Como porque gosto ou gosto porque como?
FÁBIO DA SILVA GOMES
É nutricionista da Coordenação de Prevenção e Vigilância do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e conselheiro da Associação Mundial de Nutrição e Saúde Pública (WPHNA — sigla em inglês)
A definição do gosto de uma pessoa passa por um processo de ensino e aprendizagem que começa na infância e segue por toda a vida. As crianças crescem observando atentamente o mundo à sua volta: o que os pais compram e comem, o que passa na TV, os brinquedos estampados nos pacotes coloridos de biscoitos expostos nas prateleiras de supermercados e na vitrine de lanchonetes. Elas ainda não gostam de biscoitos, nem de sanduíches, batatas fritas, refrigerantes ou sorvetes, pois nunca provaram, nem sabem o que significam. Alguém as ensinará a gostar ou a não gostar deles.
É inegável a influência que a publicidade exerce sobre o consumo. E as crianças são especialmente atingidas, já que são fisgadas mais facilmente, consciente ou inconscientemente. Logo, elas comprarão um produto não porque gostam, mas passarão a gostar dele porque foram estimuladas, desde pequenas, a comprar, comprar e comprar.
A questão é: como proteger as crianças? Elas não são capazes de, sozinhas, se defender da persuasão publicitária. Os pais ou responsáveis podem restringir sua exposição à publicidade, mas essa não é uma tarefa fácil. Por isso, o Estado e aqueles que defendem o interesse público precisam agir de forma organizada e efetiva para proteger o bem comum. Com o intuito de reforçar o papel do Estado e estabelecer arcabouços legais para garantir o direito à alimentação adequada e saudável, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) elaborou algumas recomendações sobre Promoção e Publicidade de Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas para as Crianças nas Américas. Elas foram lançadas em abril deste ano, durante o congresso World Nutrition Rio2012, e são um estímulo aos ministérios da Saúde de todos os países da América para que implementem uma política de redução da exposição infantil à promoção e à publicidade de alimentos com elevado teor de gorduras, açúcar ou sal.
E a publicação dessas recomendações aconteceu num momento mais que oportuno. Já existem evidências que comprovam a efetividade de medidas regulatórias de restrição da publicidade com a finalidade de melhorar a alimentação; e entidades profissionais da área de nutrição e saúde pública e autoridades nacionais e internacionais da área de saúde, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), incluem entre suas principais recomendações a regulação da publicidade de alimentos e bebidas para as crianças. Além disso, há amplo reconhecimento social de que é preciso impor limites ao estímulo irrestrito dos produtos nocivos à saúde. As recomendações da Opas são mais um passo rumo à concretização de tais medidas, porque oferecem mais que um conjunto de definições e orientações. O documento convoca para a ação. É hora de dar às crianças a oportunidade de comerem comida de verdade!
SAIBA MAIS
Recomendações da Consulta de Especialistas da Organização Pan-Americana da Saúde sobre a Promoção e a Publicidade de Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas para Crianças nas Américas http://goo.gl/gXxQJ