A cópia de livros para fim educacional é necessária
PABLO ORTELLADO
É professor do curso de Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP Leste) - paort@usp.br
As universidades brasileiras vivem um impasse: o processo educativo é baseado na leitura de livros e artigos, mas nem as bibliotecas nem os estudantes dispõem de meios econômicos para adquirir todos os títulos exigidos. Na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP Leste), por exemplo, cerca de 80% dos estudantes gastariam toda ou mais do que toda a renda mensal da família para adquirir as obras necessárias para um ano de estudo. Por outro lado, se a biblioteca fosse comprar a bibliografia completa de todos os cursos para todos os alunos, passaria mais de 20 anos consumindo todo o seu orçamento. Desnecessário dizer que, muito antes dessas duas décadas, essa bibliografia estaria desatualizada. Mas esse não é o único problema. Em todos os cursos, de 20 a 30% das obras indicadas pelos professores está fora de catálogo, o que significa que, ainda que houvesse dinheiro para comprá-las, isso não seria possível.
Por isso, a cópia de livros, seja ela feita por reprografia ou por meios digitais, é muito difundida no meio acadêmico. Mas, há alguns anos, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), que representa as editoras, criminaliza a cópia de livros, e muitos juízes ainda não reconhecem que a reprodução para uso educativo é legal. Isso gerou conflitos entre as editoras e a comunidade acadêmica, provocando o fechamento de fotocopiadoras e sites de compartilhamento de livros.
Uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) revela que 78% das fotocopiadoras localizadas dentro ou próxima aos campus universitários não fazem cópia de livros com medo de processos (63% delas já foram alvo de ações judiciais). O medo da repressão é tanto que nem livros em domínio público podem ser copiados.
O quadro se torna ainda mais complexo porque o setor de livros técnico-científicos é fortemente subsidiado pelo Estado. Em algumas áreas, 78% dos autores (professores e cientistas) são funcionários públicos e se dedicam integralmente à pesquisa, de forma que o livro é um produto de sua atividade. Além disso, mais de 92% das verbas para pesquisa são públicas. Soma-se a isso a participação de editoras públicas (10% do mercado) e a imunidade tributária garantida ao setor editorial e descobre-se que, em média, apenas 10% do investimento para a produção de um livro técnico-científico é privado. Ora, se a pesquisa que gera o livro é feita com recursos públicos, se a produção industrial do livro é imune de impostos e se uma parcela expressiva do mercado é ocupada por empresas públicas, por que algumas editoras privadas, que investem tão pouco, querem impedir os estudantes de copiar livros?
A solução para o problema é reformar a Lei de Direitos Autorais, para que ela permita, de maneira clara e inequívoca, que os universitários copiem trechos de livros para fins educacionais e científicos.