Esculturas microscópicas
O que diz o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
Entrevistamos Adalberto Fazzio, coordenador da área de nanotecnologia desse Ministério.
Quais os objetivos do Comitê Interministerial de Tecnologia (CIN)?
O objetivo é conseguir a participação de setores diferentes do Executivo na gestão da nanotecnologia, de forma coordenada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Isso porque esse é um tema transversal. A ideia é que haja a integração de mecanismos de planejamento, projetos e financiamentos para alavancar essa plataforma tecnológica.
Em que aspectos o Brasil tem se destacado?
Ainda temos que avançar muito. Fazemos o máximo, mas os outros países estão bem à frente. Nanotecnologia já é uma prioridade dessa pasta [MCTI] e, agora, será também dos outros ministérios.
Existe algum levantamento de quantos produtos feitos com nanotecnologia (nacionais e importados) estão presentes no mercado brasileiro?
Não existe uma lista desses produtos. Em todo o caso, eles já foram aprovados por órgãos rigorosos, como a Anvisa e o Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia]. Mas o Brasil está participando de uma discussão internacional sobre regulação da nanotecnologia.
Produtos concebidos por meio da nanotecnologia recebem ou deveriam receber alguma identificação específica?
Essa discussão é longa. A Europa está se posicionando a favor dessa identificação e nós teremos de tomar uma decisão a respeito. Em alguns tipos de produto, como protetor solar, ela é importante. Em outros, como eletrônicos, acredito que não.
Há alguma iniciativa para se estudar e/ou monitorar os eventuais riscos da nanotecnologia?
Tudo o que é novo gera medo e, às vezes, ele tem razão de ser. No ano passado, foram aprovados cinco editais em nanotoxicologia, que são redes de pesquisas que vão estudar possíveis efeitos da nanotecnologia. A nanotecnologia já se faz presente em quase todos os tipos de produtos. Porém, pouco se sabe se ela oferece riscos à saúde e ao meio ambiente
Esse tal de ser humano é mesmo um bicho muito sabido. Tudo começou há longínquos milênios, com o domínio do fogo. De lá para cá, a coisa não parou mais; o que talvez tenha mudado é a velocidade, cada vez mais alucinante, com que esse ser consegue transformar (em tese, a seu favor) o meio em que vive. Nos últimos anos, a palavra de ordem é nanotecnologia. Alguns a chamam de “a nova revolução industrial”. Não é para menos: o sufixo nano significa “a bilionésima parte de um metro”. Manipular matéria em escala tão reduzida é mesmo algo fascinante e revolucionário. “Na nanotecnologia, usa-se muito menos matéria para se conseguir a mesma função”, sintetiza Fernando Galembeck, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Isso explica, por exemplo, por que os computadores e celulares de hoje têm dimensões tão mais interessantes que os primeiros processadores e telefones portáteis.
Mas a nanotecnologia não se faz presente apenas na fabricação de eletrônicos e de chips extremamente compactos. Hoje, praticamente todos os setores industriais, de uma forma ou de outra, se valem desse processo tecnológico: medicamentos, cosméticos, alimentos, roupas, construção civil, agricultura, metalurgia etc. “Diga o nome de qualquer produto industrial criado ou aperfeiçoado nos últimos 30 anos. Ele contém alguma nanotecnologia”, diz Galembeck. “Por meio dela, são construídos moléculas, partículas e agrupamentos de moléculas, partículas e íons muito bem definidos e com as propriedades desejadas. É como se fizéssemos esculturas submicroscópicas e depois as uníssemos e organizássemos para construir medicamentos, equipamentos, roupas e tudo o mais de que precisamos”, ele completa.
A bem da verdade, a nanotecnologia não é exatamente algo recente. “Os gregos e romanos já faziam esse tipo de manipulação. Por exemplo, misturando ouro e prata ao vidro, o que altera sua coloração”, exemplifica Elson Longo, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN). Vitrais de igrejas medievais também eram feitos por meio desse processo.
O que mudou desde a Antiguidade foi a possibilidade de o homem enxergar essas partículas que têm um bilionésimo de metro. E isso só foi possível graças ao desenvolvimento da microscopia. Assim, ao estilo “ver para crer”, o homem começou a compreender melhor o que se passa em escala tão reduzida de matéria e passou também a poder alterar esse mundo em miniatura. RISCOS POUCO CONHECIDOS
Hoje, diversos países – inclusive o Brasil – investem bilhões de dólares em pesquisas de nanotecnologia. No entanto, não existe a mesma gana para se estudar os impactos dessa tecnologia na saúde e no meio ambiente. Resultado: o homem praticamente desconhece os riscos da nanotecnologia. “Ainda sabemos muito pouco se esses processos podem, de alguma forma, trazer impactos negativos ao meio ambiente e à saúde humana. Por exemplo, não se sabe se as partículas nanotecnológicas usadas em algumas geladeiras não impregnam os alimentos. Também não temos certeza se os resíduos da água expelida por uma máquina de lavar podem alterar o ecossistema em que são descartados. É um cenário de incertezas”, aponta Paulo Martins, coordenador da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanossoma).
O Brasil, que ainda engatinha em estudos de nanotecnologia, engatinha mais ainda em pesquisas de riscos. “Lá fora, a discussão é sobre qual percentual dos recursos destinados ao desenvolvimento tecnológico será aplicado a pesquisas de nanotoxicologia. Aqui, a situação é ainda mais incipiente. O primeiro edital para esse tipo de pesquisa é do final do ano passado”, informa Martins. Se as pesquisas em nanotoxicologia ainda não são conclusivas, algumas deduções podem ser preocupantes. “As partículas de amianto têm tamanho mil vezes maior que as nano e já sabemos os males que elas causam. E com partículas com um milésimo desse tamanho, o que acontece? Será que não penetram mesmo no corpo humano?”, preocupa-se Martins. O raciocínio tem sentido. Não é improvável que a pequenez das nanopartículas seja suficiente para que elas passeiem à vontade pelo nosso corpo. O que não se sabe é se isso pode ou não trazer prejuízos.
SEM INFORMAÇÃO
Para o cidadão preocupado em saber se o que consome foi feito ou não por meio da nanotecnologia, uma má notícia. Nenhum órgão do governo, ou mesmo da sociedade civil, sabe exatamente quais produtos utilizam essa tecnologia. “A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o Ministério do Desenvolvimento... Ninguém sabe. A missão de informar o consumidor fica a cargo do departamento de marketing das empresas”, critica Martins. Em outras palavras, se as empresas acharem que revelar que determinado produto foi feito a partir de nanotecnologia é interessante do ponto de vista comercial, o consumidor vai ficar sabendo disso por meio de publicidade e marketing. Caso contrário, o bem nanotecnológico será colocado nas prateleiras sem que ninguém saiba que ele contém essa tecnologia.
"Nenhum órgão do governo ou da sociedade civil sabe quais produtos usam nanotecnologia. A missão de informar os consumidores é das empresas"
Paulo Martins, da Renanossoma
O professor Galembeck pondera: “Qualquer tecnologia oferece riscos. Infelizmente, muitos autores têm escrito sobre nanotecnologia como se fosse uma sucessão de benesses, sem nenhum risco. Por outro lado, outros autores, igualmente irresponsáveis, consideram essa tecnologia um grande fantasma que nos ameaça em cada esquina”. Ele acrescenta, ainda, que “ao fazermos e usarmos nanotecnologia, temos de ser objetivos e responsáveis. Em primeiro lugar, pesquisar e conhecer os perigos oferecidos pelos novos materiais. Depois, avaliar os riscos e os benefícios, e só então decidir usá-los ou não”. Ná página seguinte, elencamos os principais tipos de produto que usam nanotecnologiae quais as suas diferenças em relação aos que não a utilizam. Produtos nanotecnológicos
Eletrônicos
Praticamente todos os chips são feitos por meio desse processo: do celular ao computador. Isso significa mais eficiência em menos espaço.
Produtos de higiene, saúde e beleza
Em cosméticos, o objetivo principal é incorporar princípios ativos (como antioxidantes e estimuladores de colágeno) a partículas nano, que serão capazes de atravessar a pele com mais eficiência. Protetores solares também são feitos assim; eles contêm nanopartículas de óxido de zinco ou titânio. Partículas menores são mais bem absorvidas e tendem a não deixar aquela conhecida cor esbranquiçada. Alguns xampus também têm componentes nano – e há marcas que até anunciam isso.
Medicamentos
Os princípios ativos da droga são colocados em cavidades muito pequenas, que fazem parte da substância que vai transportar esses princípios às células. Assim, o medicamento age mais rapidamente e é expelido no sangue mais gradativamente, o que tende a gerar menos efeitos colaterais.
Plásticos, borrachas e tecidos
Produtos feitos com essas matérias-primas, como brinquedos, roupas e eletrodomésticos, também já passam por processos nano. No geral, o objetivo é ter materiais mais resistentes e higiênicos (bactericidas ou que exalam menos cheiro, por exemplo).
Alimentos
A aplicação de nanotecnologia em alimentos gera bastante receio aos consumidores. Por isso, esse setor é pouco transparente. “Podemos comer alimentos com nano sem saber”, alerta Martins. O uso mais disseminado hoje é em embalagens: elas são revestidas com uma película de nanofilme que praticamente retém a passagem de oxigênio. Assim, os alimentos duram mais. Fora isso, a nanotecnologia pode ser útil em processos de desodorização e de microencapsulação de aditivos – por exemplo, um pão com microcápsulas de ômega 3 que só são liberadas depois de ingeridas.