Planos excludentes
JUSTIÇA SEJA FEITA
Com os contratos de planos de saúde repletos de cláusulas abusivas, em muitos casos, a única forma de o consumidor conseguir acesso a procedimentos e barrar práticas ilegais das operadoras é recorrendo à Justiça. Joana, advogada do Idec, adverte que os direitos dos consumidores estão garantidos mesmo que no contrato haja limitações ou restrições. “Os contratos de planos de saúde, no geral, são de adesão, ou seja, já vêm prontos, e o consumidor não pode alterar o seu conteúdo. Por isso, as previsões abusivas identificadas posteriormente podem ser anuladas”, ela explica.
De acordo com a advogada Daniela Trettel, que é autora do livro Planos de saúde na visão do STJ e do STF [Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, respectivamente], quando se trata de cobertura, a tendência do Poder Judiciário é ficar a favor do consumidor, mesmo nos casos de restrições baseadas no rol da ANS. “As sentenças costumam ser positivas, principalmente quando o pedido é respaldado por laudos médicos que provam que o paciente precisa daquele tratamento”, afirma Daniela. A advogada dá como exemplo de decisões favoráveis nos últimos anos a quimioterapia oral e o home care (assistência médica domiciliar). Apesar disso, muitas operadoras insistem em excluir esses procedimentos, forçando o consumidor a entrar com ações judiciais. “As operadoras mantêm procedimentos de fora mesmo com a jurisprudência a favor do consumidor por uma questão financeira, já que poucas pessoas procuram a Justiça nesses casos. Por isso, para as empresas ainda é vantajoso correr o risco”, ela avalia.
SAIBA MAIS
- Matéria “Duro de Marcar” (edição nº 172 da Revista do Idec http://goo.gl/pqSjm)
- Matéria sobre contratação de planos de saúde, publicada no portal do Idec.
O Idec enviou o resultado da pesquisa a todas as operadoras avaliadas. Veja o resumo das respostas referentes às duas etapas publicadas na Revista do Idec (edições nº 172 e nº 173):
-Com relação aos prazos de atendimento, no geral, as empresas disseram que o fato de o consumidor conseguir agendar consulta na rede credenciada significa que elas cumprem a Resolução nº 259 da ANS. Para o Instituto, porém, a mera indicação de rede credenciada não necessariamente garante o acesso dentro dos prazos. Para cumpri-los, a operadora deve apontar a data em que o atendimento será realizado. Sobre a indicação da localização da rede de atendimento por meio de mapas (chamados de georreferenciamento), as três operadoras avaliadas (Golden Cross, Dix e Trasmontano) forneceram exemplos para provar que a divulgação é feita de forma correta. No entanto, o Idec ressalta que, no dia em que a pesquisa foi realizada, alguns prestadores de serviço não estavam corretamente divulgados.
- No que se refere às cláusulas contratuais, a Ameplan e a Santamália afirmaram que estão revisando os documentos a fim de cumprir as normas da ANS. Já a Dix e a Trasmontano disseram que, como as limitações contratuais são respaldadas pelo rol da agência reguladora, as cláusulas não são abusivas. A Trasmontano, além disso, alegou que, se não houver limitações na cobertura dos serviços, a atividade de um plano de saúde torna-se inviável e que, portanto, ela não descumpre o Código de Defesa do Consumidor. Para o Idec, no entanto, as cláusulas que limitam a cobertura são abusivas, sim, frente à Lei de Planos de Saúde e ao CDC, e o argumento da Trasmontano obviamente não procede, pois o CDC não visa a viabilizar qualquer atividade privada, mas sim proteger os direitos do consumidor.
- A AMR respondeu fora do prazo estipulado, e as demais operadoras não se manifestaram até o fechamento desta edição.
Os contratos de 10 operadoras de saúde suplementar estão cheios de cláusulas abusivas que excluem ou limitam a cobertura de uma série de procedimentos. E o pior: muitos com o aval da ANS
Imagine um consumidor que adquiriu um plano de saúde há poucos meses e ainda não cumpriu todas as carências (período que o usuário precisa aguardar, após assinar o contrato, para poder utilizar o serviço integralmente). De repente, ele sofre um infarto e é levado às pressas para um hospital que faz parte da rede credenciada de sua operadora. Lá, a sua família é informada de que ele só poderá ficar internado por até 12 horas. Caso não se recupere nesse período, os custos da internação serão cobrados, restando a quem não pode arcar com essa despesa a opção de transferir o paciente para um hospital público. Mesmo se ele não tiver condições de ser removido e corra risco de morte, a operadora não se responsabilizará pela continuidade no hospital.
Por mais cruel e ilegal que seja a situação relatada, ela infelizmente pode acontecer. Analisamos o contrato de 10 operadoras de planos de saúde (veja quais no quadro Como foi feita a pesquisa) e verificamos que todos eles têm cláusulas que limitam o atendimento de urgência ou emergência a 12 horas, caso o consumidor não tenha cumprido a carência. O mais grave é que essa restrição é reconhecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que não alterou a Resolução no 8/1998, que autoriza essa prática.
Para o o Idec, a previsão é absolutamente ilegal. A Lei de Planos de Saúde (Lei no 9.656/1998) é muito clara ao determinar que, em casos de urgência ou emergência, ou seja, quando há risco de morte ou de lesão irreparável, o prazo de carência para atendimento é de 24 horas após a contratação do plano. “Passado esse período, o atendimento deve ser integral, na medida da necessidade do paciente. Portanto, a limitação de 12 horas é absurda”, ressalta Joana Cruz, advogada do Instituto responsável pelo levantamento. Segundo ela, o Idec e as demais entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) vêm pressionado a ANS, há anos, a mudar essa norma.
Essa pesquisa, apoiada pelo Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), foi dividida em três partes: a primeira, publicada em dezembro na Revista do Idec (edição nº 172), avaliou se as operadoras de planos de saúde cumprem o prazo máximo para agendamento de consulta estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); a segunda é esta, com a análise do contrato das operadoras; e a terceira, disponível no portal do Idec (veja aqui), analisou o processo de contratação de planos de saúde.
Nessa etapa do levantamento, o objetivo foi identificar a existência de cláusulas abusivas nos contratos (que desrespeitam o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Planos de Saúde ou as normas da ANS). Foram avaliadas 10 operadoras que atuam em São Paulo e comercializam planos individuais para pessoas físicas: Amil, Ameplan, Bio Vida, Dix, Ecole, Golden Cross, Trasmontano, Santamália, São Cristóvão e Universal.
SÓ O QUE O ROL MANDAR
Além da limitação ilegal do atendimento emergencial, os contratos preveem uma série de restrições de cobertura. Todas as operadoras só cobrem o que está listado no rol de procedimentos da ANS. No entanto, isso vai contra a Lei de Planos de Saúde, que estabelece que os tratamentos de todas as doenças classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sejam cobertos, e também contra o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Por isso, o Idec considera abusivas as cláusulas que excluem ou limitam tratamentos, mesmo que baseadas no rol.
Entre os itens excluídos em todos os contratos está uma série de transplantes de órgãos. Apenas os três “obrigatórios”, segundo o rol, são cobertos: de córnea, medula e rim. No entanto, das 10 operadoras, seis não cobrem os medicamentos necessários para a manutenção desses transplantes. Ora, do que adianta o plano de saúde cobrir o transplante, mas não garantir a continuidade do tratamento? Segundo Paulo Pego Fernandes, diretor clínico da Associação Paulista de Medicina (APM), normalmente só os planos mais caros incluem itens “de fora” do rol. Mas, para ele, as empresas não deveriam discriminar nenhum tipo de doença ou tratamento. Veja na tabela da página 23 os principais itens cuja cobertura é excluída ou limitada pelas operadoras.
As cláusulas abusivas não param por aí. Há uma série de outras previsões sem qualquer fundamento, como a que limita a transferência do consumidor para outros planos, identificada em cinco contratos, e a que exige que o consumidor faça, no momento da contratação do plano, exame ou perícia médica. Esta última, apesar de estar presente em sete contratos, não foi colocada em prática durante a contratação, por nenhuma das operadoras avaliadas. Para o Idec, essa exigência viola a intimidade, garantida pela Constituição Federal, e contraria o artigo 11, da Lei de Planos de Saúde, que estabelece o conhecimento prévio do consumidor como critério para que a doença seja caracterizada como preexistente.
Há ainda cláusulas que, além de abusivas, são absurdas, como a encontrada no contrato da Amil e da Dix (que faz parte do grupo Amil), que diz que, caso as operadoras sejam obrigadas pela Justiça a cobrir um procedimento não previsto no contrato, o consumidor terá de indenizá-las! Segundo Joana, essa previsão é nula, pois a sentença judicial deve obrigatoriamente ser cumprida. “Claramente, essa cláusula tem o objetivo de intimidar o consumidor e coagi-lo a não exigir seus direitos judicialmente. Ela demonstra má-fé da operadora e viola uma série de artigos do CDC”, critica a advogada do Idec. Confira na tabela da página 24 outras cláusulas abusivas identificadas.