Cuidado: sal demais!
Acordos firmados entre governo e empresas para reduzir o teor de sódio em produtos alimentícios são ineficazes. Ao consumidor, cabe evitá-los no dia a dia, mas, para isso, é preciso que a informação nutricional seja mais clara
Má notícia para quem sentiu certo alívio quando ouviu falar que os alimentos industrializados teriam menos sódio. Apesar dos acordos firmados entre o Ministério da Saúde e os representantes das empresas de produtos alimentícios, a maioria dos fabricantes não vai precisar reduzir a quantidade desse ingrediente em seus produtos, pois boa parte deles já tem, atualmente, teor de sódio dentro das metas estabelecidas para os próximos anos. Foi o que o Idec verificou ao analisar o rótulo de 530 alimentos industrializados de diversas categorias, entre bolos, biscoitos, batatas palha, maioneses e cereais matinais (veja a lista completa dos produtos no quadro abaixo).
O fato de os alimentos já estarem dentro do patamar estabelecido nos acordos não significa que eles estejam “bem na fita” em relação à quantidade de sódio, pelo contrário. No caso da maionese, por exemplo, boa parte das marcas analisadas contém mais de 1.000 mg do nutriente em 100 g do produto (o equivalente a 10 colheres de sopa, aproximadamente). Nessas colheradas, há quase metade do total de sódio recomendado pelo Ministério da Saúde para um dia inteiro, que é de 2.400 mg. Contudo, as metas de redução para a categoria parecem não levar isso em conta, pois foram fixadas em 1.283 mg/ 100 g para o ano de 2012; e em 1.051 mg/ 100 g até o fim de 2014 (as metas são gradativas e devem ser implementadas a cada dois anos; para alguns alimentos, começam neste ano e seguem em 2015). Das 21 marcas de maionese pesquisadas, 20 (95,4%) não precisaram mover nenhuma palha para cumprir a meta do ano passado, e 11 (52,4%) podem continuar como estão até o ano da Copa do Mundo no Brasil. Veja na tabela na página 28 os resultados dos outros produtos.
De acordo com Patricia Jaime, coordenadora de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, as metas foram definidas, em 2010, com base nos menores valores de sódio existentes no mercado para cada categoria de alimento. O objetivo é que, até 2020, todas as marcas contenham o teor mínimo de sódio praticado 10 anos antes. Segundo Patricia, não havia evidências de que seria possível adotar metas mais rigorosas. Ela destaca, ainda, que o Ministério não classifica os produtos que atingem tais marcas como saudáveis. Para o Idec, porém, os acordos são superficiais. “A medida é importante, mas, isoladamente e com metas timidamente definidas, o impacto na saúde é muito pequeno”, declara Silvia Vignola, sanitarista consultora do Instituto e responsável pelo levantamento. Ela ressalta que, para ir além de acordos voluntários junto às empresas, o Ministério da Saúde deve articular outras frentes. “É importante que a indústria participe das discussões, mas o governo precisa estabelecer regras para melhorar a qualidade nutricional dos alimentos e também garantir informação clara ao consumidor nos rótulos dos produtos”, defende.
O Idec verificou os teores de sódio de 530 alimentos de oito categorias que fazem parte dos acordos firmados entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), a Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias, Pão & Bolo Industrializado (Abima), a Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo) e a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip) para redução dos níveis do ingrediente. A análise foi feita a partir das informações nutricionais disponíveis no rótulo dos produtos, consultados no site das empresas.
O levantamento foi realizado em duas etapas: a primeira, em janeiro de 2012, avaliou bolos prontos, rocamboles, salgadinhos de milho, batatas fritas e batatas palha industrializadas, maionese e biscoitos (doces com e sem recheio, e salgados tipo cream cracker e água e sal); a segunda etapa foi realizada em setembro de 2012, quando foram analisados cereais matinais e margarina vegetal. Antes, em maio de 2011, o Instituto já havia feito um levantamento com os alimentos da primeira rodada de acordos (macarrão instantâneo, pão de forma e bisnaguinhas), cujos resultados foram publicados na matéria “Menos sal nos próximos anos. Será?” (edição nº 157 da Revista do Idec http://goo.gl/CiqZT).
Menos sal no seu prato
Oconsumo frequente de alimentos com muito sódio é um conhecido vilão da saúde. Sua principal consequência é a hipertensão arterial, que, por sua vez, pode contribuir para doenças do coração, como insuficiência cardíaca, infarto e acidentes vasculares. “Como retém líquidos, o sódio aumenta o volume sanguíneo, elevando a pressão nas artérias e veias. Além disso, o coração precisa bombear mais sangue para o rim, que trabalha dobrado para filtrar o excesso do nutriente”, explica a nutricionista Camila Capellette Barreto, do Centro de Referência para Prevenção de Doenças Associadas à Nutrição (CRNutri) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Segundo ela, também há vários estudos que relacionam o excesso de sódio a câncer de estômago e problemas renais. Apesar de todos esses riscos, os brasileiros exageram na dose de sódio. Segundo dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2011, o consumo médio é de 3.200 mg/ dia – muito acima dos 2.400 mg/dia recomendados pelos órgãos de saúde. Para Camila, boa parte do excesso provém dos alimentos industrializados, em especial carnes processadas (hambúrguer e empanados de frango, por exemplo) e embutidos, cada vez mais presentes na dieta dos brasileiros. A nutricionista Fernanda Maniero, doutora pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) e sócia-diretora da Via Nutricia, empresa de consultoria e assessoria nutricional, concorda e lembra que comidas industrializadas que contêm muito sódio, no geral, também apresentam gorduras em excesso.
Além de evitar o consumo de produtos industrializados, as especialistas recomendam diminuir as pitadas de sal no prato e, principalmente, o uso de temperos prontos no preparo das refeições. “O tempero pronto, além do cloreto de sódio (o mesmo que compõe o sal de cozinha), contém glutamato monossódico, realçador de sabor que também tem sódio. Por isso, o tempero é pior que o próprio sal”, aponta Camila. Ela sugere que, em vez desses caldos e pozinhos, sejam usadas ervas, como salsinha e orégano, para dar sabor à comida. Nos supermercados, em geral, há ervas desidratadas, que são tão práticas quanto os sachês e cubos de temperos prontos, mas muito mais saudáveis.
A pedido da Revista do Idec, a nutricionista Fernanda sugeriu algumas mudanças que podemos fazer no dia a dia para diminuir a ingestão de sódio. Elaboramos um cardápio com itens comuns na mesa dos brasileiros nas cinco refeições diárias e ela indicou substitutos. Veja no quadro acima.
FRASE DE ALERTA
Para você, o que seria mais fácil entender: só uma tabela que diz que, numa porção de 25 g há 172 mg de sódio, o que corresponde a 7% do Valor Diário (VD) de referência, com base em uma dieta de 2 mil kcal ou 8.400 kJ, ou a frase “Este alimento contém muito sódio e, se consumido em grande quantidade, pode oferecer riscos à saúde” associada à tabela nutricional? É provável que os consumidores prefiram a segunda opção. Para o Idec, é importante que esse tipo de sentença de alerta esteja no rótulo dos alimentos com teor elevado de sódio para que o consumidor possa optar por consumi-lo ou não.
Isso é ainda mais importante se considerarmos que, por mais que sejam estabelecidas metas para redução de nutrientes potencialmente prejudiciais à saúde nos alimentos, muitos produtos, por sua formulação básica, nunca serão saudáveis se consumidos em excesso. A professora de Engenharia de Alimentos do Instituto Mauá de Tecnologia Eliana Paula Ribeiro cita como exemplo salgadinhos, alimentos embutidos e alguns tipos de queijo: o teor de sódio pode ser reduzido, mas há um limite para que esses produtos não percam suas características, principalmente de sabor.
Patricia Jaime explica que a adoção de alertas de saúde (como são chamadas essas frases de advertência) no rótulo dos alimentos não depende somente do governo brasileiro, pois as regras para a rotulagem são padronizadas entre os países do Mercosul. No entanto, Silvia Vignola pondera que o Brasil é o país economicamente mais forte do bloco e pode influenciar os demais. “A discussão não pode se basear apenas no aspecto econômico, é preciso considerar a saúde dos cidadãos”, destaca a sanitarista. Para ela, porém, a rotulagem é difícil de ser alterada, já que incomoda a indústria de alimentos. “Para as empresas, é mais fácil propor acordos com metas irrisórias de redução de sódio, pois elas não terão de fazer grandes esforços para atingi-las”, alfineta.
A Revista do Idec procurou a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentos (Abia) para comentar o assunto, mas ela não quis se manifestar a respeito, e também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que não se manifestou até o fechamento desta edição.