Obsolescência programada é tendência
FELIPE FONSECA
É pesquisador e articulador de projetos de apropriação crítica de tecnologia, cofundador do blog Lixo Eletrônico http://lixoeletronico.org e da rede MetaReciclagem http://rede.metareciclagem.org
A preocupação ambiental está aumentando e em relação aos resíduos eletroeletrônicos, particularmente, as coisas parecem estar melhorando. Será? Os cidadãos estão mais conscientes e querem dar destinação correta ao lixo que geram. O governo começa lentamente a fazer a sua parte, trabalhando para pôr em prática a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010. As diretrizes estão na mesa, só resta implementá-las.
Porém, um grande problema quando se fala de resíduos eletroeletrônicos é que eles são bem mais complexos que outros tipos, como alumínio, garrafas PET, vidro etc. E não são facilmente reciclados. Reciclar determinado material significa decompô-lo em outros materiais que podem ser reutilizados na produção de novos produtos. No caso dos eletrônicos, esse processo tem custo econômico relativamente alto, além de impacto ambiental que deve ser levado em conta. Por conta dessas características, a reciclagem deve ser o último recurso. Tão ou mais importante é diminuir o volume de resíduos gerados, por exemplo, estimulando o reuso de equipamentos. Só que a indústria age de forma exatamente oposta: para grande parte dos fabricantes de eletrônicos, o produto é considerado lixo a partir do momento em que sai da loja, ou seja, ele tem vida útil curta para que seja substituído o mais rápido possível. Essa tendência tem até nome: “obsolescência programada”. Isso significa que todas as etapas da produção de eletrônicos (e não só deles) – concepção, design, extração de matérias- -primas, fabricação, distribuição, comunicação e venda – estão voltadas unicamente para garantir que eles sejam usados pelo menor tempo possível.
Já que não existem ferramentas que obriguem a indústria a mudar esse comportamento, uma saída é o consumo consciente. Mas ele tem grandes adversários. A imprensa corporativa – ligada a grandes empresas de comunicação –, por exemplo, tem retratado, frequentemente, projetos comunitários de reuso de eletroeletrônicos. Infelizmente, ela só costuma exibir um lado desses projetos, eliminando qualquer declaração que critique o consumismo exacerbado e individualista da sociedade contemporânea e esquecendo as imagens dos imensos depósitos de material inservível que isso acaba gerando. Dessa forma, a imprensa oferece certo alívio de consciência para a sua audiência, sem interferir no volume de vendas, único indicador importante para as empresas que veiculam anúncios em jornais, revistas, canais de TV e emissoras de rádio. A mensagem que se passa é: “continuem consumindo”.
São muitos os indícios de que, apesar de todo o discurso “verde”, a indústria continua na contramão do que precisa ser feito. O guia dos eletrônicos verdes do Greenpeace demonstra que, infelizmente, a empresa mais bem colocada não chega a alcançar nota 6 em uma escala que vai até 10. Os poucos avanços são eclipsados por evidentes retrocessos. Um caso recente foi o anúncio da Apple de que retiraria seus aparelhos do sistema de certificação ambiental para produtos eletrônicos dos EUA (Epeat), que emite selos para produtos recicláveis e com baixo impacto ambiental. Isso porque, sempre que precisa optar entre a adequação ambiental e a garantia de mais e mais lucros, a escolha da indústria é bastante clara: o planeta que se vire.