Tempo encolhido
Pesquisa do Idec revela que as principais lojas de eletroeletrônicos do país não respeitam os prazos previstos pelo CDC para se reclamar de produtos com defeito
Produto comprado, entregue, funcionando normalmente. Mas eis que, de uma hora para outra, aparece um defeito. O que fazer? Ligar para a assistência técnica do fabricante ou reclamar na loja onde a mercadoria foi adquirida? A resposta é: o consumidor pode escolher o que lhe for mais conveniente. Segundo o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os fornecedores respondem solidariamente pelos defeitos que os produtos venham a apresentar.
Outro artigo, o 26, estipula os prazos para reclamação (também conhecidos como “garantia legal”): 30 dias para produtos não duráveis e 90 dias para produtos duráveis (eletrodomésticos e eletroeletrônicos, por exemplo). Esses prazos começam a valer a partir da data em que o produto é entregue (caso o vício seja aparente, ou seja, de fácil constatação) ou a partir do momento em que o defeito aparece (isso vale para o que se chama de “vício oculto” – problemas que surgem após certo tempo de uso).
As prerrogativas do CDC mencionadas no parágrafo acima, no entanto, raramente são respeitadas pelas lojas brasileiras. É o que revela a pesquisa feita pelo Idec com as seis principais redes varejistas de eletrodomésticos e eletrônicos do país: Casas Bahia, Fast Shop, Insinuante, Magazine Luiza, Ponto Frio e Ricardo Eletro. Os prazos para reclamação estabelecidos por essas lojas variam de dois a sete dias – veja o quadro da página 24. Após esse período, as empresas orientam o consumidor a procurar o fabricante do produto. Portanto, se você pretende presentear a sua mãe com um eletroeletrônico no próximo Dia das Mães, que será celebrado em 12 de maio, leia esta reportagem para saber como e quando ela poderá reclamar se o produto estiver com defeito.
Poder reclamar na loja que vendeu o produto não é capricho. Geralmente, é muito mais fácil encontrar uma dessas grandes redes varejistas do que uma assistência técnica. E, muitas vezes, a assistência técnica não resolve o problema. A cientista social Natália Suzuki adquiriu, em 4 de novembro de 2012, uma adega de vinhos da marca Electrolux, na Fast Shop. Após o produto apresentar um problema, em meados de janeiro deste ano, ela entrou em contato com a rede autorizada do fabricante. Um técnico identificou a causa do defeito e concluiu que seria necessário trocar uma peça, mas ela está em falta. Passados 30 dias, a adega não foi consertada, e agora Natália está tentando recorrer ao fornecedor da mercadoria, a Fast Shop, mas o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) informou que o caso deveria ser resolvido pelo fabricante. Após a consumidora insistir e mencionar o CDC, a empresa ficou de analisar a situação e dar uma resposta em até cinco dias úteis. No entanto, até o fechamento desta edição, nenhum funcionário havia entrado em contato com Natália A TROCA NÃO É OBRIGATÓRIA
É importante deixar claro que fornecedores e fabricantes nem sempre são obrigados a trocar um produto defeituoso imediatamente. Segundo o CDC, o vício deve ser sanado em 30 dias. Somente passado esse prazo, o consumidor pode escolher entre receber um produto novo, o dinheiro de volta ou o abatimento proporcional do preço. Outro prazo pode ser combinado entre as partes, desde que não seja inferior a sete dias nem superior a 180.
Mas existem exceções. O consumidor pode exigir a troca imediata do produto, a devolução do dinheiro ou o abatimento proporcional de preço nas seguintes situações: se for um “produto essencial”; se a troca das peças com defeito puder comprometer a qualidade ou características do produto ou diminuir o seu valor. “O CDC não especifica quais seriam esses produtos essenciais. Tudo vai depender do produto e do uso que o consumidor faz dele”, explica Mariana Alves Tornero, advogada do Idec. Por exemplo, geladeiras podem ser consideradas bens essenciais, pois é praticamente inimaginável ficar sem uma por um curto período de tempo. O mesmo pode-se dizer de computadores e celulares. Já uma adega de vinhos não é imprescindível. Mas logo o consumidor saberá quais produtos são essenciais, já que a presidente Dilma Rousseff exigiu que o governo, em parceria com o setor privado, divulgue até o dia 15 deste mês uma lista com 30 produtos que, se comprados com defeito, devem ser trocados imediatamente.
Foi justamente por julgar que a adega não é um produto essencial que Natália Suzuki teve certa paciência em esperar o conserto. Vale também dizer que ela recorreu inicialmente à assistência técnica do fabricante (e não à loja onde comprou o produto) porque a seguinte mensagem estava anexada à nota fiscal da mercadoria: “Regras para troca: em até sete dias após a entrega, se o produto apresentar defeito, a troca poderá ser efetuada em qualquer das lojas Fast Shop (...), desde que ausentes avarias ou danos aparentes, sem laudo técnico ou procedimento de garantia (...). Essa troca em sete dias, nas lojas, é um especial benefício aos nossos clientes, independentemente dos termos e prazos das garantias legal e/ou contratual previstas pa- ra o produto (...)”.
Essa política da Fast Shop é praticamente a mesma das outras empresas avaliadas. Esses estabelecimentos fazem mais do que prevê o CDC ao estarem dispostos a trocar o produto antes mesmo de tentar consertá-lo – conforme já explicado, a troca imediata nem sempre é dever do fornecedor ou fabricante. Mas fazem muito menos ao estipularem um prazo de reclamação de poucos dias, nitidamente inferior ao previsto por lei. Na prática, essas lojas querem “se livrar” do consumidor o quanto antes, diferentemente do que dão a entender suas mensagens publicitárias.
Das lojas avaliadas, as Casas Bahia e o Ponto Frio são as únicas que recebem reclamações em prazos maiores, mas apenas para alguns produtos, como geladeiras, fogões e máquinas de lavar roupas: a queixa pode ser registrada em até 12 meses após a entrega do produto. Para isso, é preciso ligar para o SAC, “abrir um chamado” e aguardar a visita de um técnico enviado pelo fabricante, prometida para até cinco dias úteis. Assim, a troca de produtos essenciais não é feita imediatamente, o que contraria o CDC.
-O consumidor pode escolher se quer reclamar ao fabricante ou ao fornecedor, pois ambos são responsáveis pela solução do problema.
-Os fornecedores e fabricantes são obrigados a trocar imediatamente apenas produtos considerados essenciais, como geladeira e fogão.
- A troca de produtos não essenciais pode ser solicitada quando o reparo não for feito em até 30 dias.
Bens duráveis
- Eletrodomésticos, eletrônicos, carros etc.
Prazo para reclamação: 90 dias
Bens não duráveis
- Alimentos, bebidas, medicamentos etc.
Prazo para reclamação: 60 dias
Vício (ou defeito) aparente
- Detectados facilmente, por exemplo, risco, amassado, peça faltando etc.
Prazo para reclamação: começa a ser contado a partir da data de entrega
Vício (ou defeito) oculto
- Somente é percebido após o uso, por exemplo, mau funcionamento.
Prazo para reclamação: passa a valer a partir do momento em que o problema é detectado pelo consumidor.
DESRESPEITO AO CDC
Outro afrontamento ao CDC diz respeito aos vícios aparentes: como já dito, o consumidor tem 90 dias, contados a partir da entrega da mercadoria, para reclamar de um defeito visível. Portanto, ele deve refutar o provável argumento do fornecedor de que uma troca não pode ser feita ou um produto não pode ser consertado gratuitamente porque tem avarias ou danos aparentes. Algumas lojas pedem ao consumidor que assine um termo atestando que o produto entregue está “perfeito”. O ideal é não assinar esse documento ou colocar uma observação dizendo que a verificação completa do produto não pôde ser feita. Em todo o caso, a natureza de documentos como esse é questionável, justamente porque, como o CDC prevê o prazo de 90 dias, o consumidor não é obrigado a analisar a mercadoria na hora da entrega. Mas, uma vez assinado, as lojas podem tentar usar esse termo contra o consumidor.
Outra confusão comum, feita até mesmo por atendentes dos SACs, é que o prazo de sete dias para reclamação está, sim, previsto pelo CDC, em seu artigo 49. De fato, esse artigo prevê o prazo de sete dias, mas para que o consumidor que tiver feito transações fora do estabelecimento comercial (pela internet ou pelo telefone, por exemplo) se arrependa da compra. Portanto, nada tem a ver com os prazos para se reclamar de produto com defeito.
Para evitar dor de cabeça
- Verifique se o produto está em ordem no momento da entrega; reclamar de um defeito depois geralmente é mais difícil.
- Recuse-se a assinar termos que atestam que o produto está perfeito, ou coloque uma observação dizendo que não pôde verificar tudo.
- Estude bem os artigos 18 e 26 do CDC. São eles que garantem seus direitos relacionados a produtos com defeito.
Após consultar o site e o SAC das empresas para verificar os prazos para reclamação, o Idec entrou em contato com as assessorias de imprensa para pedir um posicionamento. A Fast Shop foi a única que não respondeu. As demais, a despeito do que demonstrou a pesquisa do Idec, disseram que respeitam os prazos do CDC.
- Casas Bahia e Ponto Frio: afirmaram que “observam os prazos e direitos estabelecidos no CDC” e que “como forma de garantir um benefício extra aos consumidores oferecem a troca imediata do produto com problema funcional aparente no prazo de 72 horas após a compra”.
- Magazine Luiza: alegou que “os prazos informados são para troca e/ou cancelamento das mercadorias” e que “nas lojas físicas, além da obrigação legal, concede prazo de quatro dias para troca de produtos que apresentem vício de fabricação. Essa prática é um benefício ao consumidor, uma vez que não possui previsão legal”.
- Ricardo Eletro e Insinuante: disseram que cumprem todos os prazos estabelecidos pelo CDC.