A César o que é de César
DANIELE MORAES
É jornalista e mãe. Como ativista, luta pela humanização do atendimento ao parto no Brasil
A qualidade da assistência às gestantes no Brasil precisa ser discutida urgentemente. O primeiro sinal de alerta vem do fato de sermos hoje um dos campeões mundiais na realização de cesarianas, que representam 52% dos nascimentos no país, considerando-se hospitais públicos e privados. Além da comprovação científica de que esse tipo de parto oferece mais riscos para as mães e para os bebês, ele revela a perversidade de nosso sistema de saúde, principalmente em relação ao atendimento materno. Seja na rede pública ou nos hospitais particulares, as mulheres são constantemente submetidas a um atendimento de baixíssima qualidade, além de, muitas vezes, serem forçadas a optar pela cesárea por ser mais conveniente para os médicos, cujo papel é zelar pelas gestantes. Entre os fatores que levam a essa triste realidade estão a péssima remuneração dos profissionais, em especial por parte das operadoras de planos de saúde, e a má formação educacional. Anualmente, saem das faculdades de medicina excelentes cirurgiões, porém pouquíssimos profissionais capacitados e dispostos a acompanhar um parto normal de maneira segura e respeitosa.
Dessa maneira, não surpreende que, na contramão da luta mundial a favor da humanização do parto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) tenha se pronunciado, por meio da Resolução nº 243/2012, favorável à cobrança extra, por parte dos obstetras, para o acompanhamento de partos de gestantes que possuem planos de saúde – afirmando não considerar a prática abusiva ou antiética.
OS HONORÁRIOS DOS OBSTETRAS DEVEM SER COBRADOS DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE E NÃO DE SUAS USUÁRIAS
É evidente que todos os profissionais e, consequentemente, as suas entidades de classe, devam lutar por melhores condições de trabalho e remuneração. Até porque acompanhar um trabalho de parto pressupõe disponibilidade e dedicação. Entretanto, é preciso colocar as coisas em seus devidos lugares. Os médicos devem ser mais bem remunerado? Sim. Devem lutar por isso? É claro. Contudo, os honorários dos obstetras devem ser repassados às operadoras de planos de saúde e não às suas usuárias.
Organizações de defesa do consumidor, como o Idec, e órgãos públicos, como o Procon-SP e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), já se pronunciaram criticando a posição do CFM. Agora, nos resta aguardar que os direitos das gestantes sejam respeitados, não somente como consumidoras, mas como cidadãs, de forma que não sejam submetidas tão levianamente aos interesses exclusivos de uma categoria médica.