Quem contaminou o meu queijo?
FÁCIL DE CONTAMINAR
O queijo minas frescal é muito suscetível à contaminação. “O alto teor de gorduras e de proteínas é um prato cheio para as bactérias, que se alimentam desses nutrientes. E, além disso, a umidade típica do lácteo facilita a proliferação dos microrganismos”, explica Diversi. Não é à toa que vários testes e estudos acadêmicos de diferentes instituições sempre identificam amostras não conformes.
Por essa facilidade de contaminação, além de cuidados sanitários durante a fabricação, o queijo minas frescal exige um rigoroso controle da temperatura de conservação. “A refrigeração adequada, que reduz a proliferação de bactérias, é fundamental para manter a vida útil do queijo. No entanto, a temperatura correta é capaz de frear, mas não de impedir a reprodução de microrganismos. Logo, não dá para saber se a culpa pela contaminação é somente de quem produziu ou também de quem comercializa o queijo”, aponta o biólogo consultor do Idec. Vale lembrar que, pela legislação, o alimento pode ter uma quantidade baixa de coliformes, sem apresentar riscos à saúde do consumidor. “A conservação em temperatura adequada serve para manter esse padrão. Mas o ideal é que o fabricante garanta que o produto saia com a menor quantidade possível de microrganismos”, aponta Mayara, do Mapa. De acordo com ela, a responsabilidade pela qualidade sanitária dos alimentos é compartilhada, ou seja, é tanto do fabricante quanto do comerciante.
SAIBA MAIS
Reportagem “O que os olhos não leem, o corpo não sente?”, publicada na edição nº 175 da Revista do Idec http://goo.gl/MaaGR
Cuidados essenciais no supermercado
- Deixe para pegar o queijo (e outros alimentos congelados e resfriados) por último;
- Observe se a geladeira está bem conservada, limpa e não abarrotada de produtos. Se houver acúmulo de água no chão, perto dos refrigeradores, pode ser indício de que o equipamento não está funcionando corretamente.
Confira as datas de fabricação e validade, e dê preferência aos produtos fabricados mais recentemente;
- Analise a cor do queijo e do soro (se ele estiver leitoso, em vez de ligeiramente amarelado e límpido, é sinal que não foi conservado ou manuseado adequadamente), o cheiro e, se o produto for fatiado, se não apresenta pequenos buracos.
- Não compre produtos inchados ou estufados.
- Mesmo que o queijo esteja em promoção, não compre mais do que você e sua família conseguirão consumir antes do prazo de validade expirar.
- Leve uma caixa ou bolsa térmica para transportar o produto do supermercado até a sua casa;
Cuidados essenciais em casa
- Antes de abrir a embalagem, lave-a com água e detergente. A sujeira do pacote pode contaminar o queijodurante a abertura.
- Tire o produto da embalagem original, jogue o soro fora (quanto mais úmido, mais fácil é a proliferação de bactérias), acondicione-o num pote com tampa e feche bem.
- Após aberto, consuma o queijo dentro do prazo de validade indicado no rótulo (geralmente de três dias). Justificativas das empresas
O Idec enviou o resultado das duas partes do teste (a publicada na edição passada e nesta) a todas as empresas envolvidas.
Os fabricantes dos queijos Almeida, Almeida Light, Cascata e Vernizzi enviaram laudos de análises de laboratórios por eles contratados que diferem dos resultados que encontramos. Isso não significa que as análises do Idec estajam erradas e as das empresas certas. O Instituto tomou as medidas necessárias para conservação na coleta e transporte dos queijos, bem como a guarda adequada de amostras para contraprovas, além de utilizar serviços de laboratórios credenciados e reconhecidos pelo Ministério da Agricultura. “Uma análise laboratorial restringe-se sempre a determinada amostra de um lote específico, mas aponta, inequivocamente, para resultados balizados por parâmetros consolidados. Cabe às autoridades sanitárias e da agricultura esclarecer, mediante novas análises, as condições atuais dos queijos”, ressalta Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Idec.
Adicionalmente, a Vernizzi informou que o número de amostras analisadas deveria ser pelo menos cinco, questionou a temperatura de armazenamento no ponto de venda e o transporte das amostras até o laboratório.
A responsável pelas marcas Almeida e Almeida Light disse que, em janeiro deste ano, substituiu a empresa terceirizada que produz os queijos, pois já havia identificado problemas no processo de fabricação. O fabricante do Santiago Light não respondeu. Teste com 25 amostras de queijo minas frescal identificou coliformes fecais acima do limite permitido em cinco delas.
Não bastasse ser mais gorduroso e ter menos proteínas do que declara, o queijo minas frescal ainda pode provocar intoxicação alimentar. Na edição passada, divulgamos a primeira etapa do teste realizado pelo Idec com 25 amostras desse produto. Identificamos que todos os queijos analisados informam incorretamente a quantidade de nutrientes que contêm. Nesta segunda fase, a análise microbiológica constatou que cinco deles também estavam contaminados com coliformes fecais (microrganismos presentes nos intestinos humano e animal): Almeida, Almeida Light, Cascata, Santiago Light e Verinizzi (veja quais foram os queijos testados no quadro na página 22).
Diante de tantas notícias ruins, a boa é que pelo menos nenhum outro microrganismo patogênico foi detectado. Em compensação, o nível de contaminação por coliformes originários de fezes foi alto. Para o produto ser seguro para o consumo, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) no 12/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que trata do controle sanitário de alimentos, estabelece limite de até 500 Unidades Formadoras de Colônia (UFC) por grama de alimento. As cinco amostras reprovadas têm quantidade dez vezes superior: foram identificadas mais de 5.600 UFC de coliformes fecais em cada grama dos produtos. “Os queijos contaminados representam risco real à saúde de quem os consumir”, aponta Murilo Diversi, biólogo consultor do Idec. De acordo com ele, a intoxicação alimentar causada por coliformes fecais pode causar diarreia (às vezes com sangue), vômito, dor de estômago, gases, dor abdominal e até infecção urinária ou nos rins. “Quanto mais pedaços do lácteo forem ingeridos, maior a chance de quem comeu passar mal. Crianças, idosos e pessoas com baixa resistência imunológica são mais vulneráveis”, ele explica.
A contaminação por coliformes fecais está ligada a más condições de higiene, principalmente de quem manipula os alimentos. Contudo, todos os queijos avaliados têm o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responsável pela fiscalização da fabricação de produtos alimentícios de origem animal, o que, em tese, deveria garantir a sua qualidade sanitária. Como isso é possível?
Segundo Mayara de Souza Pinto, chefe substituta da divisão de leite e derivados do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), do Mapa, os fabricantes devem fazer análises microbiológicas frequentes para atestar a qualidade de seus produtos. De acordo com ela, os órgãos de inspeção agropecuária estaduais são os responsáveis por coletar periodicamente amostras dos alimentos para verificar se o controle feito pela empresa está adequado. Se algum problema for constatado, o governo exige o recolhimento dos produtos, multa o fabricante e, dependendo da gravidade da falha, suspende a produção. Mayara informou que o Mapa vai analisar o resultado do teste realizado pelo Idec e solicitar que os órgãos estaduais fiscalizem as empresas envolvidas.
O objetivo da análise microbiológica, feita com base na RDC no 12/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi verificar a qualidade higiênico-sanitária dos queijos minas frescal, especialmente em relação a microrganismos patogênicos de reconhecida importância à saúde pública, como o Escherichia coli (E. coli), o Staphylococcus aureus (S. aureus) e suas toxinas (substâncias tóxicas resultantes do metabolismo do microrganismo, como a Salmonella).
Foram avaliadas 25 amostras de 15 marcas: Almeida, Almeida Light, Cana do Reino, Cascata, Cascata Light, Cristina, Cristina Light, Cruzília, Dia, Dia Light, Fazenda Bela Vista, Ipanema, Ipanema Light, Montesanina, Puríssimo, Puríssimo Light, Quatá, Quatá Light, Santa Clara Redução de 85% de Sódio, Santa Clara Sanbios, Santiago, Santiago Light, Tirolez, Tirolez Light e Vernizzi.
Esse teste foi realizado com o apoio do Fundo de Direitos Difusos (FDD), do Ministério da Justiça.