Fora da agência
Bancos estão deixando de aceitar o pagamento de contas de consumo na "boca do caixa" e encaminhando os clientes para os chamados "correspondentes bancários"
"Nem parece banco". Foi com esse slogan que o Unibanco – que, aliás, nem existe mais, já que se fundiu com o Itaú há alguns anos – tentava convencer os consumidores de que tal instituição financeira era melhor que as outras justamente porque não tinha os defeitos de um banco. Fica evidente a conotação pejorativa atribuída à palavra "banco" – daí o objetivo do paradoxal slogan de desvincular a marca do famigerado vocábulo. Estratégias publicitárias à parte, tal slogan pode também ser interpretado de outra forma. Afinal, muitos bancos, hoje, de fato não se parecem com bancos.
Por exemplo, o que dizer dos que não aceitam o pagamento de contas de serviços públicos, como luz, água e telefone? Pois é o que constata uma pesquisa do Idec com as seis maiores instituições financeiras do país: em 23 das 36 agências visitadas, o pagamento na modalidade "boca do caixa" de contas de ao menos um serviço público foi recusado. Essas 23 agências pertencem a quatro dos seis bancos que fizeram parte da pesquisa: Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander. Os dois bancos que não impuseram restrições em nenhuma das agências foram Banco do Brasil e Bradesco.
A pesquisa também mediu o tempo de espera em filas de caixas desses seis bancos. De modo geral, a conclusão é que o tempo médio de espera diminuiu em relação à última pesquisa que o Idec fez a respeito, em 2008. Naquela ocasião, em oito de 18 situações (44%) o tempo de espera excedeu o limite previsto. Desta vez, só em quatro das 36 visitas (11%) houve demora no atendimento. Duas delas foram em dias de maior movimento (quando o tempo máximo considerado foi de 30 minutos): em uma agência da Caixa, a espera foi de 42 minutos e, em uma unidade do Santander, foi de 34 minutos. As outras duas situações de atraso ocorreram em dias normais (o limite estipulado foi de 20 minutos): 32 minutos em uma agência do Bradesco e 42 em uma do HSBC.
Essas duas previsões máximas de espera, diga-se, foram estipuladas pelas próprias instituições financeiras, por meio do Normativo de Autorregulação nº 4/2009 da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Esse documento estipula que, nos municípios em que não houver lei que regule o assunto, o limite maior, de 30 minutos, é aplicado a dias de pagamento e vésperas de feriados ou dias seguintes a feriados. O limite de 20 minutos vale para os demais dias. A norma foi elaborada em conjunto com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça.
O município e o estado de São Paulo chegaram a aprovar leis mais rígidas, com tempo de espera máximo de 15 minutos para dias normais, mas elas foram suspensas por determinação judicial. Basicamente, a Justiça concordou com o argumento dos bancos, segundo os quais apenas o poder executivo federal poderia regular o assunto, o que torna as leis inconstitucionais. Outros lugares continuam com leis específicas vigorando (veja mais detalhes no quadro na página 23).
"Apesar do resultado aparentemente favorável, esse desempenho não pode ser tomado como regra para o país, pois as visitas foram realizadas na cidade de São Paulo, onde a concentração de agências bancárias é maior", esclarece Ione Amorim, economista do Idec responsável pela pesquisa. O número de reclamações sobre demora em filas de banco reforça essa suspeita. Em 2009, o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec, ligado ao Ministério da Justiça), que reúne dados de Procons do país, registrou 2.901 queixas sobre o assunto. Em 2012, o número foi de 5.775 e, apenas entre janeiro e maio deste ano, de 3.265. Em que pese o aumento do número de Procons integrados ao Sindec nos últimos quatro anos, se a média mensal se mantiver em 2013, o ano fechará com 7.836 queixas, um aumento de 170% ante 2009. Além disso, a demora no atendimento é assunto corriqueiramente tratado por veículos de comunicação. No mês passado, uma emissora de televisão mostrou que, em uma agência da cidade de Ponta Porã (MS), o tempo de espera foi de quase três horas.
Outro ponto a ser considerado é que existe uma relação direta entre os dois resultados da pesquisa: a partir do momento em que bancos deixam de aceitar pagamentos na boca do caixa, é evidente que as filas nas agências tendem a diminuir. E aí o uso de canais alternativos às agências ganha destaque; por exemplo, caixas eletrônicos, internet e pagamento via débito automático. Até aí, nada grave, já que provavelmente muitos consumidores até preferem fazer uso dessas novas tecnologias.
No entanto, outra via de acesso ao sistema bancário vem ganhando muita força: são os chamados "correspondentes bancários"; isto é, guichês que não pertencem aos bancos, localizados fora das agências e que oferecem alguns serviços bancários. Os mais conhecidos são as casas lotéricas, mas eles também estão presentes em agências dos Correios e estabelecimentos comerciais diversos, como supermercados, padarias e até açougues. Ou seja, as filas das agências também estão sendo substituídas por outras filas – considerando que, para muita gente, o atendimento presencial é a única maneira de ter acesso a esses serviços financeiros, seja por não ter acesso à internet ou por não ter familiaridade com sistemas eletrônicos.
Entre 24 de maio e 7 de junho, voluntários do Idec visitaram 36 agências bancárias, seis de cada instituição avaliada — Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander —, espalhadas pelas cinco regiões da cidade de São Paulo (Centro e Zonas Norte, Sul, Leste e Oeste). Para cada banco, houve duas visitas em dias normais, duas em dia de pagamento e duas em véspera de feriado ou pós-feriado. As visitas às agências ocorreram sempre simultaneamente em cada uma das regiões.
A equipe de voluntários foi treinada a fim de assegurar uma uniformidade dos dados coletados. Cada voluntário portava dez contas de consumo de serviços de energia elétrica, água, gás e telefonia, além de boletos de mensalidade de universidade e planos de saúde, entre outros. As contas foram entregues ao funcionário do caixa para que ele identificasse quais contas poderiam ter ou não o pagamento efetuado no ato. Em caso de recusa, foi perguntado o motivo.
As seis casas lotéricas avaliadas estão localizadas na Zona Oeste da capital.
SOLUÇÃO OU PROBLEMA?
O crescimento do número de correspondentes bancários é impressionante. Segundo a Febraban, em 2000 eles eram 13.731 em todo o país. Em 2011 (dado mais recente disponível), o número saltou para 160.943: aumento de 1.072%! Nesse mesmo período, o número de agências pulou de 16.590 para 21.278 – crescimento bem mais modesto, de 28%.
Uma análise mais superficial poderia resultar em uma leitura otimista da situação, considerando que quanto mais correspondentes, melhor, pois há mais opções para o consumidor. No entanto, é preciso que se faça uma análise mais atenta. A disseminação dos correspondentes bancários, da forma como vem ocorrendo, traz ao consumidor mais prejuízos do que benefícios.
"O principal problema é que os correspondentes bancários não contam com a mesma estrutura de segurança e conforto das agências (como portas giratórias com detector de metal, cadeiras e ambientes climatizados)", destaca Ione. Casas lotéricas, por exemplo, frequentemente têm sido assaltadas. O Idec entrou em contato com a assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal (à qual as lotéricas são submetidas) para saber se existe um levantamento sobre esse assunto. A resposta foi: "Sim, mas a Caixa não divulga o número".
Além disso, correspondentes bancários ficam em uma espécie de "limbo jurídico", já que não são bancos e, portanto, não necessariamente devem respeitar as normas bancárias, como as que regulam o tempo máximo de fila ou mesmo as regras de segurança estabelecidas pela lei no 7.102/1983 para as agências.
Em maio, a Justiça do Trabalho do Piauí determinou que os Correios instalem dispositivos de segurança para que as agências da empresa no estado continuem exercendo atividades de correspondente bancário. No ano passado, foram registrados ao menos 110 assaltos a unidades dos Correios no Piauí. O número expressivo certamente está ligado ao fato de as agências estarem se tornando correspondentes bancários. "Os Correios alegam que não são bancos, mas apenas correspondentes bancários, e não têm alguns elementos que poderiam dificultar a ação dos bandidos e ajudar nas investigações da polícia", afirmou a um portal de notícias o delegado da Polícia Federal Reinaldo Campelo.
A pesquisa do Idec inicialmente previa verificar os tempos das filas apenas de agências bancárias. No entanto, como os funcionários dos bancos que recusaram o pagamento de contas orientaram a ida às lotéricas, a pesquisa incluiu o tempo de espera nesses correspondentes. Foram visitadas seis lotéricas, todas no mesmo dia. O tempo médio de espera foi de dez minutos; o maior, de 17 minutos. No entanto, o Idec suspeita que, novamente, esse tempo não reflete a realidade de outros municípios. Aliás, notícias sobre quedas de sistema nas lotéricas também são frequentes.
Apesar de as leis em São Paulo terem sido suspensas, centenas de outros lugares contam com legislação específica sobre o assunto. Ou seja, não há uma jurisprudência única, já que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) vem julgando constitucionais as leis de algumas cidades. Para saber se na sua cidade ou estado existe uma lei que limita o tempo de espera em filas de banco, entre em contato com a Câmara de Vereadores ou a Assembleia Legislativa. Cidades como Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS) e Recife (PE) figuram entre as que têm "lei da fila". Em novembro de 2011, a Febraban informou à Revista do Idec que, a partir de 2012, seria criado um órgão independente para supervisionar o cumprimento das regras de autorregulação e aplicar sanções. A Febraban foi novamente consultada agora, e a resposta foi: "A ideia de criar um órgão independente persiste no escopo de trabalho da entidade, mas o projeto foi adiado para 2014".
O QUE ESTÁ EM JOGO
Os bancos estão deixando de aceitar o pagamento de contas de concessionárias de serviços públicos porque os contratos firmados entre essas duas partes não estão sendo renovados. Por quê? Por questões comerciais – ou seja, para pelo menos uma das partes, oferecer a opção de pagamento na boca do caixa não é comercialmente interessante. "Cada instituição financeira negocia as cláusulas [do contrato] de acordo com a sua estratégia comercial", afirma Gustavo Marrone, diretor de autorregulação da Febraban. Em nota, a Eletropaulo expôs essa mesma linha de raciocínio ao tentar justificar o fim do contrato entre ela e os bancos Itaú e Santander. Vale destacar que, no levantamento do Idec, as contas de luz foram as mais recusadas. Questionada sobre o fato de as agências da Caixa e do HSBC também terem recusado pagamento de energia elétrica durante a pesquisa, a Eletropaulo afirmou que os contratos com esses bancos continuam valendo. Portanto, tais bancos não poderiam ter recusado o recebimento desses títulos.
Pode-se concluir, portanto, que os contratos que estão sendo firmados entre as concessionárias e os correspondentes bancários são comercialmente viáveis – ou menos onerosos. A pergunta que fica, assim, é por que isso acontece. As medidas de segurança exigidas para correspondentes bancários são menos rígidas? Os bancos se responsabilizam por ocorrências que ameacem a segurança dos usuários dos correspondentes bancários? Questionada, a Febraban afirmou que essas respostas devem ser dadas pelos próprios bancos – e não por ela, que, ora, congrega os bancos.
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), toda essa história pode ser resumida em "terceirização dos serviços bancários". Ganham os bancos, portanto, pois cortam despesas com folha de pagamento, segurança e manutenção das agências. Juvandia Moreira Leite, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SP Bancários), acrescenta: "Nós sabemos que os bancos estão fazendo esse esforço de tirar o cliente de dentro das agências, principalmente os de baixa renda. Eles estão preocupados em reduzir custos, não em melhorar o atendimento", critica.
Esse processo de terceirização, segundo a Contraf, traz ainda os seguintes problemas: falta de fiscalização e informação adequada ao consumidor, maior risco de endividamento excessivo e de fraudes, precarização das relações trabalhistas, não observância do sigilo bancário e piora na qualidade dos serviços prestados.
Portanto, fica claro que outras maneiras de o consumidor se relacionar com os bancos podem ser fomentadas, mas elas não podem substituir o atendimento físico nas agências. Aliás, outros canais alternativos também apresentam suas falhas. É comum encontrar caixas eletrônicos fora de serviço ou muito antigos, lentos. E o débito automático não é opção das mais seguras, já que muitas empresas (de telefonia, por exemplo) costumam fazer cobranças indevidas.