel, no entanto, vem conduzindo a questão de maneira atabalhoada, ora proibindo, ora "reautorizando" a cobrança do ponto extra (veja mais detalhes na página 23). Resumidamente, a agência "vedou" a exigência de mensalidade pelo ponto extra, mas liberou para as operadoras a venda ou o aluguel do equipamento que faz o meio de campo entre a televisão e a rede: o chamado decodificador. Como o assinante só conseguia o aparelho por meio da operadora, na prática, ficou tudo como era antes.
Até que, em março do ano passado, a Anatel novamente entrou em cena, publicando a resolução 581/2012, que estabelece que o consumidor tem o direito de ter seu próprio decodificador, justamente para não ser obrigado a alugá-lo ou comprá-lo da operadora. Com a ressalva, claro, de que os aparelhos devem ser homologados pela Anatel. Além disso, essa nova resolução estipula que as empresas devem informar ao assinante as características e especificações técnicas dos decodificadores e também as instruções sobre como instalar esses aparelhos. Tudo isso para que o consumidor possa fazer tudo sozinho, sem ficar refém da operadora.
Contudo, uma pesquisa do Idec revela que essas disposições da resolução 581 praticamente não vêm sendo respeitadas pelas principais empresas de televisão por assinatura: GVT, Net, Oi, Sky e Vivo. Além disso, mesmo se as operadoras seguissem todas as regras e informassem adequadamente sobre os equipamentos, isso não resolveria o problema, pois não foram encontrados decodificadores à venda para o consumidor no varejo. Ou seja, toda essa novela sobre o ponto extra ainda não terminou.
Com base nos artigos 73 e 76 da resolução 581/2012 da Anatel, nossos pesquisadores avaliaram os sites, SACs e contratos das empresas GVT, Net, Oi, Sky e Vivo.
Nos sites, foi verificada a presença ou ausência de (i) informações suficientes sobre características e especificações técnicas dos decodificadores necessárias à sua conexão com a rede; (ii) instruções de instalação do decodificador na rede da prestadora; (iii) relação atualizada dos decodificadores tecnicamente compatíveis com sua rede.
Nos SACs e contratos, foi analisado se existe a possibilidade de o assinante usar o seu próprio aparelho decodificador.
O Idec também pesquisou, pela internet e em centros comerciais de venda produtos eletrônicos em São Paulo, se havia decodificadores homologados pela Anatel para compra no varejo.
INFORMAÇÃO INCOMPLETA
Para saber se as operadoras cumprem as regras da nova resolução, o Idec verificou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), os sites e os contratos das quatro empresas. O quesito mais mal avaliado foi o SAC: em todos os contatos feitos com os representantes das cinco empresas, recebemos a informação de que a única opção do consumidor era usar um decodificador cedido pela empresa. A maneira como ocorre essa cessão, claro, depende do pacote adquirido. Pode ser por aluguel, comodato (quando o aparelho é emprestado, sem custo adicional) ou, como costuma acontecer com os planos mais caros, pontos extras que são ofertados em "pacotes promocionais", mesmo que o consumidor não os queira.
Aliás, é sempre bom ponderar: em se tratando de práticas econômicas, não existem milagres. Então, mesmo que não haja uma cobrança explícita pelo aluguel do decodificador, não seria um despautério concluir que esse aparelho, de uma forma ou de outra, está sendo bancado pelo assinante, embutido no valor da mensalidade.
Vejamos o caso de um dos planos da Net. Um pacote com uma dada programação custa R$ 89,90 por mês e dá direito ao ponto principal e a um ponto extra. Se o consumidor não quiser o ponto extra, paciência, o preço será o mesmo. Agora, se ele quiser um segundo ponto, terá de desembolsar R$ 29,90 por mês. Fazendo as contas: em um ano, terá gasto quase R$ 360 só pelo ponto adicional!
Os números vão do céu ao inferno, as contas são estranhas. Se pagar por um ou dois pontos dá na mesma, o preço do terceiro ponto deveria ser zero (ou próximo a zero). Ou, ao contrário, se o terceiro ponto custa R$ 29,90 a mais por mês, ter apenas um ponto, em tese, deveria custar R$ 29,90 mensais a menos... Seguindo essa linha de raciocínio, portanto, tem-se a impressão de que a empresa lucra não apenas com a venda do acesso à programação, mas também com a cessão do decodificador.
Os sites das empresas também deixam muito a desejar. Os de três delas (GVT, Net e Oi) não publicam a relação atualizada dos decodificadores tecnicamente compatíveis com sua rede e também não divulgam as instruções para instalação desses aparelhos (a Net faz isso apenas para um modelo de decodificador).
Os contratos também são recheados de problemas. Muito embora nem sempre sejam explícitos ao proibir o assinante de usar um decodificador próprio (apenas a Oi é enfática nesse sentido), alguns deles preveem que apenas pessoas autorizadas pela prestadora alterem ou manipulem as redes de distribuição de sinal. "Uma vez que a Anatel determina que as operadoras divulguem as instruções de instalação do decodificador, esse serviço não pode ser restrito à elas. Em termos de responsabilização pela qualidade do serviço, é importante que a empresa se disponha a instalar, especialmente se o fizer no mesmo momento da habilitação do ponto principal. Contudo, a regulação da Anatel abre espaço para que esse serviço não seja exclusividade da prestadora", afirma Alimonti. Veja na tabela abaixo os resultados da avaliação.
Com tanta indefinição a respeito do ponto extra, não é surpresa que a questão tenha chegado aos tribunais. Há muitas ações judiciais questionando a cobrança, tanto por consumidores, individualmente, quanto por entidades que defendem os interesses coletivos.
No entanto, as decisões da Justiça ainda são controversas. O Procon-SP, por exemplo, entrou com uma ação civil pública para impedir a cobrança de aluguel do decodificador. Ao julgar o tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) declarou que a cobrança de mensalidade pelo ponto extra é ilegal, mas autorizou o aluguel desde que acordado com o consumidor, nos termos da súmula da Anatel.
Já no Distrito Federal, o TJ local julgou que qualquer cobrança, inclusive o aluguel do equipamento, é abusiva, pois os gastos com o fornecimento de mais equipamentos já são naturalmente repassados aos consumidores.