Pouco cacau
NORMA POUCO RIGOROSA
O teor de cacau mínimo (25%) estipulado pela Anvisa já foi maior.
Uma Resolução da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos (CNNPA), de 1978 (revogada em 2005), estabelecia que o “piso” de cacau deveria ser de 32% para qualquer tipo de chocolate. Especula-se que essa redução tenha ocorrido por pressão dos fabricantes. Há que se considerar também que o volume de cacau produzido no Brasil despencou devido à chamada “vassoura de bruxa”, um fungo que ataca os cacaueiros.
A norma atual contém ainda outro retrocesso: a inexistência de um limite para a adição de “gorduras equivalentes” (gorduras com propriedades físicas e químicas muito parecidas com as da manteiga de cacau, mas que não são de cacau). A norma anterior proibia qualquer adição de “gordura e óleos estranhos” ao chocolate. “Foi uma mudança brutal de legislação, o que certamente fez com que a qualidade do nosso chocolate caísse”, afirma Priscilla Efraim, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (Unicamp) e especialista em cacau. Ela aponta outro problema: “Não existem métodos analíticos para aferir se o teor mínimo é respeitado, principalmente porque quase todas as empresas usam essas gorduras parecidas com as do cacau. Assim, só nos resta acreditar que ao menos os 25% são respeitados”, ela diz.
A Anvisa alega que a legislação atual está fundamentada em um documento do Codex Alimentarius, fórum internacional de normatização do comércio de alimentos estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse documento há, realmente, menção a um teor de cacau mínimo de 25%. No entanto, esse percentual é válido apenas para chocolates ao leite. Se a denominação do produto for apenas “chocolate”, o teor mínimo recomendado aumenta para 35%.
Procuramos a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), mas ela não se pronunciou até o fechamento desta edição.
EM BUSCA DO TEOR DE CACAU
Partindo da premissa de que os fabricantes cumprem a norma da Anvisa e de que os chocolates avaliados têm, no mínimo, 25% de cacau em sua composição, o primeiro passo foi verificar o rótulo dos produtos. Missão difícil: entre os chocolates ao leite, apenas os da Cacau Show têm o percentual de cacau estampado na embalagem. As outras dez não fazem nenhuma menção à quantidade do fruto. “Seria muito importante que o teor de cacau viesse impresso no rótulo. Fica a sensação de que essa informação é uma estratégia de marketing, usada apenas quando isso é conveniente aos fabricantes”, opina Ana Paula Bortoletto Martins, nutricionista do Idec.
Ainda não existe nenhuma lei que obrigue as empresas a colocarem esse dado na embalagem, mas, para o Instituto, seria razoável que essa iniciativa partisse dos próprios fabricantes.
O teor de cacau também não é estampado nas embalagens de muitos chocolates meio amargo e amargo. Dos oito chocolates meio amargo pesquisados, apenas três têm a preciosa informação indicada no rótulo: Cacau Show, Hersheys e Arcor. E entre os onze de chocolate amargo, dois não têm o dado: os tabletes de 40 e 85 g da Kopenhagen, e os tabletes de 20 e 100 g da Brasil Cacau (marcas que pertencem ao mesmo grupo).
O Idec foi então atrás do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas que não divulgam o teor de cacau na embalagem. Mais uma missão inglória. Apenas o Carrefour e o Dia revelaram os dados pedidos. Nas outras, ou o atendente disse que não dispunha da informação, ou que retornaria o contato posteriormente (o que acabou não sendo feito). Ou, pior, afirmou que esse dado é “segredo de fábrica”. O Idec considera que saber o teor de cacau de um produto que, oras, é feito de cacau não é um pedido de outro mundo. É uma informação básica, essencial e útil para quem está preocupado com o sabor e com a qualidade do produto que consome. E nunca é demais lembrar: o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6o, prevê que é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição (...)”. Essas empresas que usaram o argumento do “segredo de fábrica”, depois de alguma insistência do pesquisador, acabaram citando a norma da Anvisa. Afirmaram, assim, que seus produtos seguem a legislação e que têm, portanto, ao menos 25% de cacau.
A tentativa final para se conseguir o áureo teor de cacau foi contatar as assessorias de imprensa das empresas. Mesmo assim, Arcor, Garoto, Kraft e Nestlé não divulgaram integralmente os dados.
O teor de cacau também foi questionado nos pontos de venda em que havia vendedores ou balconistas para orientar a compra (caso das marcas Kopenhagen, Brasil Cacau e Cacau Show). Mas, de modo geral, eles reagiram com surpresa à pergunta e ninguém soube responder com convicção. O destaque curioso foi a declaração de um funcionário da Kopenhagen, segundo a qual o chocolate ao leite da marca era “puro” e, portanto, teria 100% de cacau. Outra informação “estranha” foi passada pelo SAC da Brasil Cacau: o chocolate ao leite da marca teria 13% de cacau – abaixo do mínimo exigido por lei. Posteriormente, a assessoria de imprensa da empresa retificou a informação: 35,76%.
Chocolates importados
OIdec também foi atrás de alguns chocolates importados vendidos no Brasil e que têm preços lá fora relativamente parecidos com os dos chocolates brasileiros escolhidos: Casino Lait Dégustation, Guylian, Lindt Swiss Classic, Milka, Nestlé Crunch e Ritter Sport.
O mais impressionante é que, apesar de o teor de cacau não estar indicado com muita pompa, ele está presente nos rótulos de todos os chocolates importados pesquisados, mesmo que seja em letras miúdas, no verso da embalagem.
Dois desses chocolates estrangeiros também são fabricados no Brasil: Crunch (da Neslté) e Milka (da Kraft). Nos dois casos, o teor de cacau é maior nos produtos fabricados lá fora: ambos têm no mínimo 30% de cacau – lembrando que os nacionais têm no mínimo 25%. As duas empresas, portanto, praticam o que se chama de “duplo padrão”: independentemente de questões relacionadas à legislação de cada país, elas tratam de maneira diferente os consumidores brasileiros e os de seu continente de origem. Em tempo: embora o chocolate Crunch não seja ao leite, pois contém flocos de arroz, achamos oportuno incluí-lo nesta pesquisa, justamente para se verificar a existência de duplo padrão.
“Ah, então quer dizer que o chocolate de fora é melhor porque tem mais cacau?”. A resposta é: depende. “O teor de cacau influencia fortemente a qualidade do chocolate. O sabor, as propriedades de derretimento, a textura e o brilho têm a ver com a quantidade do fruto, mas existem outras variáveis, como a sua qualidade e o processo de produção”, explica a especialista em cacau Priscilla Efraim.
Chocolate orgânico
Ele é feito com cacau orgânico, ou seja, a principal diferença em relação ao chocolate convencional é a maneira como o fruto é cultivado, já que o processo industrial é praticamente o mesmo. O cacaueiro de uma plantação orgânica cresce no meio da floresta, e não são utilizados defensivos agrícolas. “O cultivo orgânico respeita a filosofia de equilíbrio do ecossistema. A gente devolve vida ao solo, para que os microrganismos criem suas relações naturais de interdependência e comecem a fabricar, naturalmente, os nutrientes necessários para as plantas”, afirma Diego Badaró, produtor de cacau e um dos principais fabricantes de chocolate orgânico.
Outra filosofia por trás do conceito de chocolate orgânico é a qualidade do chocolate. “O verdadeiro chocolate tem alto teor de cacau”, defende Badaró. Segundo ele, não existe uma grande oferta de chocolates “fortes” no Brasil por dois motivos. Primeiro, porque fazer chocolates “ralos” é mais barato para a indústria. Segundo, porque não existe no mercado um grande volume de cacau de qualidade. “Se o cacau é de baixa qualidade, ele não pode ser muito utilizado na receita, pois assim serão expostos todos os defeitos do grão”, explica ele.
Para Badaró, o teor de cacau deveria ser obrigatoriamente expresso na embalagem. “É uma informação importante para que o consumidor possa fazer a sua escolha: O empresário também desconfia do cumprimento da norma que exige ao menos 25% de cacau nos chocolates. “Não existe fiscalização. Então, o que se vê são chocolates com muito açúcar, gorduras hidrogenadas e sabores artificiais”, diz ele.
Antes de elencarmos os benefícios do consumo de cacau para a saúde, é importante fazer algumas ressalvas. A primeira é que não existem milagres: comer chocolate pode, sim, ajudar nesse ou naquele aspecto, mas ele não vai resolver totalmente um problema. Segundo: não é porque o chocolate pode fazer bem que você vai virar um chocólatra; consumir poucos gramas por dia é suficiente. “Por causa da grande quantidade de açúcar e gordura, uma ingestão exagerada certamente vai fazer com que os malefícios superem os benefícios”, avalia Ana Paula Bortoletto Martins, nutricionista do Idec. Por último, é importante frisar que não é qualquer tipo de chocolate que pode ser saudável — apenas os com alto teor de cacau é que têm esse poder.
Ana Paula cita outra dica importante: observar a ordem de apresentação dos ingredientes do produto. Por determinação da Anvisa, esses ingredientes devem ser elencados em ordem decrescente de quantidade. Ou seja, o primeiro é o mais presente; o último, o menos utilizado na fórmula. Por exemplo, se você prestar atenção à lista de ingredientes de chocolates ao leite vai notar que açúcar é sempre a primeira palavra. Só depois vêm os derivados de cacau – muitas vezes eles vêm até mesmo depois do leite. Aliás, em termos de saúde, também é preferível comer chocolates que tenham mais massa (ou liquor) de cacau do que manteiga. “A manteiga praticamente não contém as substâncias consideradas saudáveis – elas se concentram principalmente na massa”, informa Cynthia Ditchfield, professora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo. Além disso, a manteiga tem muito mais gordura. Para saber se um chocolate tem mais massa ou manteiga, repare na ordem dos ingredientes no rótulo. A expressão “massa de cacau” deve aparecer antes de “manteiga de cacau”. Enfim, os principais benefícios propiciados por chocolates com alto teor de cacau são: redução da pressão sanguínea (para quem tem pressão alta), ação cardioprotetora e antioxidante e sensação de bem- -estar (por estimular a produção de serotonina). Mas tome cuidado. Os estudos sérios sobre esse assunto nem sempre são conclusivos, ao contrário do que sugerem muitas reportagens sobre o assunto.
Pesquisa do Idec revela: a maioria dos chocolates nacionais tem baixo teor desse fruto
A Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Graças a tradições que não abordaremos aqui, a comemoração dessa data é feita de diversas formas, inclusive, com ovos de chocolate. Por isso, caro leitor, neste mês, provavelmente, chegará até você algum conteúdo jornalístico citando “milagres” envolvendo esse doce, como, por exemplo, que ele faz bem à saúde. Informações como essas são endossadas por estudos de renomadas (e nem tão renomadas) universidades do mundo, segundo as quais o chocolate contém substâncias que deixam as pessoas mais felizes – pois estimulam o cérebro a produzir mais serotonina, molécula que age na comunicação de neurônios e está relacionada à sensação de bem-estar – e diminuem a pressão arterial.
No entanto, recomendamos que, antes de se entusiasmar, você se informe sobre as características do chocolate que costuma consumir ou que pretende comprar nesta Páscoa. Esses benefícios à saúde são promovidos pelo cacau, mas, quase sempre, esse ingrediente é minoritário. Para ser chamado de chocolate, o produto deve ter, no mínimo, 25% de “sólidos totais de cacau”, de acordo com a Resolução no 264/2005, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O chocolate é elaborado, portanto, com derivados do cacau, e não com o cacau in natura. São dois os derivados principais: a massa (ou liquor) e a manteiga. “A massa é feita com as sementes do fruto, depois de terem sido fermentadas, secas, limpas, torradas, descascadas, moídas e refinadas. Quando essa massa é prensada, surgem a manteiga e o pó de cacau”, explica Pedro Pio Campregher Augusto, pesquisador na área de chocolates do Instituto de Tecnologia de Alimentos – órgão do governo do estado de São Paulo. Para saber quanto de massa e/ ou manteiga de cacau há em nossos chocolates, o Idec comparou chocolates ao leite, meio amargo e amargo das 11 marcas mais comercializadas no Brasil: Arcor, Brasil Cacau, Cacau Show, Garoto, Hershey’s, Kopenhagen, Lacta e Nestlé. Também foram avaliados chocolates de três grandes redes de supermercado: Carrefour, Dia e Qualitá (marca do Grupo Pão de Açúcar).